Entrevista com Marco Antonio Raupp

Olá leitor!

Segue abaixo uma entrevista publicada na “Revista Espaço Brasileiro”, número 11, de Abr, Mai e Jun. de 2011, com o novo presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Marco Antonio Raupp.

Duda Falcão

Entrevista

Marco Antonio Raupp

Márcia Nogueira e
Raíssa Lopes
Revista Espaço Brasileiro

Presidente da Agência Espacial Brasileira

Em 21 de março deste ano, Marco Antonio Raupp assumiu a presidência da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esta não é a primeira vez que Raupp se envolve com o programa espacial. Ele é pesquisador titular e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Durante sua gestão no instituto, ele foi responsável pela formação técnica da cooperação entre o Brasil e a China para o desenvolvimento do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS, em inglês) e pela criação do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).

Raupp é, também, especialista em análise numérica, ex-diretor e pesquisador titular do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e membro titular da Academia Internacional de Astronáutica (IAA). Nos últimos anos, trabalhou como diretor-geral do Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP).

Em entrevista exclusiva à revista Espaço Brasileiro, Raupp analisa o Programa Espacial Brasileiro, fala sobre cooperações internacionais, satélites e maneiras de aproximar o programa das industrias e das instituições de pesquisa e ensino.

REVISTA ESPAÇO BRASILEIRO: O senhor foi diretor do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) entre abril de 1985 e janeiro de 1989. Esse foi seu primeiro contato com o Programa Espacial Brasileiro?

MARCO ANTONIO RAUPP: Foi. Eu não sabia nada sobre o Programa Espacial Brasileiro. E, ao ser designado diretor-geral da instituição, fui encarregado de fazer a gestão do projeto de satélites do Programa Espacial Brasileiro que, naquele momento, chamava-se Missão Espacial Completa Brasileira (MECB). O INPE era responsável por fazer satélites e o DCTA por fazer lançadores. O plano era que fizéssemos dois satélites de coleta de dados e dois de sensoriamento remoto.

Só foram feitos os de coleta de dados. Em 1988, conseguimos desenvolver o satélite, o SCD-1, mas o lançador atrasou. O que é natural. Fazer um lançador é muito mais complexo do que fazer um satélite de coleta de dados. Essa foi à parte do Programa Espacial Brasileiro da qual participei – criar a infraestrutura para testes e controle de satélites e fazer o primeiro satélite.

O SCD-1 só foi lançado em 1993. Também me envolvi diretamente em dois projetos que foram muito importantes na área espacial e atmosférica – o projeto CBERS e o CPTEC. Cuida da parte de formulação técnica da cooperação entre o INPE e a CAST, criando a oportunidade de fazermos o satélite de sensoriamento remoto com a China. A outra contribuição foi a criação do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do INPE, que foi concebido quando eu era diretor.

REB: O senhor ficou distante do programa espacial por muitos anos. Quais foram as atividades assumidas pelo senhor durante esse período?

RAUPP: Sou matemático de formação. Voltei às minhas atividades de pesquisa científica e ensino nas universidades e nos centros de pesquisa. Nos últimos cinco anos me envolvi no projeto do Parque Tecnológico de São José doa Campos (SP). O parque estimula a interação entre as instituições geradoras de conhecimento, as universidades e os institutos de pesquisas, e as entidades que tem competência para transformar esse conhecimento em bens com valor econômico, que são as empresas e as indústrias.

REB: O senhor disse que a primeira ação da sua gestão será reunir os agentes do Programa Espacial Brasileiro para fazer uma avaliação crítica do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). Por que o PNAE precisa ser atualizado já que sua ultima revisão tem validade prevista até 2014? Até que ponto suas propostas estão obsoletas? Os resultados desse estudo poderão dar uma nova direção ao Programa Espacial Brasileiro?

