Brasil Ajuda a Ampliar Debate na ONU Sobre Política e Direito Espacial
Olá leitor!
Segue abaixo outro artigo escrito pelo Sr. José Monserrat
Filho e postado dia (05/04) pelo companheiro
André Mileski em seu no Blog Panorama Espacial. Vale a pena dar uma conferida.
Duda Falcão
Brasil Ajuda a Ampliar Debate na ONU
Sobre Política e
Direito Espacial
“As ideias jurídicas internacionais não podem viver
como simples abstrações.
Elas devem também ser concretas. E refletir o que, na
verdade,
ocorre no mundo político e econômico.” Martti Koskenniemi¹
José Monserrat Filho *
Numa operação diplomática bem sucedida, com a
participação ativa do Brasil, o projeto de Código Internacional de Conduta para
as Atividades Espaciais2, proposto pela União Europeia desde 2008, poderá ser
discutido, pela primeira vez, no Subcomitê Jurídico do Comitê das Nações Unidas
para o Uso Pacífico do Espaço (COPUOS), em sua sessão de 2016, como parte do
item relativo aos “Mecanismos Não Vinculantes sobre o Uso Pacífico do Espaço
Exterior”.
Essa possibilidade está expressa no relatório da recente
sessão do Subcomitê Jurídico, realizada em Viena, Áustria, de 13 a 17 de abril.
Por isso, delegações presentes à sessão estranharam que o
Código de Conduta seja objeto de negociações, em Nova York, de 27 a 31 de julho
próximo – com o apoio do Escritório das Nações Unidas para o Desarmamento
(UNODA³, na sigla em inglês) –, quando a proposta europeia ainda não foi
examinada pelo COPUOS, em especial pelo seu Subcomitê Jurídico, que cuida
precisamente de iniciativas de caráter legal ligadas às atividades espaciais.
Essas delegações estão empenhadas em discutir a matéria no órgão apropriado. E
o que está lavrado no relatório da sessão do Subcomitê pode permitir a realização
desse debate pioneiro.
Recorde-se que os proponentes do Código de Conduta têm se
oposto, desde seu anúncio, a que a proposta seja debatida no COPUOS e no
Subcomitê Jurídico. Essa ação vinha sendo interpretada, com evidente mal-estar,
como inequívoca rejeição – no caso – ao sistema multilateral das Nações Unidas.
O Código visa impedir a deflagração de conflitos no espaço, mas deixa aberta
uma lacuna para isso, ao incorporar o direito de autodefesa, justificativa de
muitas guerras nos últimos 50 anos. O instituto de autodefesa no espaço
necessitaria de regulamentação especial, diante da dificuldade de determinar
quem agride e quem se defende num combate espacial. O espaço já está
militarizado, sim, pois as guerras desencadeadas hoje em terra, no ar e no mar,
são comandadas e controladas de plataformas espaciais. Mas ainda não há armas
instaladas em órbitas e, portanto, o espaço ainda não se tornou mais um teatro
de guerra. Urge impedir tão desastrosa conversão. Há que manter o espaço como
meio reservado exclusivamente a atividades pacíficas e construtivas. O uso de
força unilateral só agrava a situação. A segurança coletiva – a defesa de todos
por todos – é vital para se preservar a paz no espaço e a sustentabilidade a
longo prazo dos benefícios espaciais.
Regulamentação dos pequenos satélites e gestão do
tráfego espacial
Em outro avanço substancial, o Subcomitê Jurídico aprovou
a inclusão de dois novos temas em sua agenda de debates para 2016: a
Regulamentação dos Pequenos satélites, apresentado pelo Brasil e apoiado por
inúmeros países, inclusive os Estados Unidos, e a Gestão do Tráfego Espacial,
proposto pela Alemanha também amplamente apoiado, inclusive pelo Brasil. Esses
temas atuais e sumamente complexos parecem abrir uma etapa mais dinâmica no
desempenho do órgão. Não poucos países têm reclamado de sua ineficiência no
trato de problemas essenciais. Afinal, é missão do Subcomitê discutir questões
de Direito Espacial Internacional, ligadas à exploração e uso pacífico do
espaço exterior – hoje indispensável à vida cotidiana na Terra.
O Instituto Internacional de Direito Espacial4 e o Centro
Europeu de Direito Espacial5 comemoraram a aprovação dos novos temas, em
especial porque eles foram discutidos nos workshops promovidos pelas duas
entidades, no primeiro dia das sessões do Subcomitê Jurídico deste ano6 e do
ano passado. Esses workshops vêm sendo organizados há vários anos, para
atualizar e enriquecer os conhecimentos legais dos delegados e participantes do
Subcomitê.
