Um Pioneiro da Privatização das Riquezas do Espaço
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski dia (20/07) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Um Pioneiro da Privatização
das Riquezas do Espaço
“A regra universalmente aceita é de que o que é bom para os negócios é bom para os Estados Unidos e para todo o mundo.” Veríssimo, Desperdício, 17 de julho de 2016
José Monserrat Filho *
A revista Science, de 11 de julho, publica o segundo
personagem da série “Carreiras clandestinas”, assinada pela jornalista de
ciências Alaina G. Levine, que destaca cientistas norte-americanos que tomaram
“rumos especialmente incomuns”.
O personagem é Chris Lewicki, de 42 anos, com
Mestrado em Engenharia Aeroespacial pela Universidade de Arizona, ex-diretor de
voo dos carros robôs Spirit e Opportunity e ex-gestor da Missão Phoenix, das
operações da Nasa em Marte. Naquela época, aprendeu a lidar com ampla gama de
problemas técnicos, habilitou-se em guidance espacial, telemetria e
comunicações, e desenvolveu uma visão de negócios em gerenciamento de projetos,
formação de equipes e liderança.
Menino fissurado pelo Cosmos, passava noites
digitalizando o céu limpo de sua terra natal, no norte de Wisconsin. Seu
primeiro sonho, claro, foi ser astronauta. Mas isso, reconhece ele agora, foi
bem mais “um investimento” para o que viria a ser “um tiro de longo alcance”.
Hoje é Presidente e Engenheiro-Chefe da Planetary
Resources Inc., fundada em 2010 e renomeada em 2012, uma das empresas
norte-americanas de mineração espacial que fizeram intenso lobby e foram
beneficiadas pela lei HR 2262 (U.S. Commercial Space Launch Competitiveness
Act), sancionada pelo Presidente Barack Obama em 25 de novembro de 2015,
estabelecendo, entre outras coisas, o direito de propriedade privada para as
empresas dos Estados Unidos (EUA) sobre os recursos naturais (sobetudo
minerais) que elas extraírem de corpos celestes, como a Lua e asteroides.
Parece querer acelerar o processo de privatização das riquezas espaciais.
A lei também é incomum. Nesta lei nacional dos
EUA, a parte dedicada aos recursos naturais do espaço foi adotada para ser
aplicada em asteroides e outros corpos celestes, que não são território nem
jurisdição norte-americana – são bens comuns da humanidade. Mas sobre a
polêmica e crucial questão jurídica nada mencionam nem o personagem, nem a
jornalista.
Alaina Levine compara Chris Lewicki aos pioneiros que
vieram explorar a América do Norte, trazendo “serras, sabres e picaretas para
derrubar árvores, erguer abrigos, caçar comida e minerar a terra”. Por seu vez,
“Chris Lewicki, em veia similar, conduz sua própria equipe de vagões cobertos –
através do espaço, para minerar recursos que sobraram do nascimento do sistema
solar.” A jornalista não fala em aventura e heroismo, mas tais imagens ficam
bem sugeridas.
Alaina afirma que tarefa de Chris Lewicki é “identificar
como os materiais de asteroides próximos da Terra – ou seja, metais e água –
poderão ser usados um dia para facilitar missões e viagens espaciais de longa
distância, e até mesmo para salvar os recursos sobreutilizados da Terra”.
Há controvérsias: os minerais dos asteroides virão
salvar, substituir ou concorrer com os minerais da terra? O assunto já
começa a preocupar empresas mineradoras de vários países. Afinal, os minerais
extraídos do espaço poderão pousar aqui como um negócio altamente competitivo.
Eles têm chance de dominar o mercado terrestre? Quem engulirá quem?
Conta Alaina que “Lewicki e sua equipe operam dentro do
movimento emergente chamado 'Novo Espaço', no qual as empresas aeroespaciais
trabalham para desenvolver serviços de turismo espacial ou tecnologias subjacentes
a baixo custo. A mineração de recursos de asteroides é um aspecto importante
desse esforço.” Não seria seu aspecto mais importante, já que seu resultado
está estimada em trilhões de dólares? Quando o turismo espacial poderá alcançar
essa fortuna?
