Série Espaçomodelismo: Entrevista Com o Prof. José Félix Santana do CEFEC

Olá leitor!

Hoje o Blog BRAZILIAN SPACE traz para você a segunda entrevista da série com profissionais ligados a educação e ao Espaçomodelismo Brasileiro (a primeira veja aqui), profissionais que tem nas ultimas décadas contribuído efetivamente para a educação de jovens e para o desenvolvimento do Espaçomodelismo em nosso país.

Nesta série pretendemos apresentar quinze entrevistas até o final deste ano, sendo esta a segunda com o Prof. José Félix Santana do Centro de Estudos de Foguetes Espaciais do Carpina (CEFEC), centro este que fica localizado na cidade de Carpina-PE.

O Prof. Félix foi um dos pioneiros do Programa Espacial Brasileiro (PEB), bem como do Foguetemodelismo no Brasil. Extremamente comprometido com o que faz este senhor de 69 anos, dentre os quais 50 atuando na pesquisa com foguetes, é a prova viva de que com amor e compromisso o Brasil pode dar certo.

O Blog BRAZILIAN SPACE aproveita para agradecer publicamente ao Prof. Félix pela disposição de participar de nossa série de entrevistas, bem como parabenizar ao CEFEC pelos seus 50 anos de atividades. Vale a pena ler esta interessante entrevista.

Duda Falcão

Prof. José Félix Santana
BRAZILIAN SPACE: Prof. José Félix Santana, para aqueles que não o conhecem nos fale sobre o senhor. Sua idade, formação e atual função?

PROF. JÓSE FÉLIX SANTANA: Graduado em Ciências (habilitação em Matemática) pela Fundação de ensino Superior de Pernambuco, hoje Universidade de Pernambuco. Funcionário da Estação de cana-de-açúcar do Carpina da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE. Pesquisador do projeto Caracterização Edafo-Climática do Brasil, elaborando parecer técnico. Conduzindo rede de estações meteorológicas, treinando pessoal interno e externo. Atualmente aposentado, fazendo consultoria, tenho 69 anos.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Felix é sabido que o senhor foi um dos pioneiros de nosso Programa Espacial. Nos fale um pouco de como e quando aconteceu este seu envolvimento?

PROF. FÉLIX SANTANA: Através da área de meteorologia e com os trabalhos e fundação do CEFEC (Centro de Estudos de Foguetes Espaciais do Carpina) nosso envolvimento foi Indicado pelo Major Libório, e o Capitão Hélio Solha. Já fazia pesquisa em foguetes, então se deu a integração com a equipe de preparação. Naquela oportunidade conhecemos alguns Servidores pioneiros que estiveram em treinamento na NASA.

BRAZILIAN SPACE: Naquela época Prof. Félix, quais eram as expectativas e objetivos de todos que trabalhavam no PEB? Havia entusiasmo?

PROF. FÉLIX SANTANA: O principal objetivo de todos era capacitar o CLBI para realizar as atividades do início do que no futuro seria do PEB. Atender aos projetos do CTA-IAE e do INPE. Trabalha em conjunto com entidades estrangeiras como a NASA dando suporte técnico aos projetos na área de meteorologia e estudo de interferência magnética.  O entusiasmo do pessoal foi grande, todos dedicaram partes de suas vidas na realização deste trabalho.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Felix, quais eram naquela época as suas funções no Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI)?

PROF. FÉLIX SANTANA: Nossa participação foi com a equipe de preparação de foguetes, O projeto Examentnet tinha um lançamento por semana. A preparação do foguete, integração Ajuste das empenas, carga da bateria da carga útil, transporte do foguete para a área de lançamento, ajuste do lançador, etc. Foguetes do tipo Loki Dart, Arcas, foram lançados até 1977; a partir de 1970 teve início a serie Sonda.

BRAZILIAN SPACE: Finalizando o assunto sobre o PEB Prof. Félix, como o senhor enxerga hoje o futuro do Programa Espacial Brasileiro? O senhor ainda acredita num programa espacial desenvolvido?

PROF. FÉLIX SANTANA: Diante da falta de investimento no setor só teremos um programa a um longo prazo, falta também incentivo e programas educativo para formar mais pessoal técnico. Investir nas universidades para ter mais mão de obra, que tenhamos trabalhos e projetos a níveis de incorporação as indústrias. Já temos uma boa preparação, mas lá fora o engenheiro espacial inicia nas escolas de primeiro e segundo. Temos poucas industrias trabalhando para o setor, só com uma tomada de posição do governo para investir em pesquisa e educação é que podemos ter uma noção do futuro do PEB.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Félix, e sabido que o senhor foi também um dos pioneiros do foguetemodelismo no Brasil. Como ocorreu seu envolvimento nesta atividade?

