As Expectativas do 'Marco Legal da Ciência e Tecnologia'
Olá leitor!
Segue abaixo um interessante artigo postado dia (29/02) no portal
esquerdista “Carta Maior” tendo como destaque as expectativas
para o novo “Marco Legal da Ciência e Tecnologia”.
Duda Falcão
ECONOMIA
As Expectativas do 'Marco Legal
da Ciência e Tecnologia'
O Marco parece não levar em conta a evidência empírica
disponível
sobre o resultado das medidas que vêm sendo implementadas
com o mesmo objetivo
sobre o resultado das medidas que vêm sendo implementadas
com o mesmo objetivo
Renato Dagnino
29/02/2016
Créditos da Foto: EBC
Em 11 de janeiro foi promulgada a lei 13.243/2016 do
“Marco Legal da Ciência e Tecnologia e Inovação” (MLCTI) cujo objetivo é
induzir comportamentos virtuosos dos envolvidos com a pesquisa em “ciências
duras” e a pesquisa e desenvolvimento (P&D) que ela alimentaria.
Na ocasião, a presidenta destacou que o MLCTI irá
fomentar a cooperação universidade-empresa de modo a transformar “mais ciência
básica em inovação, e inovação em competitividade, gerando um novo ciclo de
desenvolvimento econômico no País”.
“É um momento histórico para a ciência brasileira”,
comemorou a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
presente à cerimônia, ressaltando que “a presidente Dilma falou bem claro sobre
a importância de o professor na universidade colaborar com inovadoras”.
Lembrando o processo que originou o “Código de Ciência,
Tecnologia e Inovação” mediante o PLC 77/2015 que o MLCTI sancionou, o
presidente da Academia Brasileira de Ciências, referindo-se a “um sonho que se
realiza” disse: “Foram 5 anos de luta. Foi um movimento muito bonito, que deu
força à ciência brasileira”.
“É a luta de uma nação que acredita que a ciência, a
tecnologia e a inovação são as ferramentas que ajudarão o País a sair da
crise”, disse o presidente do CNPq.
Para o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, “a
nova Lei amplia a inserção do Brasil entre os países mais inovadores, além de
gerar mais riqueza, empregos, renda e consequente ascensão social”. Adicionando
um tom pragmático, disse que ela “cria possibilidades de novos investimentos na
ciência e tecnologia. Cria facilidades e permite às instituições públicas
buscarem dinheiro para seus projetos”.
Como costuma acontecer quando expectativas otimistas
sobre o MLCTI proclamadas num diapasão de magister dixit (o mestre disse) e
aceitas pelo sentido comum como investidas de um estatuto de vox Populi vox dei
(voz do povo voz de deus) essas manifestações repercutiram favoravelmente na
imprensa, no meio político, e nas universidades e instituições de pesquisa
públicas. Nelas, docentes e pesquisadores renomados de algumas das mais
prestigiosas, diretamente interessados no persistente fomento à cooperação
universidade-empresa há que anotar, declararam sua satisfação.
Diferentemente daqueles líderes da comunidade de pesquisa
das “ciências duras” duas entidades, agora num tom explicitamente corporativo e
na defesa de seus representados, manifestaram-se criticamente.
A primeira foi a Associação Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento de Empresas Inovadoras. Embora saudando, entre outros aspectos,
as implicações para a “desburocratização” dessa cooperação, ela criticou os
vetos presidenciais ao PLC 77/2015 concentrando-se, como era de se esperar, em
aspectos financeiros de interesse das empresas que já se utilizam do sistema de
fomento à inovação, como os relativos às bolsas que o MLCTI facultará aos
professores e estudantes interessados em realizar P&D na empresa e os
relativos à utilização do poder de compra do Estado.
A segunda foi o Sindicato Nacional dos Docentes das
Instituições de Ensino Superior, preocupado que o MLCTI reforce o processo em
curso de privatização da educação pública. Ao flexibilizar o regime de
Dedicação Exclusiva e possibilitar que empresas privadas remunerem dirigentes
das instituições públicas de pesquisa e ensino por meio de fundações de apoio,
ele induziria docentes e pesquisadores a complementarem seu rendimento mediante
a reorientação de parte de seu potencial de trabalho custeado com o fundo
público.
