UFABC Rocket Design Entrevista – Eng. Aeroespacial Danilo Miranda
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante entrevista com o jovem Eng.
Aeroespacial “Danilo Miranda” (Visiona) postada dia (08/07) no blog da equipe “UFABC
Rocket Design”.
Duda Falcão
UFABC Rocket Design Entrevista
– Danilo Miranda
Cauê Napier
08/07/2016
Você sabia que o Brasil irá lançar o seu primeiro
satélite geoestacionário até o começo do ano que vem? O SGDC, Satélite
Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas, é um projeto estratégico
nacional que está sendo desenvolvido pela empresa brasileira Visiona Tecnologia
Espacial, em conjunto com a Thales Alenia Space. Pois bem, hoje a nossa
entrevista é com um dos engenheiros aeroespaciais que estão trabalhando nesse
importante projeto para o país.
Danilo Miranda se formou no ITA como Engenheiro
Aeroespacial em 2012, passou como estagiário na Embraer e hoje é engenheiro de
Sistemas Espaciais pela Visiona, participando do projeto, construção e
integração do satélite em Cannes, França, na Thales.
O Danilo fez questão de responder cada uma das perguntas
da entrevista com muita atenção, dedicação e carinho para todos os jovens e
futuros engenheiros aeroespaciais do Brasil. Aproveitem a entrevista abaixo
como nós aproveitamos.
1) Quem era você na Universidade? O que você fazia?
Fiz o curso de Engenharia Aeroespacial no ITA, me formei
em 2012. Ao longo da faculdade, além de estudar bastante e ficar algumas noites
sem dormir que nem vocês, eu imagino (rsrs), tinha minhas saídas com meus
colegas de apartamento, fazia parte da equipe ITA Rocket Design e também
gostava de música (tocava uma bossa nova com os amigos).
2) O que foi/é o seu maior desafio como um engenheiro?
Assim como o pessoal da UFABC Rocket Design, também tenho
um carinho especial pelo programa espacial brasileiro. Fico feliz de hoje poder
trabalhar em uma das linhas de frente do programa, através da indústria, na
Visiona. Ao lado de grandes profissionais, estamos buscando encontrar e
fomentar oportunidades de novos projetos de satélites nacionais, que
justifiquem uma base industrial brasileira bem estabelecida e com demanda mais
cadenciada. É um baita de um desafio, em especial numa país onde a cultura
espacial não é tão forte.
3) Como é seu dia típico de trabalho?
Na Visiona, trabalho numa equipe cujo ritmo de trabalho é
ao estilo “escritório de projetos”. Fazemos estudos de viabilidade técnica de
novos projetos. Utilizamos para isso uma série de ferramentas e procedimentos
que nos possibilitam delinear o estudo conceitual de um novo projeto de
satélite, sempre atentos às demandas dos clientes e parceiros envolvidos. Ao
final de cada estudo, que pode levar desde algumas semanas até alguns meses,
tem-se já um mini “ante-projeto” do sistema satelital em questão, o qual contratualmente
falando é viável e tem as informações necessárias para ser concretizado. A
partir daí depende do cliente dar sinal verde (e o respectivo investimento,
claro) para se dar início efetivamente a um novo projeto.
4) Qual é o conselho mais importante que alguém já te
deu?
Poderia enumerar vários, mas vou detalhar um deles que
está associado a uma história recente que vivi. Quando participava da equipe
ITA Rocket Design como estudante, da mesma forma que vocês, em 2011, tive a
oportunidade de participar da equipe do engenheiro Oswaldo Loureda, construir
um foguete no ITA, num prazo curto e com poucos recursos e ainda assim naquele
mesmo ano, com uma série de incertezas, conseguimos uma excelente colocação na
competição mundial. Isso trouxe na cabeça inocente dos estudantes na época um
sentimento de que “tava tudo dominado”, seria tranquilo fazer um foguete mais
complexo, voltar aos EUA no ano seguinte e pegar o primeiro lugar mundial na
competição. A gente fez uma força tarefa incrível, criamos uma série de
requisitos técnicos difíceis para o foguete como (alguns que eu lembro de
cabeça): usar peças estruturais de titânio, atingir velocidades transônicas e
usar o mesmo propelente do VLS. Esses requisitos nada tinham a ver com a
competição, a gente podia continuar só usando alumínio no foguete e o mesmo
propelente de açúcar do ano anterior e ganhar a competição, mas subiu à cabeça
o fato de que dava pra fazer além. O resultado foi que tínhamos um foguete em
2012 que era 10 vezes mais caro que o de 2011, mais bonito, com materiais e
equipamentos bem mais modernos, etc etc. Mas cujo desempenho técnico aos olhos
da competição era inferior ao de 2011. Na hora do voo, percebemos que tínhamos
uma Ferrari em beleza, mas nos esquecemos completamento do objetivo central da
coisa.
