Chute Gravitacional
Olá leitor!
Segue abaixo uma matéria publicada na “Revista Pesquisa FAPESP” (edição 178) destacando que segundo um estudo de um grupo de astrônomos do Brasil, Argentina e Espanha, a fusão da galáxia M83 (descoberta em 1752) expulsa buraco negro de seu núcleo.
Duda Falcão
CIÊNCIA - ASTROFÍSICA
Chute Gravitacional
Fusão de Galáxias Expulsa
Buraco Negro de seu Núcleo
Marcos Pivetta
Edição Impressa 178
Dezembro de 2010
© ESO
Galáxia M83: colisão de três
buracos negros ejetou um deles
Descoberta nos céus do hemisfério Sul em 1752 pelo astrônomo francês Nicholas Louis de la Caille, a galáxia espiral M83 é provavelmente a formação celeste mais bonita da constelação de Hidra. De seu centro amarelado brotam dois braços, pontuados por estrelas em tom azul e vermelho, que formam uma figura semelhante a um cata-vento de papel. Por ser muito luminosa e estar situada relativamente próxima à Terra, a cerca de 15 milhões de anos-luz, pode ser avistada com o auxílio de um bom binóculo. Embora os contornos da galáxia sejam realmente fascinantes, um grupo de astrônomos do Brasil, Argentina e Espanha resolveu examinar um aspecto mais oculto da M83: a natureza de suas principais fontes de raios X. A análise desse tipo de emissão levou os pesquisadores a afirmar que ali houve provavelmente um evento extremamente raro: um buraco negro, um tipo de objeto invisível e extremamente denso que captura matéria ao seu redor, teria sido ejetado ao se aproximar do núcleo da galáxia, onde outros dois buracos negros, maiores, estariam a caminho de iniciar um processo de fusão.
A expulsão do misterioso corpo celeste do centro da galáxia, também conhecida pelo nome de NGC 5236, seria decorrente das interações gravitacionais causadas pela inusitada tripla colisão. “O buraco negro menor se aproximou demais dos outros dois e sofreu um chute gravitacional”, diz o astrofísico Horacio Dottori, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), principal autor de um artigo publicado em 1o de julho na revista científica The Astrophysical Journal Letters em que propõe o cenário descrito acima. “Ele foi ‘estilingado’ para fora do núcleo óptico da galáxia a uma velocidade de algumas centenas de quilômetros por segundo.” As conclusões do estudo se baseiam numa nova análise de dados obtidos no ano 2000 pelo telescópio espacial Chandra, da Nasa, a agência espacial norte-americana, que detecta emissões de raios X vindas das regiões mais quentes do Universo. O satélite observou por 18 horas a M83, da qual produziu 150 imagens. Oito fotos flagraram o que parece ser a ejeção de um buraco negro da galáxia.
Os astrofísicos passaram a suspeitar de que o fenômeno acima poderia ter ocorrido devido às características de uma misteriosa fonte de raios X e de ondas de rádio situada numa região relativamente periférica da galáxia, um objeto denominado J133658.3−295105. Afastado cerca de 3.300 anos-luz do coração da M83 de acordo com medições feitas no telescópio Gemini (do qual o Brasil é sócio), distância cerca de oito vezes menor do que a da Terra ao centro da Via Láctea, o objeto foi aparentemente jogado para fora do coração da galáxia e criou uma espécie de rastro de emissões em alguns comprimentos de ondas. Embora um buraco negro não forneça diretamente nenhum sinal de sua presença, o chamado disco de acreção formado ao seu redor é tão quente (atinge milhões de graus Kelvin) que faz a matéria em via de ser engolida, gás e poeira interestelar, liberar enormes quantidades de energia, basicamente na forma de jatos de raios X.
A presença de grandes fontes de raios X nas proximidades de estrelas ou no centro das galáxias é, portanto, o principal indicativo de que por ali deve haver um buraco negro. O problema é que outros tipos de corpos celestes, como as estrelas de nêutrons e os quasares, também emitem raios X. Mas Dottori e seus colegas hispano-americanos estão convencidos de que o objeto J133658.3−295105 apresenta caraterísticas compatíveis com as de um buraco negro supermassivo. De acordo com seus cálculos, a massa do buraco negro ejetado do núcleo da M83 é cerca de 1 milhão de vezes maior do que a do Sol e equivale a um quinto da soma das massas dos dois buracos negros que se encaminham para a união no centro da galáxia. “Acreditamos que o buraco negro ejetado orbitará a galáxia por milhões de anos e seu disco de acreção vai capturar esporadicamente matéria do meio interestelar”, afirma Dottori, que usou em seu estudo simulações computacionais feitas pelo aluno de mestrado Guilherme Gonçalves Ferrari. “Dificilmente ele vai ser incorporado de novo pelo núcleo ativo da M83.”
Colisão Tripla ou Dupla – Hoje a maioria dos astrofísicos acredita que há no centro de praticamente toda galáxia, inclusive da Via Láctea, um buraco negro supermassivo, dotado de uma massa milhões ou até bilhões de vezes maior do que a do Sol. Quando duas ou mais galáxias colidem e iniciam suas interações para se fundir, um processo relativamente comum na história do Universo, também os seus respectivos buracos negros interagem para se unir. É nesse contexto, de união de galáxias, que um buraco negro pode ser expelido do coração do sistema.