Não obstante a sua postura crítica, esse último ator, que
é praticamente o único do campo da esquerda que se tem pronunciado sobre a PCTI,
não questiona as ideias-força que animam sua elaboração. De fato, ao contrário
do que ocorre com muitas outras políticas públicas em que possui um
considerável acúmulo cognitivo, a esquerda não se tem preocupado em
diagnosticar adequadamente o contexto em que se insere a PCTI e sobre o qual
ela pretende incidir.
Correndo o risco de uma generalização e simplificação
indevidas, mas dado o imperativo de fazê-las caber no espaço deste texto, essas
ideias-força podem ser assim sintetizadas: (a) as empresas industriais locais
veriam no aumento de sua atividade de P&D uma oportunidade para incrementar
seu lucro; (b) sua maior lucratividade aumentaria a competitividade do País e
estas levariam, “por transbordamento”, ao desenvolvimento; (c) por verem a
P&D como uma fonte de lucro, aumentariam seu envolvimento com as
instituições públicas de ensino superior e de pesquisa; (d) essas instituições
geram resultados de pesquisa e pessoas aptas a realizá-la que seriam de
interesse das empresas locais.
A avaliação que o título promete da viabilidade de
efetivação das expectativas de que o MLCTI venha a propiciar o “avanço da
ciência”, a “competitividade”, o “desenvolvimento econômico” e a “ascensão
social”, se baseia em argumentos de pesquisadores do campo dos Estudos Sociais
da Ciência e Tecnologia relacionados ao tema e em evidências empíricas
disponíveis sobre os países líderes em CTI e sobre o Brasil (embora, em favor
da brevidade, se omita sua fonte, elas são facilmente acessáveis).
As expectativas atinentes às mudanças que o MLCTI
provocaria no comportamento das empresas e do complexo público de ensino
superior e de pesquisa - refraseadas para resumí-las - são abordadas em
sequência. Para as expectativas numeradas a seguir se indica o argumento que
questiona a viabilidade de sua efetivação de modo a possibilitar um debate que
oriente com segurança nosso potencial tecnocientífico para o desenvolvimento do
País; o que, sem dúvida, é o desejo dos que as enunciaram.
As empresas (inovadoras)...
1- serão mais lucrativas porque terão mais acesso aos
resultados da pesquisa pública (a realizada no complexo público de ensino
superior e de pesquisa)
Não existem indicadores sobre a importância desses
resultados para o Brasil, mas, o que ocorre em países avançados como os EUA,
onde ela pode ser avaliada pelo porcentual do gasto em P&D pelas empresas
que é alocado nas universidades e institutos de pesquisa, que é de 1% (sendo
que 99% é gasto intramuros), não autoriza esta expectativa; há também que considerar
que em relação ao PIB estadunidense o montante alocado pela empresa para
P&D universitária é apenas 0,02%.
2 - serão mais lucrativas porque absorverão pessoal mais
qualificado para P&D
O fato de que na indústria manufatureira, que é o setor
alvo daqueles líderes da comunidade de pesquisa que compartem esta expectativa
(haja vista as características da pesquisa que realizam), as empresas locais
contrataram para P&D durante os anos de bonança econômica - entre 2006 e
2008 - apenas 68 dos 90.000 mestres e doutores “ciência dura” que formamos
(enquanto que nos EUA esta proporção é de mais de 50%), e que dificilmente um
instrumento legal por mais potente que seja possa mudar as características
estruturais de nosso contexto periférico, parece apontar a inviabilidade desta
expectativa.
3 - serão mais lucrativas porque terão mais incentivo à
P&D
Talvez devido ao enorme crescimento dos recursos e
mecanismos de apoio, apenas 12% das empresas locais que não introduziram
inovações no mercado (que segundo se pensa aumentariam seu lucro se realizassem
P&D) apontam como causa de seu comportamento a “escassez de fontes de
financiamento”, enquanto que as que declaram ser as “condições de mercado” são
70%.
