A Utilidade do Inútil no Espaço
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski hoje (29/02) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
A Utilidade do Inútil no Espaço
José Monserrat Filho *
“Nas épocas de crise é que se deve dobrar o orçamento para a cultura!”
Victor Hugo (1802-1885), escritor, ensaísta e político francês, autor de Os
miseráveis
“É preciso olhar o mundo em que vivemos onde a lógica do dinheiro domina
tudo. A única coisa que não pode ser comprada é o saber”, diz ao caderno
Prosa d'O Globo, de 27 de fevereiro, o filósofo, crítico literário e professor
de literatura italiana da Universidade da Calábria, Nuccio Ordine (1958-). Na
entrevista, ele sustenta que só aquilo que está fora da lógica do lucro – as
artes, a filosofia, a ciência – pode nos salvar da autodestruição.
Ordine veio ao Brasil lançar seu livro A Utilidade do Inútil – Um
Manifesto, traduzido por Luiz Carlos Bombassaro, professor da UFRGS, e
publicado pela Ed. Zahar. A obra, que já é best-seller na Europa, defende
valores humanistas cada vez mais considerados “inúteis” e vem se tornando
popular como “manifesto virulento e cheio de indignação intelectual a favor da
arte e da cultura desinteressada”.
“Criamos um mundo onde as pessoas pensam apenas no seu próprio egoismo.
Perdeu-se de vista o sentido da solidariedade humana”, afirma ele. A seu ver,
“os saberes, como a música, a literatura, a filosofia, a arte, nos ensinam a
importância da gratuidade. Devemos fazer coisas que não busquem o lucro. A
dignidade humana não é uma conta que temos no banco. A dignidade humana é a
nossa capacidade de abraçar os grandes valores, a solidariedade, o amor pela
justiça, o bem-estar. Como convencer as pessoas disso?”
“Estamos numa rota autodestrutiva”, diz o filósofo e trata de explicar:
“Hoje, temos uma radicalização na busca pelo lucro que se tornou uma forma de
autodestruição do próprio capitalismo. É a ânsia de ganhar mais e mais que vai
destruir o capitalismo.”
“Sou muito pessimista sobre o futuro desta Europa... fundada sobre bancos e
finanças. É uma Europa que perdeu sua história. Na Renascença, homens como
Giordano Bruno, Erasmo de Roterdã e Galilei Galileu tinham uma visão de cultura
e da unidade europeia muito além dos limites geográficos e nacionais. Hoje,
temos uma Europa que quer expulsar a Grécia. Mas como isso é possível se todos
os conceitos, todas as palavras, toda a ciência, a arte, a literatura europeias
vieram de lá? É como cortar os laços com o passado”, acrescenta Ordine e
conclui: “Uma Europa assim está destinada ao naufrágio.”
Os cortes de recursos para as ciências básicas e sociais preocupam o
professor italiano. Ele lembra: “Foi a pesquisa básica que criou as grandes
revoluções da humanidade. Alguns trabalhos, que pareciam inúteis em certa
época, tiveram resultados que mudaram a história da Humanidade.” E cita como
exemplo o caso da pesquisa básica de James Watson e Francis Crick, que acabaram
descobrindo a molécula de DNA.” Depois, arremata: “Os homens de ciência e os
humanistas devem caminhar juntos para defender seus campos do utilitarismo.”
E o que é considerado “inútil” no espaço e nas atividades espaciais, que,
de fato, tem muita utilidade e relevância? A definição e delimitação do espaço
exterior, de que falei em recente artigo. Algumas grandes potências, lideradas
pelos Estados Unidos (EUA), afirmam que esse procedimento jurídico é
“desnecessário”, pois a falta de uma lei internacional a respeito “tem
funcionado muito bem”. Eles não vêm utilidade em fixar, por meio de acordo
obrigatório, uma fronteira entre o espaço aéreo e o exterior, mesmo
reconhecendo que os regimes jurídicos vigentes nesses espaços são, além de
diferentes, excludentes: no espaço aéreo, prevalece o direito soberano dos
países subjacentes, enquanto no espaço exterior esse direito não vigora – o
espaço exterior é visto desde o início da Era Espacial como um bem comum da
humanidade (res communis omnium).
De pouca serventia é também considerado o Art. I, § 1, do Tratado do Espaço,
que reza: “A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais
corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países,
qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e
são incumbência de toda a humanidade.” Certos países desenvolvidos acham que
esse princípio é antes um preceito moral, que nada estabelece de prático e/ou
obrigatório. Eles preferem chamar de princípio fundamental a uma visão reduzida
do parágrafo 2 do mesmo Artigo, ou seja, o princípio da livre exploração e uso
do espaço, da Lua e dos demais corpos celestes.
Nem sempre se considera útil levar em conta o texto completo desse parágrafo,
que diz: “O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá
ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer
discriminação, em condições de igualdade e em conformidade com o direito
internacional, devendo haver liberdade de acesso a todas as regiões dos corpos
celestes.” A lei dos EUA promulgada pelo Presidente Obama em 25 de novembro de
2015, autorizando as corporações americanas a extrair ouro, platina e outros
minerais de asteroides e demais corpos celestes, alega que se trata apenas de
exercer o direito de uso dos corpos celestes. Omite que esse uso unilateral e
industrial dos corpos celestes pode ser claramente discriminatório e que o
trabalho sistemático e complexo de mineração é óbvio entrave à liberdade de
acesso a todas as suas regiões. Isso sem falar que tal mineração pode
significar a posse, ainda que temporária, de valiosa área do corpo celeste, o
que não é permitido pelo Art. II do Tratado do Espaço, que determina: “O espaço
cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de
apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por
qualquer outro meio.”
Na área espacial, quem comanda mais que nunca são as mega corporações, que,
como se sabem, são movidas a lucros descomunais, embora seus projetos sejam em
geral financiados pelo respectivo Estado. As empresas promotoras do plano de
minerar asteroides, que pressionaram pela aprovação do projeto tanto no
Congresso dos EUA quanto junto à Casa Branca, estimam um ganho da ordem de
trilhões de dólares. É uma fortuna inimaginável. Muitos estudiosos do assunto,
inclusive o autor deste artigo, não são contrários à participação de empresas
privadas no negócio em questão, mas estão convencidos de que a iniciativa deve
e precisa beneficiar também todos os países do mundo. A solução mais justa no
caso seria criar uma poderosa organização público-privada, capaz de impedir o
aumento já imenso da desigualdade entre países e pessoas, e apoiar fortemente o
desenvolvimento de toda a comunidade mundial. Será que discutir essa hipótese é
mais uma ideia inútil, mesmo sendo humanamente difícil ignorar sua utilidade?
PS: Nuccio Ordine estará no Brasil em março, proferindo conferências e lançando
seu novo livro. Eia sua programação:
1) Dia 2, às 18h – Conferência "A utilidade dos saberes inúteis", no
Centro Brasileira de Pesquisas Físicas (CBPF): rua Dr. Xavier Sigaud 150 –
Urca, tel.: (21) 2141-7100.
2) Dia 3, às 14h – Conferência "Cosmologia, filosofia, e literatura em
Giordano Bruno", na COPPE/UFRJ: Avenida Horácio Macedo, 2030, Ilha do
Fundão, Bloco G, sala 122, Centro de Tecnologia, tel.: (21) 3622-3477.
3) Dia 10, às 10h, Aula Magna na Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), que já outorgou ao professor o título de Doutor Honoris Causa.
Tema: “A Utilidade dos Saberes Inúteis”.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial
(SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial,
Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da
Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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