Mais tarde quando fui para a indústria aprendi o jargão
de que “só a spec salva” (spec = especificação, requisito). I.e., o cliente tem
uma quantidade de recursos limitada. Ele está disposto a pagar pelo que ele
pediu. Se você puder entregar algo que tenha mais funcionalidade do que o
desejado e pelo mesmo custo, ótimo. Porém, nunca se esqueça de atender ao que
foi pedido, essa é a raiz e a necessidade original que motivou a realização
daquele projeto/empreitada.
5) Como você vê o futuro da engenharia aeroespacial?
Irei dividir a resposta em dois contextos: o mundial e o
nacional.
No
mundo: A engenharia aeroespacial viveu um grande
momento de glória na época da corrida espacial. EUA e URSS davam cheques em
branco para suas equipes técnicas elaborarem projetos grandiosos, custeados com
vultuosas quantias de recursos públicos. Atualmente, não é mais possível
justificar esses gastos, tanto é que ninguém nunca mais voltou a pisar na Lua.
O que se tem hoje ainda é majoritariamente a participação das agências
espaciais como incentivadoras e fomentadoras das atividades espaciais, mas com
uma parcela crescente do interesse privado no uso do espaço. Apesar de
crescente, a participação puramente privada, excetuando-se o setor de
telecomunicações, ainda é tímida ao meu ver. A rentabilidade dos novos atores
do setor espacial vai ditar a regra e possivelmente abrir os olhos dos
investidores, e imagino eu que o interesse privado vai continuar expandindo. No
longo prazo, creio que as atividade espaciais de exploração de serviços
(telecomunicações, sensoriamento remoto, aplicações ligadas à navegação, etc)
vão achar e criar cada vez mais nichos rentáveis, aumentando a participação
privada nesses setores e expandindo o setor espacial como um todo. O turismo espacial
também tem grande potencial. Missões científicas, tripuladas (exceto turismo
espacial) e planetárias creio eu continuarão naturalmente sob o comando das
agências espaciais. Acredito também que o budget das agências espaciais tende a
crescer, aliado ao interesse de acompanhar a demanda do setor espacial como um
todo.
No
Brasil: A meu ver o nosso futuro depende basicamente
da frequência de projetos que vamos ter. Caso o Brasil tenha:
Menos de 1 projeto de satélite por ano (1 satélite a cada
2 anos, a cada 3 anos, etc): vamos continuar do jeito em que estamos. Nesse
caso, que retrata um baixo investimento anual em espaço, e que é o nosso
presente estágio, teremos uma base industrial desaquecida tendendo ao
desaparecimento, perda e dificuldade em encontrar pessoal qualificado,
institutos de pesquisa com pouco investimento e sem visão de longo prazo, etc.
É possível que a área não desapareça por completo, mas ela não logrará grandes
desenvolvimentos. É preciso um interesse estratégico prioritariamente público
em criar ao menos anualmente novos projetos, pois a indústria espacial é
pautada por isso. Via de regra, não existe linha de produção em espaço, cada
projeto é um novo “filho”, um sopro de vida novo que se dá aos institutos, à
indústria e ao setor em geral.
1
projeto de satélite por ano: Com um satélite novo sendo demandado a cada
ano, já se pode falar que há investimento suficiente que justifique a
manutenção de equipes permanentes na indústria e nos institutos. A
infraestrutura atual, que está parcialmente ociosa, provavelmente comportaria
tal expansão moderada sem maiores investimentos. Tal cenário é moderado, no
sentido de que minimiza os riscos de desaceleração anunciados no cenário
anterior, mas que estabelece as bases para uma eventual expansão, que será
descrita no cenário seguinte. O presente cenário seria uma boa alternativa para
a próxima década, pois permitiria que a indústria e os institutos se
preparassem, recompusessem e se restabelecessem. Tal tempo de maturação irá
permitir aos institutos e à indústria requalificar seus procedimentos e
equipamentos, recuperando assim o dinamismo necessário para a execução de novos
projetos.