4 - serão mais lucrativas porque passarão a basear sua estratégia
inovativa na P&D
A informação levantada pela PINTEC/IBGE sobre o
comportamento inovativo das empresas locais (que é a que fundamenta boa parte
dos argumentos apresentados neste texto) mostra que ele vem se baseando na
aquisição de máquinas, equipamentos e insumos (frequentemente provenientes do
exterior) e que as atividades de P&D, além de relativamente bem menos
importantes, se concentram invariavelmente num pequeno grupo em que a
participação das multinacionais vem crescendo significativamente.
5 - irão produzir bens e serviços inovadores à escala
mundial
Nesse período, mas de 80% das inovações de processo
lançadas no mercado pelas empresas locais o são apenas para elas mesmas e
alguns poucos décimos porcentuais são novidades à escala mundial; o que, mais
uma vez, torna muito improvável o cumprimento desta expectativa.
6 - usarão os recursos adicionais disponibilizados
através do MLCTI para alavancar maiores dispêndios em P&D
Ao contrário do que ocorre nos países da OCDE, onde, para
cada dólar disponibilizado pelo governo para P&D as empresas gastam outros
nove, as empresas locais beneficiadas tendem a diminuir os recursos próprios
alocados à P&D (fenômeno denominado crowding out); apesar do substancial
aumento dos recursos públicos disponibilizados ocorrido na última década, a
parcela da Receita Líquida alocada pelas empresas inovadoras à inovação
diminuiu de 3,8% para 2,5% e a orientada à P&D permaneceu estável em
0,6%; as inovadoras que declararam realizar P&D para inovar diminuíram de
33% para 11% (uma queda de 67%); as inovadoras que apontaram a P&D como
importante para sua capacidade de inovar diminuíram de 34% para 12% (uma queda
de 65%), e as que apontaram a aquisição de máquinas e equipamentos se
mantiveram em cerca de 80%.
7 - sendo mais lucrativas, crescerão mais e desencadearão
um ciclo de desenvolvimento no País
O fato da indústria manufatureira ter um porte diminuto
(e decrescente) – sua participação no PIB é 9%, e somente 2 dos 160 milhões em
idade ativa (cuja imensa maioria sobrevive na economia informal) nela trabalhem
com carteira assinada, torna improvável um poder de indução de crescimento
(muito menos de desenvolvimento) que torne viável esta expectativa.
8 - sendo mais lucrativas, crescerão mais e aumentarão a
competitividade do País
Nossa competitividade se deve a vantagens comparativas
naturais ou associadas ao baixo preço da mão-de-obra, e os produtos portadores
de inovações de produto ou processo que são demandantes de P&D já contam
com circuitos de produção e difusão de conhecimento consolidados (Embrapa para
o agronegócio, etc.) e relativamente pouco sensíveis a instrumentos como o
MLCTI.
O Complexo Público de Ensino Superior e de Pesquisa:
1 - irá contribuir para gerar resultados de pesquisa para
a empresa local
Embora na última década o numero de matrículas em
unidades de ensino superior públicas venha crescendo numa taxa superior à das
privadas (que praticamente não realizam pesquisa e são pouco sensíveis ao seu
sistema de fomento) e tenha ultrapassado a proporção de 20%, é pouco provável
que o MLCT possa aumentar significativamente a produção nacional de resultados
de pesquisa.
2 - irá obter recursos suplementares mediante o aporte
das empresas para P&D conjunta
Em países avançados como os EUA o porcentual do gasto
total das universidades que é captado por esta via é de apenas 1%; na Unicamp
que é provavelmente a universidade onde este porcentual é mais elevado ele não
chegue a 0,8%, sugere que para o conjunto das universidades ele seja inferior a
0,2%.
3 - em função da maior proximidade com a empresa, irá
formar pessoas e realizar pesquisas mais conducentes à competitividade do País
As universidades públicas, cuja participação no complexo
é quantitativamente mais importante, engendram profissionais e resultados de
pesquisa muito semelhantes àqueles que nos países avançados são essenciais para
a competitividade de suas empresas; o motivo deles aqui não serem contratados,
como apontado anteriormente, não se deve à sua inadequação ao ambiente
empresarial e não tem porque se alterar significativamente “por decreto”, dado
que decorre de uma condição estrutural e recorrente típica dos países citados
na periferia do sistema capitalista.