PROF. FÉLIX SANTANA:   1970 através de um funcionário que trabalhava em empresas de aviação, importou um modelo dos USA e enviou para meu endereço o manual de montagem do kit. Logo encomendei também um kit. Em 1978 na terceira reunião de clubes do IAE foi distribuído para os participantes um kit do sondinha; participamos no seu desenvolvimento. Em 1985 iniciamos no CEFEC o projeto FOMOCA que construía modelo na escola. Com o andamento do trabalho oficializamos o sondinha como ferramenta didática nos trabalhos feitos nas escolas. O Baranoff assumiu a fabricação e venda dos kits. A partir de 2002 a Brasil Aeroespacial (do Baranoff) repassou os direitos de fabricação para o CEFEC.  

Logo do CEFEC.
BRAZILIAN SPACE: Prof. Félix, em 10 de março deste ano o “Centro de Estudos de Foguetes Espaciais do Carpina (CEFEC) ”, centro este criado pelo senhor na década de 60, completou 50 anos de fundado. Como surgiu esta ideia de criar um centro especializado em desenvolvimento de foguetes experimentais numa pequena cidade do interior pernambucano?

PROF. FÉLIX SANTANA: O CEFEC surgiu do idealismo de um grupo de jovens estudantes no sentido de aprender e desenvolver trabalhos na área espacial. Observando as notícias de rádio e jornais da época onde destacava as conquistas dos USA e da Rússia. Foi iniciada uma biblioteca com livros importados e foi mantida correspondência com entidade do exterior e depois do Brasil. O CEFEC e um esforço de um grupo de pessoas que provaram que quando se tem vontade as coisas acontecem. Foi fundado em 10 de março de 1966, entidade jurídica, de utilidade pública cujo lema PESQUISA e EDUCAÇÂO.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Félix, atualmente quais são os projetos em curso no CEFEC?

PROF. FÉLIX SANTANA: Vamos continuar com o trabalho nas escolas. Temos que montar alguns kits e motores para dar continuidade com esta tarefa.

Como treinamento; ficou acertado com os grupos de Salvador e Porto Alegre, três projetos para capacitar o pessoal.

No nível 1: será um trabalho de adquiri os conhecimentos básicos reviver os conceitos em foguete modelo, tais como construção, aerodinâmica, propelente, motores, ignição, etc.

No nível 2: será um trabalho para desenvolvimento de foguete amadores. Conceitos como propelentes a base de açúcar, zinco e enxofre, Composite, propulsão liquida e hibrida será ministrado, termodinâmica, planilhas de cálculo para projetos líquidos e motores híbridos. Neste final deverá ser elaborado um protótipo.

No nível 3: será elaborado um protótipo para fins de pesquisa, com carga útil. Um pequeno foguete para sondagem que poderá dotar o grupo para um trabalho junto com entidades de pesquisa.

Tudo isto vai depender do estado financeiro dos participantes, da regulamentação sobre foguetes que não temos no Brasil, da regulamentação sobre a compra de materiais que hoje não se pode adquiri. De aval financeiro para tanto. O planejamento já existe falta o restante que não depende do CEFEC.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Félix o foguetemodelismo vem se expandindo no Brasil através principalmente do surgimento de grupos de fogueteiros em universidades.  Como o senhor observa este crescimento?

PROF. FÉLIX SANTANA: É uma grande iniciativa. Este trabalho está aparecendo nas universidades, quando deveria ter iniciado nas escolas de primeiro e segundo graus. Antes tarde do que nunca.  Alguns grupos universitários no momento, desenvolvem trabalhos com materiais do primeiro nível e segundo. Falta o apoio as universidades, uma regulamentação adequada para foguetes, mais entrosamento com as entidades de pesquisa, industrias do setor; o trabalho na universidade poderá dar um grande benefício a pesquisa.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Félix, o CEFEC tem interesse em contribuir de alguma forma para o crescimento desta atividade no Brasil? E Caso sim, como isto poderia ser feito?

PROF. FÉLIX SANTANA: Toda experiência do CEFEC está à disposição dos interessados. Tudo depende do contato e de como será a parceria. Temos algumas limitações, estamos no interior do nordeste do Brasil. Tem que ser viabilizado a melhor maneira na condução do trabalho.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Félix, atualmente no Brasil temos duas iniciativas em nível de eventos nacionais nesta área de Foguetemodelismo, ou seja, o Festival de Minifoguetes de Curitiba (já consolidado) e a COBRUF - Competição Brasileira Universitária de Foguetes (em fase de consolidação). Como o senhor enxerga estas iniciativas? Existe espaço para outras?