RAUPP: A validade do PNAE é de dez anos, mas ele prevê atualizações sempre que for necessário. Ao chegar na Agência, deparei-me com o atraso da maioria dos projetos, tanto de satélites quanto de lançadores. Um exemplo é o projeto da Plataforma Multimissão (PMM). Ela estava prevista para ser entregue em 2005 e até hoje não está pronta. Outro exemplo é o satélite CBERS-3, que estava previsto para ser lançado em 2010 e agora será em 2012. Sugiram outras demandas desde a última revisão do PNAE, há cinco anos. A Agência Nacional de Águas (ANA) quer desenvolver um satélite para ampliar o seu sistema de coleta de dados. Está na hora de se pensar num satélite de comunicações internas do governo e também de outros setores. Tudo isso tem que ser avaliado e submetido à decisão do Governo. O Governo decidirá o que vai ser feito. Essa avaliação crítica é natural, necessária para termos controle da situação.

“Durante as reuniões
de analise do PNAE
serão identificados
os problemas
existentes no
programa e
propostas soluções
que devem
ser aceitas
mutuamente”

REB: O senhor disseque quer uma aproximação maior da AEB com os institutos parceiros e as indústrias do setor. Como o senhor pretende fazer isso? Quais os benefícios que essa aproximação trará para o Programa Espacial Brasileiro?

RAUPP: Durante as reuniões de analise do PNAE serão identificados os problemas existentes no programa e propostas soluções que devem ser aceitas mutuamente. Temos de mudar o modo operante. Não se trata de entregar o recurso e não obtermos resultados.

Queremos integrar melhor os vários agentes do sistema e aumentar a participação da indústria, de maneira que todas as intervenções da Agência fluam com uma dinâmica maior. Outra dificuldade é o aparato legal. O marco legal da Lei nº 8666 é totalmente inadequado para uma atividade com prazos e metas bem definidas.

REB: Há três lançamentos importantes para o Programa Espacial Brasileiro marcados para 2012 – o do CBERS, o do foguete Cyclone-4 e lançamentos de teste do VLS. No entanto, o programa tem sido marcado por atrasos nos últimos anos. O senhor acredita que os lançamentos realmente acontecerão? Quais providências o senhor tomará para diminuir os atrasos no Programa Espacial Brasileiro?

RAUPP: Só poderei responder após a finalização da analise crítica. O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, afirmou que esse ano será uma não de reflexões. Já existem contenções orçamentárias por motivos macroeconômicos que temos que respeitar. Mas existem, também, problemas de execução e de gestão que precisamos entender e superar. Acredito que chegaremos, até o final do ano, com uma visão clara de quais são as possibilidades e metas existentes.

“O Brasil precisa ter
um satélite
meteorológico
geoestacionário. Não
podemos fazer
observação das
condições
atmosféricas a partir
de satélites
estrangeiros”

REB: Os satélites são essenciais para a segurança e a soberania nacional. Com eles podemos, por exemplo, prever catástrofes como as que acometeram o país, no início desse ano. No entanto, o único satélite que o Brasil tem em órbita é o SCD. O que o senhor pretende fazer para mudar esse quadro?

RAUPP: Precisamos de vários tipos de satélites de observação. O Brasil precisa ter um satélite meteorológico geoestacionário. Não podemos fazer a observação das condições meteorológicas e atmosféricas do País a partir de satélites estrangeiros. Se o satélite de fora parar de funcionar ficaremos sem informações. E isso já aconteceu anteriormente.

REB: O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, esteve no Brasil e assinou um tratado de cooperação internacional entre os dois países. Esse tratado é melhor do que o que vigeu anteriormente? O senhor acredita que isso abrirá portas para nosso País?

RAUPP: Esse acordo de cooperação é quase igual ao anterior. Será importante para ambas as partes, principalmente para nós. As atividades espaciais são muito caras e nós temos de compartilhar os custos. Tínhamos muitos problemas científicos com a Agência Espacial Americana (NASA, sigla em inglês) e a partir do momento em que nos retiramos do projeto da Estação Espacial Internacional houve um certo estremecimento.

REB: Até que ponto a assinatura desse tratado coloca em risco a parceria firmada com a Ucrânia, em 18 de novembro de 1999, para a comercialização e operação de serviços de lançamento utilizando o veículo lançador Cyclone-4 a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, localizado, no Maranhão?