4 - como o MLCTI fará crescer o apoio às empresas,
aumentará sua relação com elas
O fato de que apesar do incentivo já concedido às
empresas inovadoras, apenas 7% possuem relações com universidades e institutos
de pesquisa e que, destas, 70% consideram essas relações de baixa importância,
não autoriza esta expectativa.
5 - os arranjos institucionais que o MLCTI irá criar ou
ativar, e que levará a um aumento do segmento de empresas inovadoras, terão
impacto significativo na geração de emprego
O fomento a incubadoras de “empresas de base tecnológica”
(a maior parte delas software houses), que ocorre há mais de 30 anos e custa
meio bilhão de Reais por ano, é hoje responsável por 200 delas, que incubam
menos de 10 empresas por ano (com taxa de mortalidade superior a 50%) que geram
3 empregos cada uma.
6 - a universidade pública, agora estimulada a atender a
demanda incrementada da empresa, irá aumentar sua relação com ela
Apesar da América Latina ser a região onde desde meados
do século passado mais se tem falado, escrito, teorizado e tentado fomentar
essa relação, obstáculos estruturais associados à nossa condição periférica,
que reforçam a legítima baixa propensão da empresa a realizar P&D - uma
atividade em todo o mundo custosa, arriscada, com frutos de difícil
apropriação, etc. -, seguirão inibindo esta demanda; sobretudo dada a tendência
à desindustrialização e reprimarização e a “ameaça chinesa”.
7 - a demanda empresarial pelo que os que suportam o
MLCTI chamam de novo conhecimento tecnocientífico, que provocará a “inserção do
Brasil entre os países mais inovadores”, engendrará pesquisas originais que
tornarão as universidades mais “competitivas”
Não tenderão a ser conhecimentos novos e sim os já
desenvolvidos nos países avançados o que poderá alavancar a improvável inserção
contida na expectativa citada no início; além do que é justamente neles que
estão focadas suas atividades de ensino e pesquisa.
8 - a compensação financeira recebida pelos docentes
aumentará a propensão da universidade pública a colaborar com a empresa e irá
transformar seu ethos
Apesar de compensações orientadas para os líderes da
comunidade de pesquisa das “ciências duras” e suas equipes, como as que o MLCTI
pretende, existirem há mais de cinco décadas, nunca silenciaram as vozes dos
que consideraram que a universidade pública deve servir ao que é “público” (e
aos pobres que pagam o imposto que a mantém) e não ao “privado”.
9 - em função da maior proximidade com a empresa,
aumentará sua contribuição para o desenvolvimento
Se entendermos por desenvolvimento o processo de elevação
do bem-estar do conjunto da sociedade (o qual, por incluir o das gerações
futuras, impõe a consideração ambiental) é difícil aceitar a ideia de que o
conhecimento que ele requer seja aquele que proporciona o sucesso empresarial;
contribuirá mais para ele a orientação do potencial tecnocientífico do complexo
para a formação de profissionais e a realização de pesquisa concernentes ao
componente cognitivo associado às demandas materiais e culturais da maioria da
população.
Antes de concluir, vale a pena sintetizar o argumento
desenvolvido. O MLCTI parece não levar em conta a evidência empírica disponível
sobre o resultado das medidas de política que vêm sendo implementadas com o
mesmo objetivo, nem as inovações conceituais que vêm sendo proporcionadas pelos
analistas da PCTI. O fato de que a conjuntura atual torna o contexto que
determina o comportamento da empresa local ainda mais adverso à realização de
P&D contribui ainda mais para a avaliação apresentada sobre escassa viabilidade
daquelas expectativas.
Encerrando este texto que se limita à “problemática” e
esperando que ele possa suscitar um debate cada vez mais qualificado e realista
que nos conduza a uma “solucionática” como a que cobrava Dadá Maravilha,
convido os interessados em discuti-la a entrar em contato: rdagnino@ige.unicamp.br.
Fonte: Site Carta Maior - http://cartamaior.com.br
Comentário: Bom, está ai o artigo escrito pelo Sr. Renato
Dagnino e espero que estimule o debate sobre o assunto.
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