PROF. FÉLIX SANTANA: Estes eventos no momento estão divulgando a atividade no Brasil. Falta o devido apoio a estas iniciativas para se ter mais pessoas envolvidas com trabalho na área espacial. Outros festivais devem aparecer, por isto se faz necessário regulamentar a atividade, foguetes e segurança devem caminha juntos. A criação de Spacecamps, e abertura do setor de pesquisa e indústria dando mais incentivo.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Félix, durante a realização da 3ª edição do Festival de Minifoguetes de Curitiba, festival este realizado em abril deste ano na capital paranaense, os fogueteiros presentes criaram a “Associação Brasileira de Minifoguetes (ABMF) ” ou “Brazilian Association of Rocketry (BAR)”. Como o senhor viu esta iniciativa?

PROF. FÉLIX SANTANA: Muito importante para a atividade. Temos a obrigação de dar as diretrizes corretas a todos que se envolvem com esta atividade. A ABMF tem um trabalho muito grande para implantar; regulamentação, regras de segurança, homologação de materiais, divulgar, ser o elo entre setores da educação, pesquisa, e atividades no campo profissional.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Felix é verdade que o senhor esta escrevendo um livro? Caso sim, nos fale um pouso sobre esta iniciativa.

PROF. FÉLIX SANTANA: Temos um trabalho de 50 anos com ênfase em pesquisa e educação. Toda esta experiência tem a necessidade de ser repassado para as futuras gerações. Um livro que conte a história de um grupo de pessoas do interior do nordeste do Brasil, que com muita dificuldade sobrevive numa área pouco conhecida, pouco incentivada, não poderá passar despercebida. Está sendo um trabalho árduo, os registros de muitos fatos não foram devidamente guardados devido as limitações de cada pessoa envolvida. Contudo está sendo um trabalho gratificante. No momento que estiver pronto vamos fazer a divulgação.

BRAZILIAN SPACE: Finalizando Prof. Félix, qual a mensagem que o senhor deixaria para esses grupos de fogueteiros e para os jovens que pensam em trabalhar na área espacial?

PROF. FÉLIX SANTANA: Procure adquiri conhecimento, incentive seus sonhos, a ciência espacial congrega todas as atividades do conhecimento humano. Estamos em uma nação que tem 35 anos de defasagem em educação espacial. A palavra FOGUETE em nosso pais ainda não é recebida como sinônimo de conhecimento. O fogueteiro ainda é uma pessoa marginalizada. Falta regulamentar esta atividade, as dificuldades são muitas. Eu acreditei no meu sonho, tenho 69 anos, e 50 pesquisando com foguetes, desafiando, acreditando. Ainda sou um iniciante em foguete, tenho muita coisa para apreender.

Comentários

  1. Parabéns pela iniciativa Duda.
    O Félix é um marco no "Space Education", onde o CEFEC tem posição de destaque.
    Conheço esse brilhante "caba" Nordestino desde os idos da década de 70, quando nós do CEGAPA (na época CAPA) o conhecemos, juntamente com o Cap.Basílio Baranoff, em São José dos Campos, nos encontros promovidos pelo IAE e depois, em 1979 na Barreira do Inferno, em Natal.
    Se estivéssemos num país que valorizasse sua ciência e tecnologia esse homem teria seu reconhecimento, por tanta dedicação à uma causa que mais lhe rendeu dissabores e custos do que lucros pessoais. Félix é não só um amigo e um inspirador, mas um idealista e um profundo conhecedor, não só da técnica dos minifoguetes - que ele domina como ninguém - mas de tudo o que se lutou e o que se luta para que o brasileiro tenha o direito de fazer ciência espacial, notadamente a "foguetaria" (já que não temos melhor tradução para o termo) como instrumento de pesquisa e desenvolvimento, de fomento e formação das novas gerações pensantes.
    Eu aprendi muito com esse homem talentoso e paradoxalmente simples, nas inúmeras correspondências e e-mails trocados nos últimos quarenta e tantos anos, nos contatos pessoais em viagens à São José e Carpina, bem como nos incontáveis telefonemas entre nós.
    Desde a década de 70 eu sigo o trabalho desse "professor de foguetes" maravilhoso que, espero, ainda seja valorizado devidamente enquanto estiver entre nós. Ele e o Baranoff, outro fantástico idealista, que infelizmente já nos deixou, representam pedras fundamentais do "foguete-amadorismo" brasileiro (eu particularmente não gosto do termo "foguete-modelismo", hoje na moda pois, a meu ver, não reflete a profundidade e a grandiosidade dessa atividade). Foguete não é um brinquedo, seja qual for o seu tamanho ou potência. Tais engenhos exigem estudo técnico, respeito, cuidado, cálculos, normas de segurança, enfim, ciência e tecnologia. Essas o Félix têm e muito, para nos ensinar.
    Respeito todos os "Doutores", mas saibam que, parafraseando "Hermann Oberth", professor de "Wernher M.M.von Braun", quando lhe negaram o Doutorado em sua primeira tentativa: "...serei um grande cientista mesmo sem ter Doutorado". Assim também é o Félix.

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