© TIM JONES / MCDONALD OBSERVATORY
Desenho de buraco negro expulso de galáxia
O artigo científico do astrofísico da UFRGS não é o primeiro a defender a ideia de ter encontrado um buraco negro que foi ejetado de sua galáxia. Nos últimos cinco anos os trabalhos publicados sobre esse tema se intensificaram. Mas em nenhum dos casos relatados os cientistas têm evidências observacionais inequívocas sobre a ocorrência do elusivo fenômeno. Isso não é necessariamente um demérito dos artigos científicos, mas uma constatação da dificuldade de se comprovar esse tipo de achado. “O trabalho do Horacio Dottori é bom e foi aceito numa boa revista científica, mas não é conclusivo”, diz o astrofísico João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), especialista em galáxias com núcleos ativos. Os modelos matemáticos mostram que é plausível ocorrer uma colisão tripla na qual a dinâmica de interações entre os corpos provoque a expulsão do buraco negro de menor massa do núcleo de uma galáxia antes de os outros dois buracos negros se mesclarem. “No entanto, colisões triplas são muito mais raras do que as duplas”, afirma Steiner.
Há casos em que os cientistas dizem que um buraco negro foi deslocado do centro de uma galáxia, mas não sabem precisar se o fenômeno ocorreu em razão de uma trombada dupla ou tripla. Em 1o de julho deste ano, mesma época em que saiu o trabalho de Dottori, astrofísicos do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (CfA) publicaram um artigo no Astrophysical Journal em que tratavam de uma possível descoberta envolta por essa dúvida. Eles encontraram um buraco negro supermassivo – na verdade, uma fonte emissora de raios X denominada CID-42 – que teria sido expulso do núcleo de uma galáxia localizada na constelação de Sextante e distante 3,9 bilhões de anos-luz da Terra. Saber se o deslocamento decorre da colisão de dois ou três buracos faz toda a diferença. A dinâmica de eventos envolvida numa situação é diferente da outra.
Se o CID-42 se afastou do centro do sistema em razão da colisão de três buracos negros, houve um processo de expulsão semelhante ao descrito por Dottori na M83. O menor buraco negro teria sido “estilingado” para fora do núcleo da galáxia ao se aproximar em demasia dos outros dois. Ou seja, a nova galáxia que está se formando permaneceria com dois buracos negros (ainda não fundidos) em seu centro e um, menor, na periferia. Caso se trate de um encontrão de apenas dois objetos sugadores de matéria, um tipo de evento supostamente mais comum, a causa do deslocamento do buraco negro seria outra – e esse detalhe mudaria tudo.
Ondas Gravitacionais – Nesse segundo cenário, primeiro ocorreria a fusão dos dois buracos negros. Suas massas se somariam e eles gerariam um novo e único buraco negro no núcleo da galáxia. O buraco negro resultante seria então jogado para fora do coração do sistema pela ação das chamadas ondas gravitacionais, cuja existência foi prevista por Albert Einstein na teoria da relatividade geral há quase um século, mas ainda não comprovada experimentalmente. “Nesse caso, depois da ejeção, a galáxia não tem mais nenhum buraco negro”, afirma o astrofísico David Merritt, do Instituto de Tecnologia de Rochester (EUA). “A detecção desse fenômeno seria a confirmação das teorias de Einstein.” Quando a velocidade de ejeção não é muito elevada, o buraco negro apenas oscilaria em torno do núcleo da galáxia por um tempo e, depois de alguns milhões de anos, retornaria ao seu lugar habitual. Não se pode esquecer de que o cenário dos buracos negros faz parte do Universo einsteniano em que o espaço tem quatro dimensões, as três da física clássica mais o tempo.
As ondas gravitacionais são definidas como deformações causadas na curvatura do espaço-tempo pela presença de grandes massas em movimento. Da mesma forma que o navegar de um barco produz oscilações no oceano, o deslocamento de corpos celestes geraria ondas gravitacionais que se propagariam à velocidade da luz. Em tese, uma galáxia com dois buracos negros a caminho da fusão seria um ambiente ideal para confirmar a existência dessa nova forma de energia. “Quando dois buracos negros se fundem, as ondas gravitacionais não são emitidas de forma simétrica, mas preferencialmente em algumas direções. Isso provoca no buraco negro um efeito semelhante ao recuo causado pelo lançamento de um foguete”, afirma a astrofísica Stefanie Komossa, do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, da Alemanha, que em 2008 encontrou um provável caso de ejeção de buraco negro numa galáxia distante 10 bilhões de anos-luz da Terra. Dessa forma, o buraco negro seria arremessado para fora da galáxia na direção oposta à das ondas gravitacionais. “Só agora estamos vendo esses eventos na natureza”, diz Komossa. “Eles são importantes para entender a formação e a evolução das galáxias.”
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 178 - Dezembro 2010
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