Para Lewicki, "em toda nossa história de exploração
do espaço, sempre trazemos tudo o que é preciso na viagem”. Daí que, frisa ele,
o aproveitamento dos recursos abundantes de asteroides próximos da Terra
permitirá “a criação de infraestrutura e indústrias no espaço, sem depender das
remessas contínuas da Terra”. Ou seja, um negócio bem mais econômico e
rentável.
Aliás, Lewicki responde não só por buscar novas
tecnologias e avanços científicos para sua empresa minerar asteroides, mas
sobretudo por convencer investidores a apostarem no negócio. A participação de
poderosos financistas é vital para o êxito do ambicioso projeto. Eles são
considerados os donos do mundo atual, pois compõem o 1% mais rico, como informa
Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, em seu novo livro O Grande Abismo
– Sociedades Desiguais e o que Podemos Fazer sobre Isso, recém publicado no
Brasil.
Os empresários Peter Diamandis e Eric C. Anderson,
fundadores e donos da Planetary Resources Inc., que conhecem Lewicki desde o
curso secundário, contrataram-no “para levar a empresa adiante na próxima
década”. Diamandis elogia Lewicki como “um grande misto de engenheiro de classe
mundial, líder inspirador e pensador estratégico”. Que Lewicki tem todo o jeito
de “pensador estratégico”, não parece haver dúvida. Resta saber em que tipo de
interesses e ambições essa cabeça privilegiada está empregando o seu talento.
Diz a jornalista: A tarefa de Lewicki é “monumental”,
mas ele é “destemido”. Além de cuidar das operações do dia a dia da
Planetary Resources Inc., ele angaria investimentos, negocia com governo e o
Congresso dos EUA e de outros países, com a Nasa, com outras companhias de
mineração e empresas de software. Ele conversou várias vezes com deputados e
senadores norte-americanos, fortalecendo o lobby para lograr a aprovação da Lei
que acabou assinada por Obama, no final de 2015. Neste ano, concluiu acordo com
o Governo de Luxemburgo para abrir um escritório também naquele país europeu,
que está muito interessado em criar uma lei similar a dos EUA em favor das
empresas de mineração no espaço. Em suma, ele também faz muita política, “para
desenvolver um quadro político que começa a antecipar o avanço deste setor”.
Em outras palavras, ele se empenha em convencer os
governo de muitos países ao redor do planeta que a mineração de asteroides por
empresas privadas é um bom negócio para todo o mundo.
“Apesar de toda sua carreira ter se concentrado em
olhar o céu e perseguir grandes ambições, Lewicki tem boa parte de suas
motivações sediada aqui na terra mesmo”, destaca a jornalista. Ele ousa
sustentar uma tese em causa própria: na Terra, “há tantos recursos para sair
por aí, que devemos parar de usá-los” (“there are only so many resources [on
Earth] to go around, and we have to stop using them”). Não é preciso dizer que,
com essa declaração, mesmo que não o queira, ele está recomendando o uso de
recursos do espaço, que empresas como a dele pretendem extrair dos asteroides e
trazer para vender aqui na Terra.
Encerrando a entrevista, Lewicki proclama que seu
negócio chegou para salvar o planeta: “O que há logo ali nos asteroides
próximos da Terra pode sustentar o resto da civilização humana durante toda a
vida do Sol... Esta é a nossa oportunidade de proteger o nosso planeta, o único
lugar que vai ser a nossa nave espacial ainda por muito, muito tempo.”
Em honra a Lewicki, já se conseguiu nos EUA dar seu nome
a um asteroide.
Será justa essa homenagem? Será real o que ele proclama?
Qual é sua efetiva contribuição à ciência e à tecnologia espaciais em benefício
da humanidade? Isso importa mesmo ou esta é apenas a construção de uma
celebridade conveniente (e nada clandestina) no país mais rico e poderoso do
mundo?
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito
Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de
Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA)
e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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