Projetos concretos para debater a definição e
delimitação do espaço
A sessão do Subcomitê Jurídico também ganhou destaque ao
adotar por consenso a decisão de seu Grupo de Trabalho sobre Definição e
Delimitação do Espaço, presidido por um delegado brasileiro, para que a
Secretaria do Escritório das Nações Unidas para Assuntos Espaciais (UNOOSA, na
sigla em inglês) – que apoia o funcionamento do COPUOS – passe a convidar os
países e as organizações internacionais ligadas às atividades espaciais a
apresentarem projetos concretos sobre a polêmica questão. O objetivo é elevar a
qualidade dos debates com textos consistentes e fundamentados, evitando
discussões superficiais e não devidamente argumentadas.
A questão da definição e delimitação do espaço vem sendo
debatida no Subcomitê Jurídico há mais de 40 anos. Hoje, reina um impasse: não
há consenso, nem para resolvê-la, nem para retirá-la da pauta. Espera-se que a
discussão em torno de projetos concretos e firmemente alicerçados abra novas
perspectivas para propiciar uma solução consensual.
Benefícios e perigos dos pequenos satélites
A regulamentação dos pequenos satélites, definida em
geral como um conjunto de normas técnicas e regulamentos para garantir o acesso
seguro a operações no espaço e retorno à Terra, tem despertado atenção cada vez
maior da comunidade espacial em vista do crescente aumento do número de atores
nas atividades espaciais. Esse aumento se deve aos ingentes esforços de países
em desenvolvimento para se capacitarem em ciência e tecnologia espacial. Muitos
deles vêm recebendo os benefícios dos programas de apoio técnico das Nações
Unidas (UNOOSA).
Os micros satélites se multiplicam em escala crescente.
Eles surgiram como a opção mais barata de acesso ao espaço. Envolvem projetos
mais simples, tecnologia mais acessível e construção mais rápida. São, em
geral, lançados em órbitas baixas, com missões de curta duração. Constituem
verdadeiras escolas de capacitação de pessoal e criação de novos talentos,
sobretudo nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Permitem que esses
países, suas universidades e centros de pesquisa se tornem atores espaciais.
Tudo isso precisa e merece ser cada vez mais incentivado.
Ocorre que as facilidade e oportunidades, bem como a
inspiração criativa brindadas pelos pequenos satélites muitas vezes ignoram ou
subestimam as normas internacionais adotadas para impedir interferências,
colisões e acidentes no espaço. Esses distúrbios sérios podem ser causados até
pelos nano satélites, ainda que involuntariamente. O problema precisa ser
enfrentado com toda a responsabilidade, para que os pequenos satélites
continuem a prestar seus serviços cada vez mais importantes, e não sejam
transformados de “mocinhos” e “heróis” em “vilões” do espaço.
Pequenos satélites em grandes eventos
Inúmeros eventos têm sido promovidos sobre pequenos
satélites, como por exemplo o 1º Workshop Latino-Americano de Cubesats, realizado
de 8 a 12 de dezembro de 2014 na Universidade de Brasília (UnB), em parceria
com a Academia Internacional de Astronáuica (IAA, na sigla em inglês), com o
apoio da Agência Espacial Brasileira (AEB). O encontro abordou os vários
aspectos dos satélites criados e construídos em universidades, sobretudo os
CubeSats. Os participantes puderam intercambiar experiências e resultados, bem
como novas ideias no setor.
Este workshop, por sua vez, deu sequência à Conferência
da IAA sobre Missões de Satélites Universitários e ao Workshop sobre CubeSats
Europeus, reunidos em Roma em fevereiro de 2013. Estudantes e jovens
pesquisadores brasileiros tiveram oportunidade de absorver novos conhecimen-tos
e técnicas aplicados às atividades de CubeSats em outros países. Especialistas
amplamente reco-nhecidos no assunto proferiram conferências que despertaram
enorme interesse.
