Conheça a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso das Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasil

Olá, Entusiastas!


A "recente" sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em 21 de novembro de 2024 (veja sentença integral aqui), inaugura um novo capítulo na luta histórica das Comunidades Quilombolas de Alcântara por seus direitos territoriais e humanos. 


Desde a instalação do Centro de Lançamento Aeroespacial de Alcântara na década de 1980, as comunidades enfrentam o deslocamento forçado e a falta de titulação coletiva de suas terras ancestrais, desafios que já foram amplamente discutidos em matérias anteriores do Brazilian Space (veja aqui).

Veja também a live que o BS fez, em 29/05/2024, sobre esse tema:

https://www.youtube.com/live/lwxYoKdcc5o

Nesta decisão, o tribunal reconheceu parcialmente a responsabilidade do Estado brasileiro, evidenciando a urgência de medidas que assegurem não só a reparação dos danos causados, mas também o respeito à consulta prévia e à integridade cultural desses povos. 

Ao revisitar esse marco jurídico, buscamos aprofundar a compreensão sobre os desdobramentos dessa sentença e sua importância para a promoção de justiça e igualdade em meio ao desenvolvimento tecnológico e à expansão do programa espacial nacional.

Contexto do Caso

As Comunidades Quilombolas de Alcântara são comunidades afrodescendentes no Maranhão, Brasil, reconhecidas como "povos tribais" pelo direito internacional. Desde a década de 1980, o governo brasileiro instalou o Centro de Lançamento Aeroespacial de Alcântara (CLA) em seu território ancestral, desapropriando cerca de 52.000 hectares e reassentando 31 comunidades em agrovilas. O caso envolve violações de direitos humanos decorrentes da falta de titulação territorial, do deslocamento forçado e da ausência de consulta prévia às comunidades.


Principais Pontos da Sentença


1. Reconhecimento Parcial de Responsabilidade pelo Brasil

O Estado reconheceu parcialmente sua responsabilidade internacional por:

- Violação do direito à propriedade coletiva (Artigo 21 da Convenção Americana): Falha em titular e demarcar o território quilombola por mais de 20 anos.

- Violação do direito à proteção judicial (Artigo 25 da Convenção): Demora excessiva e ineficiência dos recursos judiciais para garantir a propriedade coletiva. 

No entanto, o Brasil não reconheceu responsabilidade por:

-Impactos do reassentamento das comunidades na década de 1980.

- Falta de consulta prévia sobre acordos internacionais para uso do CLA.

- Violações de direitos como integridade pessoal, circulação e vida digna. 

 

2. Acordo de Conciliação (Setembro de 2024)

O Estado e as comunidades assinaram um acordo para:

- Titular 78.105 hectares do território tradicional quilombola, excluindo a área ocupada pelo CLA (9.256 hectares).

- Estabelecer um prazo de 12 meses para iniciar a titulação, priorizando áreas ao norte do CLA.

- As comunidades comprometeram-se a não contestar o funcionamento do CLA na área atual. 

A Corte considerou o acordo um avanço, mas destacou que não resolve todas as violações, como a situação das comunidades reassentadas e os impactos culturais.


3. Exceções Preliminares Rejeitadas pela Corte

O Brasil alegou:

- Incompetência ratione temporis (eventos anteriores a 1998, quando o país reconheceu a jurisdição da Corte).

- Incompetência ratione materiae (direitos não previstos na Convenção Americana, como consulta prévia). 

A Corte rejeitou essas alegações, pois:

- Violações contínuas (como a falta de titulação) persistiram após 1998.

- Direitos como consulta prévia derivam de interpretação integrada da Convenção (Artigos 13, 21 e 23).


Implicações da Decisão

- Precedente para povos tradicionais: A sentença reforça que comunidades quilombolas têm direitos equiparados a povos indígenas, incluindo propriedade coletiva e consulta prévia.

Desafios de implementação: A efetividade do acordo depende da desapropriação de terras privadas e da resolução de conflitos fundiários pendentes.

Críticas ao Estado: A Corte destacou a discriminação estrutural contra comunidades negras e a necessidade de políticas para combater o racismo institucional.

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso das Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasil marca um marco na luta por justiça territorial e reconhecimento cultural no país. Ao garantir a titulação coletiva de 78.105 hectares do território tradicional, a sentença não apenas repara décadas de invisibilidade institucional, mas também estabelece um precedente crucial: projetos de desenvolvimento, por mais estratégicos que sejam, não podem ignorar os direitos fundamentais de povos tradicionais. Para as comunidades quilombolas, a vitória simboliza a resistência contra séculos de exclusão, oferecendo um caminho para reconstruir suas vidas em harmonia com seu legado ancestral.

Para o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), a decisão traz clareza jurídica após anos de incertezas. Ao excluir a área atual do CLA (9.256 hectares) do território a ser titulado, a Corte assegura a continuidade das operações do centro, vital para os programas espaciais brasileiros e parcerias internacionais, como o recente acordo com os EUA. No entanto, o veredito impõe novas responsabilidades:

- Limites à Expansão: Qualquer ampliação do CLA exigirá consulta prévia às comunidades, conforme a Convenção 169 da OIT. Isso pode retardar projetos futuros, como a construção de novas plataformas de lançamento, e exigirá diálogo contínuo para evitar conflitos.

- Custos Operacionais: A necessidade de compensações ambientais e sociais, além da desapropriação de terras privadas na área titulada, pode aumentar os investimentos necessários para manter o CLA competitivo no mercado global de lançamentos.

- Imagem Internacional: O cumprimento da sentença pode melhorar a reputação do Brasil em direitos humanos, atraindo parceiros que valorizam ética socioambiental. Por outro lado, descumprir as medidas reparatórias geraria riscos diplomáticos e financeiro.


Entre Direitos Históricos e o Futuro Espacial do Brasil

O CLA permanece viável, mas seu sucesso agora depende de um modelo de coexistência. A solução encontrada no acordo de 2024 — titulação quilombola ao norte e manutenção do CLA ao sul — mostra que é possível conciliar desenvolvimento tecnológico e direitos humanos. Para o Brasil, o desafio será implementar as reparações sem comprometer a agilidade do programa espacial, garantindo que as comunidades não sejam apenas ouvidas, mas incluídas como parte interessada no progresso da região.

Este caso ilustra o dilema de equilibrar inovação e tradição em um mundo que exige ambos. A sentença da Corte Interamericana não é um ponto final, mas um convite ao Brasil para liderar um modelo de desenvolvimento onde soberania tecnológica e justiça social caminhem juntas. O CLA, agora sob os holofotes da jurisprudência internacional, tem a chance de se tornar não apenas um centro de lançamento, mas um símbolo de que o futuro espacial pode — e deve — ser construído com respeito àqueles que há séculos guardam a terra.

Como exemplo que pode inspirar esse novo momento, citamos o caso dos povos nativos da Nova Zelândia que, na cidade de Christchurch, cederam e investiram junto com a iniciativa privada para a implantação de uma espaçoporto no qual opera a empresa Dawn Aerospace, com seu veículo hipersônico Aurora Mk-II, conforme nos relatou o piloto Iahgo Amaral em uma live realizada aqui no BS em 29/11/2025 (veja aqui).


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