Crise Política Contamina C&T
Olá leitor!
Trago agora para você um artigo publicado na edição
de junho/julho do “Jornal do SindCT”, destacando que a crise política
está contaminando a C&T.
Duda Falcão
CIÊNCIA & TECNOLOGIA
EMBORA HÁBIL, MINISTRO INTERINO KASSAB PARECE “ESTRANHO
NO NINHO”
Crise Política Contamina C&T
A equivocada “fusão” do Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação
com o das Comunicações transformou a pasta de C&T em
“puxadinho
da outra e contribuiu para um esvaziamento ainda maior do
setor
Antonio Biondi*
Jornalista
Jornal do SindCT
Edição nº 48
Junho/ Julho de 2016
A grave crise política e econômica que afeta o Brasil acertou
em cheio o setor de ciência e tecnologia do país, assim como as pesquisas em
geral —algo ainda mais danoso para um setor como o aeroespacial, que já vinha
sendo sufocado pela inconstância do financiamento. A equivocada “fusão” do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações,
que transformou a pasta de C&T em um “puxadinho” da sua congênere, contribuiu
para um esvaziamento ainda maior do setor, que sofre com a perda de
visibilidade, de recursos e com a nomeação de um político profissional (e com
zero histórico na área) como ministro.
Márcia Barbosa |
Márcia Cristina Bernardes Barbosa, diretora da Academia
Brasileira de Ciências (ABC), ressalta que no caso de um país emergente como o
Brasil, a importância da C&T para o desenvolvimento não é algo óbvio nem
para a população nem para o setor político. “Com a fusão dos dois ministérios,
isso se perdeu”, explica Márcia, que é também diretora do Instituto de Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A fusão, a seu ver, “gera um
grande impacto, com uma mensagem muito ruim a esse respeito”. Para ela, “a pior
questão” nem é misturar os recursos: “É a perda de visibilidade. É a mistura de
estratégias de áreas que possuem formas muito diferentes de se operar”.
A diretora da ABC registra que alguns políticos advogam
que ciência básica é um luxo. Com a fusão, “a mensagem que chega à população,
portanto, é de que se está economizando com um luxo”. Com isso, perde-se a
noção de que o setor gera desenvolvimento e riqueza. “C&T passou à segunda
divisão. Deixou de ser uma questão de Estado”, afirma, destacando que o setor
não pode ser tratado como mera questão de governo. Ela destaca, nesse sentido,
a realização das conferências para a área de C&T que permitiram que a
política da área fosse formada de baixo para cima e a partir dessa visão de que
é uma política de Estado.
José Humberto Sobral |
José Humberto Sobral, pesquisador-sênior do INPE, afirma
que “é uma temeridade para um país enorme e com uma produção sofisticada como o
Brasil não contar com um Ministério da Ciência e Tecnologia”. Há 49 anos no
Instituto e trabalhando com pesquisa espacial desde 1967, Sobral ressalta um
segundo aspecto bem óbvio: “Ambos ministérios são importantes e exigem bastante
atenção. Agora, as atenções ficarão divididas, em disputa”.
“Para ocupar qualquer ministério, antes de tudo a pessoa
precisa ter condições ético-morais. Antes de tudo”, defende Sobral. “Não adianta
ser Nobel se ele for safado. Não adianta só olhar a política. Antes de tudo tem
que ter condições ético-morais”. Em segundo lugar, prossegue, o titular de uma
pasta precisa de um bom assessoramento. “E, em terceiro lugar, a pessoa precisa
ter ouvidos para tudo”.
Sobral entende que um ministro “não necessariamente
precisa ser do ramo”, mas, se não for, “vai ser muito difícil de compreender as
questões e saber no que focar”. Não sendo da área, “o assessoramento pode se
tornar muito perigoso, dar espaço a tráfico de influência, politicagem etc.”. O
pesquisador do INPE faz questão de destacar que pouco conhece do atual
ministro, Gilberto Kassab. “Tenho até boa impressão. Agora, caso ele se cerque
de oportunistas, será um desastre”.
“Pessoas da Casa”
A diretora da ABC, por seu turno, destaca que o novo
ministro tem dito que foi a pasta de Ciência e Tecnologia que absorveu a de
Comunicações, e não o contrário. “Ora, das cinco secretarias do novo
ministério, ‘3,5’ ficaram com as comunicações, e ‘1,5’ com C&T”. Ela
fundamenta os números quebrados no fato de a Secretaria de Inovação ter ficado
“meio a meio”, e somente a de Ciência e Tecnologia “ter sido efetivamente
mantida como secretaria da área”. A professora da UFRGS acrescenta que “a
economia que a fusão das pastas vai gerar é muito discutível”, ainda mais
considerando os recursos que deixarão de ser gerados.
Ela pondera, por outro lado, que foram colocadas pessoas
“da casa” nas secretarias de Inovação e de C&T. “Isso foi um acerto. E se
há uma coisa inteligente que ele fez foi procurar a comunidade científica para
saber quais as prioridades e demandas mais importantes que temos”.
Não obstante, a nomeação de um ministro com histórico
político e que não tende a pensar as questões de C&T estrategicamente
preocupa a diretora da ABC. “A área das comunicações é uma área que sofre
muitas pressões, sujeita a questões de curto prazo, que vai ter influência e impacto
das eleições municipais deste ano... Já a área de C&T não funciona a curto
prazo”, pondera. “Ele vai fazer como? Vai pensar politicamente em alguns dias
da semana e estrategicamente nos demais? Não tem como funcionar”.
Márcio Martins, secretário-geral do Sindicato dos
Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia-SP (SintPq) considera que a
junção das pastas foi “péssima”. Martins, que é também diretor de
telecomunicações da FITRATELP (antiga FITTEL, a federação dos trabalhadores no
setor) ressalta o avesso da atual discussão: na sua opinião, “a área de
Comunicações deixou de ser um ministério para se tornar uma secretaria”,
“tínhamos acesso ao ministério antes, com portas abertas para dialogar, agora
vai ser muito difícil nesse sentido”.
Na leitura do sindicalista, “foi a área de C&T que
incorporou a das Comunicações”, mas o que mais importa é que, na prática,
“ficou tudo um pouco sem rumo, não se sabe o que vai acontecer efetivamente”.
Ele acredita que as definições dependerão “inclusive de o governo interino, que
não reconhecemos, continuar ou não. Se a presidenta Dilma retornar, acreditamos
que os dois ministérios devam voltar a existir”.
*colaboraram Caio Ramos e Napoleão Almeida
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 48ª – Junho/Julho de
2016
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