RAUPP: Não coloca. O Brasil tem soberania para fazer cooperações com quem quiser. Para fazermos um uso do lançador Cyclone-4 e desenvolver um atrativo comercial para ele, precisaremos trabalhar junto com os EUA, que é o país que mais usa serviços comerciais de lançamento. Temos que atraí-los para cá. Se o satélite não é americano, ele tem um percentual grande de peças americanas. Então, temos que contemplar o mercado americano se quisermos que os lançamentos de Alcântara sejam comercializáveis. Para que isso aconteça, teremos que discutir com os EUA o que precisaremos fazer em relação aos acordos de salvaguardas tecnológicas. Evidentemente, esses acordos terão de ser negociáveis. Os requisitos de salvaguarda tecnológica costumam variar com o tempo e com os interesses. O fato de não conseguirmos assinar um acordo de salvaguarda com os EUA, anteriormente, não significa que não possamos assinar um novo acordo em breve.

REP: Um dos problemas do Programa Espacial Brasileiro é o baixo orçamento. Países como a China, a Rússia e a Índia, que, assim como o Brasil, se destacaram no cenário mundial pelo rápido crescimento das suas economias, destinam muito mais recursos públicos para seus programas. A China investe mais de um bilhão anualmente e planeja vôos tripulados a Lua até 2020. A Índia tem orçamento superior a US$ 800 milhões ao ano e a Agência Espacial Russa conta com recursos de US$ 2 bilhões. Quais ações o senhor pretende tomar para que o Brasil avance também?

RAUPP: A Agência Espacial Russa (ROSCOSMOS) tem tradição na área espacial, mas o Brasil está realmente atrasado se compararmos a países emergentes como a China e a Índia. Como um dos negociadores do programa CBERS, fui à China nos anos 1980, para discutir o projeto. Naquele tempo, tínhamos atrativos tecnológicos, como na área de computação. Hoje, eles avançaram muito mais que nós.

A Índia tem projetos nacionais com consistência há muito tempo. E o espaço faz parte deste projeto nacional. Só recentemente, o Brasil começou a definir uma política industrial, de desenvolvimento produtivo e de ciência e tecnologia e inovação. Agora, a C&T foi reconhecida como algo que pode sustentar a imersão de tecnologias no processo produtivo, na inovação das empresas, entre outros. A estruturação do programa espacial nesse momento é fundamental. Ele não pode ficar fora dos objetivos globais de política científica e tecnológica do País. A tarefa que temos na AEB é agilizar o setor espacial.

REP: O senhor tem um histórico acadêmico. Como pretende aproximar o Programa Espacial Brasileiro e as instituições de ensino e pesquisa do País?

RAUPP: Temos que estimular universidades e institutos a terem cursos de Engenharia Espacial e, também, criar oportunidades de emprego. O Programa Espacial pode contribuir por meio das ações de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico. Exigiremos que as empresas contratem pessoas capacitadas para trabalharem. A AEB tem o papel de fomentar a formação de recursos humanos nas universidades. Fazer projetos, ter recursos para incrementar e para aumentar a participação de projetos científicos na área espacial é importantíssimo. A idéia é fazer acordos com universidades e centros. Não podemos prescindir, também, do suporte do CNPq. Queremos que ele continue a apoiar o espaço, como a apóia a ciência em geral. E, por meio de programas específicos para construção de satélites e outros, fazer com que os formandos das universidades tenham oportunidades de emprego nas indústrias.

REB: Como atrair a iniciativa privada para o setor?

RAUPP: É fundamental para o PEB ser um grande business que dependerá de uma visão estratégica de longo prazo e de governo, visto que as compras governamentais são essenciais para estimular esse negócio. A curva de investimento no programa espacial no Brasil era de R$ 300 milhões na época MECB. Caiu para R$ 100 milhões numa época que classifico de neoliberal. Agora, no governo LULA, subiu para R$ 300 milhões. É pouco, mas foi um aumento importante. Foi triplicado o orçamento, mas os resultados não acompanharam. Isto mostra que não basta só o dinheiro, tem que haver performance dos agentes que estão operando. É com isso que estou preocupado neste momento. Se tivermos melhor performance, ganharemos mais confiança dos investidores.


Fonte: Revista Espaço Brasileiro - Num. 11 – Abril, Maio e Junho de 2011 - págs. 5,6 e 7

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