A Declaração de Praga sobre Pequenos Satélites
A preocupação com a criação de lixo espacial pela grande
quantidade de pequenos satélites, que só faz crescer, levou a União
Internacional de Telecomunicações (UIT), sediada em Genebra, Suíça, a promover
o Simpósio sobre a Regulamentação de Pequenos Satélites, em Praga, capital da
República Tcheca, de 2 a 4 de março passado, no qual participaram 38 países,
inclusive o Brasil. O simpósio aprovou a “Declaração de Praga sobre a
Regulamentação de Pequenos Satélites e Sistemas de Comunicação”7, que
reconhece:
1) O interesse cada vez maior das universidades,
institutos de ensino e pesquisa, governos, empresas privadas e agências
espaciais, em utilizar os benefícios potenciais oferecidos pelos peque-nos
satélites, em especial os nano e pico satélites,
2) A necessidade da adesão urgente da comunidade de
pequenos satélites às leis, regulamen-tos e procedimentos internacionais, em
especial os aprovados pela Assembleia Geral da ONU, pelo COPUOS e pela UIT em
relação a objetos lançados ao espaço, à coordenação de radiofrequência e ao
registo de frequência atribuída à rede de satélites, e de acordo com as
Diretrizes para a Redução de Detritos Espaciais (endossado pela Assembleia
Geral das Nações Unidas em 2007), e
3) A importância para a comunidade de pequenos satélites
de estar preparada para imple-mentar as recomendações e práticas já existentes
e as novas em desenvolvimento que apoiam a sus-tentabilidade a longo prazo das atividades
no espaço exterior.
Com base neste reconhecimento, a Declaração:
# Considera a natureza específica das estações espaciais
de pequenos satélites a serviço do radioamador por satélite e do processo de
coordenação de frequências no âmbito da União Interna-cional de Rádio Amador
(IARU), para evitar interferências prejudiciais ao radioamador e às estações de
radioamador por satélite;
# Confirma e fortalece a importância de criar e aplicar
leis nacionais, com base nos instru-mentos internacionais, definindo
claramente os direitos e obrigações de cada parte interessada em participar de
iniciativas envolvendo pequenos satélites;
# Insta a comunidade de pequenos satélites a cumprir as
leis, regulamentos e procedimentos internacionais e nacionais, indispensáveis
para garantir a sustentabilidade a longo prazo dos peque-nos satélite, a
prevenção de interferências prejudiciais e a gestão adequada dos detritos
espaciais, e
# Recomenda dar continuidade às atividades de capacitação
em regulamentação de pequenos satélites e sistema de comunicações, promovendo
simpósios e seminários regulares, com o uso de instrumentos de treinamento
baseados na Internet, bem como fornecendo manuais, diretrizes e apoio para
facilitar o cumprimento desta programação.
A UIT também divulgou, em abril, o “Guia de Registro de
Objetos Espaciais e Gestão de Frequência para Satélites Pequenos e muito
Pequenos”, para maior divulgação das normas pertinen-tes em vigor, que precisam
ser cumpridas.8
Tudo isso será examinado minuciosamente pelo Subcomitê
Jurídico, a partir de 2016, ao discutir o tema dos desafios legais dos pequenos
satélites, em boa hora proposto pelo Brasil.
Apresentação técnica sobre a Universidade da Força Aérea
(UNIFA)
A UNIFA, sediada em Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro,
passou a incluir cursos e estudos sobre atividades espaciais e Direito
Espacial. Por isso, o Coronel Paulo R. Batista, professor de seu Centro de
Estudos Estratégicos e membro da delegação do Brasil ao Subcomitê Jurídico, fez
oportuna exposição9 sobre essa instituição militar comprometida com o Programa
Espacial Brasileiro e com o uso exclusivamente pacífico do espaço.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito
Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de
Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA),
Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira,
Membro da Delegação Oficial do Brasil à sessão do Subcomitê Jurídico do COPUOS
referida neste artigo; Preside o Grupo de Trabalho sobre Definição e
Delimitação do Espaço Exterior desse Subcomitê, desde 2005.
Referências
1)
Koskenniemi, Martti, International Law in the World of Ideas, in The Cmbridge
Companion to International Law, Ed. by James Crawford and Martti Koskenniemi,
Cambridge, 2012, p. 60. Koskenniemi é diplomata finlandês,
professor de Direito Internacional da Universidade de Helsinque e professor
visitante da Universidade de Cambridge, Reino Unido.
3) Ver site do UNODA www.un.org/disarmament/
4) Ver site www.iislweb.org/
6) Apresentações feitas no workshop do IISL e do ECSL de
2015 sobre a gestão do tráfego espacial www.unoosa.org/oosa/en/COPUOS/lsc/2015/symposium.html
7) Ver texto em inglês em www.itu.int/GO/ITU-R/Prague-2015
8) Ver texto em inglês em http://www.unoosa.org/oosa/en/COPUOS/lsc/small-sat-handout.html
9) Ver no site www.unoosa.org/pdf/pres/lsc2015/tech-04.pdf
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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