2 ou
mais projetos de satélite por ano: Tal cenário é o mais otimista. De
fato, com 2 ou mais satélites sendo demandando paralelamente a cada ano, serão
necessárias duas ou mais equipes completas de projeto em cada empresa e nos
institutos, o que acarretará numa maior busca por profissionais do setor. Investimentos
serão feitos na ampliação da infraestrutura existente. As empresas nacionais já
terão qualificado seus equipamentos, os quais terão herança atestada em
múltiplos vôos, que é pre-requisito fundamental para competitividade no mercado
externo. Com isso, se poderá pensar eventualmente em exportação para a América
Latina e África inicialmente (depois também, quem sabe, para os mercados mais
consolidados).
A meu ver, tais números mágicos (<1 1="" ou="">1
projeto/ano) estão intimamente ligados com o nível de investimento e mais ainda
com o interesse estratégico pela manutenção do setor. Cabe ao governo dar 11
meses de chance para a indústria tentar emplacar 1 projeto de satélite por ano.
Se chegar em dezembro de cada ano, e a indústria não tiver conseguido vender
nada, daí cabe ao governo estrategicamente assinar o contrato do satélite
daquele ano. Ideias e aplicações de satélite não faltam. Na Visiona temos pelo
menos atualmente uns 10 pré-projetos lindos de satélites “de papel”. Eles
dariam ótimos satélites. O INPE deve ter ao menos umas cinco vez mais do que
isso.1>
6) Como podemos nos preparar para esse futuro?
No contexto Brasil, fico na torcida para que o cenário de
ao menos 1 satélite por ano se estabeleça no curto/médio prazo. Vale a pena se
capacitar, buscar uma colocação no mercado e ficar atentos às oportunidades.
Recomendo ao pessoal da UFABC que busquem uma especialização que seja do
interesse e também motivadora para vocês. A gente passa muito tempo no
trabalho, temos que fazer algo que a gente gosta. Com o crescimento do setor,
os profissionais crescem juntos. Estamos trabalhando com esse ideal em mente.
7) Quem mais te inspirou e por quê?
Essa é uma pergunta delicada. Várias pessoas nos inspiram
ao longo da nossa trajetória, nos âmbitos profissional, pessoal, etc. Trabalho
atualmente com grandes nomes do setor espacial brasileiro, não seria difícil
para mim dizer alguns nomes. Seria possível igualmente citar familiares e
pessoas queridas que me ajudaram em cada passo dado.
No contexto de espaço no entanto, creio que no Brasil
atualmente estamos precisando mais do que gênios como o Von Braun, a
necessidade atual é de alguns grandes articuladores políticos, que consigam
costurar os grandes projetos do futuro. Ao longo da história, tivemos pessoas
como o General de Gaulle (na França) e Sergei Korolev (na URSS) e muitos nomes
também nos EUA, que incentivaram enormemente o setor espacial de cada um de
seus países, por meio de sua visão estratégica de futuro.
8) Qual mensagem você deixa para os futuros engenheiros
aeroespaciais?
Para a rapaziada, deixo a singela mensagem de seguirem
seus sonhos. Façam algo que gostem e que seja recompensador para vocês. Espero
que as respostas acima tenham dado um panorama do setor espacial na visão de um
jovem engenheiro. Não tomem de forma alguma a minha opinião como verdade
absoluta, tomem como uma simples contribuição. Tenham logicamente a sua própria
visão crítica do assunto. Um grande abraço e sucesso nas suas carreira!
Fonte: Blog da Equipe “UFABC Rocket Design”
Comentário: Muito interessante esta entrevista com o
jovem Eng. Aeroespacial Danilo Miranda, e parabenizo tanto a equipe de fogueteiros da UFABC por esta
iniciativa, bem como o próprio Danilo pelas suas respostas e visão sobre o
setor. É bem verdade que não supro a menor simpatia pela Visiona, empresa onde o
Danilo trabalha, mas tenho de reconhecer que pelo menos lá ele está tendo uma
ótima oportunidade de aprimorar os seus conhecimentos. Jovem promissor,
inteligente e comprometido com o que faz desde a sua adolescência na época de suas participações na
OBA, Danilo é um bom exemplo de caráter e dedicação, de GENTE QUE FAZ, e você
jovem que está ainda estudando Engenharia Aeroespacial ou pretende seguir esta
carreira (olha ai você Matheus) deveria ter a historia deste jovem como um grande exemplo.
Excelente entrevista, muito proveitosa, parabéns.
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