Patrulha Para Policiar o Espaço?
Olá leitor!
Lembra da noticia da tal Patrulha Espacial criada pela
Rússia e postada aqui no Blog? (veja aqui). Pois é, segue abaixo outro interessante
artigo que aborda este tema escrito pelo Sr. José Monserrat Filho e postado
ontem (07/04) pelo blogueiro André
Mileski em seu Blog Panorama Espacial. Vale a pena dar uma conferida.
Duda Falcão
Patrulha Para Policiar o Espaço?
“Cautela e caldo de galinha
nunca fizeram mal a ninguém”
Ditado popular português
José Monserrat Filho *
O Chefe do Comando Espacial da
Força Aérea dos Estados Unidos (EUA), General John Hyten, declarou em programa
de televisão que “a China, em breve, poderá aperfeiçoar tecnologias para atacar
ou desmontar sistemas de satélites”, noticiou a agência UPI, em 27 de abril.
O militar acrescentou que “um
ataque a satélites que garantem vantagens estratégicas às Forças Armadas
americanas nos campos de batalha e no mar minaria a segurança dos EUA”.
Segundo a notícia,
especialistas em segurança espacial – cuja origem não é dita – creem que a
Rússia desenvolve tecnologias de armas satelitais similares às da China. Um dos
motivos dessa crença seria o lançamento de satélites anônimos pela China e a
Rússia nos últimos meses. Tais satélites poderiam se conectar com outros
satélites para repará-los ou para destruí-los.
A informação da UPI diz ainda
que a China e a Rússia expressam os mesmos temores com relação à capacidade
espacial americana: “A maioria dos especialistas concordam que os EUA estão
propensos a desenvolver satélites fortemente armados.”
Se essa notícia for verdadeira,
estamos claramente numa corrida armamentista espacial, o que pode significar o
surgimento de nova “Guerra Fria”. Ou seja, o clima não parece nada propício
para se alcançar um consenso sobre segurança espacial, por exemplo.
Dois dias depois, em 29 de
abril, a Rússia anunciou a criação de uma “patrulha espacial” com a missão de
garantir a segurança nas órbitas utilizadas pelos países, inclusive a Estação
Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), e assegurar a ordem legal no
espaço – conforme nota de Alexander Mokletsov da agência russa Sputnik.
A patrulha espacial russa,
segundo a nota, usará um foguete Soyuz ajustado para realizar voos de
observação, para perseguir transgressores do Direito Espacial Internacional e
até mesmo para coletar lixo espacial – afirmaram especialistas do Centro de
Segurança e Desenvolvimento Espacial e Galáctico, da Rússia.
Ainda segundo a nota, “as
unidades da patrulha espacial exercerão funções comuns aos serviços semelhantes
que em breve aparecerão nos EUA, Canadá, China e outros países”. Adiciona-se
que esse sistema “usará extensa rede de satélites e estações terrestres para
rastrear quem viola as normas de Direito Internacional e, em particular, o
código de tráfego espacial”.
Esse código, frise-se, ainda
não existe e seu projeto acaba de ser aprovado como novo tema de debate na
próxima reunião do Subcomitê Jurídico do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico
do Espaço (COPUOS), em 2016. E certamente muitas Luas passarão antes que os
países da Terra cheguem a um acordo para pôr em vigor um código de tráfego
espacial1.
E também, ao contrário do que
diz a nota, não há indicação alguma de que “as Nações Unidas estejam
considerando (o exame de) um acordo internacional sobre segurança e a ordem
jurídica nas órbitas em torno da Terra”.
A primeira pergunta a fazer é:
Pode um país em particular – seja Rússia, EUA, Canadá, China ou qualquer outro
– criar uma patrulha para policiar o espaço e perseguir os violadores das
normas espaciais?
Não, não pode, pois o Tratado
do Espaço2, de 1967 – a lei maior das atividades espaciais – determina em seu
Artigo 3º que tais atividades “deverão efetuar-se em conformidade com o Direito
Internacional, inclusive a Carta das Nações Unidas, com a finalidade de manter
a paz e a segurança internacional e de favorecer a cooperação e a compreensão
internacionais”. E a Carta das Nações Unidas atribui ao Conselho de Segurança
da organização o dever de garantir essa finalidade, e não concede a nenhum país
em particular o direito de zelar pela segurança dos demais países., nem de
vigiar o cumprimento das leis espaciais.
A Carta adota o princípio e o
sistema ampliado de segurança coletiva. O todo é que garante a segurança das
partes, não é esta ou aquela parte que garante a segurança do todo. Ou seja, as
Nações Unidas, atuando em nome de seus países membros, garantem a paz e a
segurança global. O sistema nem sempre é respeitado e nem sempre funciona como
deveria, mas é o que o mundo dispõe hoje legalmente estabelecido. Cedo ou tarde,
a segurança coletiva poderá ser devidamente reconhecida e aplicada. Nada é mais
lógico, compatível e apropriado à globalização em que hoje vivemos do que a
ideia da segurança de todos assegurada por todos.
A iniciativa de um país criar
uma patrulha espacial é, sem dúvida, controversa e polêmica, ainda que a Rússia
não tenha se arrogado direitos exclusivos no caso e tenha reconhecido desde
logo a possibilidade e, portanto, o direito de outros países seguirem o mesmo
caminho.
Mesmo assim, o projeto gera muitos
perigos. Ignora a necessidade urgente de segurança coletiva e é insustentável,
tanto política, como legalmente. O espaço exterior usado cada vez mais por
países, organizações e empresas da Terra não ficará, necessariamente, mais
seguro apenas por ser policiado por patrulhas espaciais de vários países, ao
mesmo tempo. Quem garante que entre elas sempre reinarão relações de paz,
confiança e lealdade? E se elas não se entenderem e entrarem em conflito para
ampliar o espaço de atuação de cada uma?
Na melhor das hipóteses, a
Rússia, ao criar a tal patrulha espacial, estaria querendo incentivar as demais
potências a criarem uma patrulha global, sob a égide e o comando das
Nações Unidas. Esta, sim, seria uma ação construtiva e consequente, tanto quanto
o projeto de “Tratado sobre a Prevenção de Instalar Armas no Espaço Exterior e
a Ameaça ou Uso da Força Contra Objetos Espaciais”3, apresentado pela própria
Rússia e pela China na Conferência de Desarmamento, em 2008.
Há uma nova guerra fria
aquecendo-se em horizonte próximo. O mais conveniente e racional, nesta hora, é
evitar pôr mais lenha nessa fogueira em potencial.
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de
Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo
reflete apenas a opinião do autor.
Referências
1) Ver proposta no site
2) Ver texto completo no site
da SBDA: www.sbda.org.br.
3) Ver texto completo em inglês
no site: www.peaceinspace.com/the-treaty.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
Isso pode ter um lado bom, quem sabe as forças armadas do Brasil comecem a olhar o espaço com outros olhos.
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