Estados Unidos Privatizam Riquezas dos Corpos Celestes
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski ontem (03/12) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Estados Unidos Privatizam
Riquezas dos Corpos Celestes
Lei
promulgada por Obama abarca minerais e água da Lua e dos asteroides
José
Monserrat Filho *
A companhia americana Moon
Express festeja a adoção, em 25 de
novembro, da Lei Obama que confere aos cidadãos do país e suas empresas o
direito de propriedade sobre os recursos da Lua e de outros corpos celestes,
inclusive asteroides. Mas a comemoração é autocentrada. A firma fez publicar na
imprensa, no próprio dia 25, uma nota¹ que a coloca em primeiro plano.
Diz o título da matéria: “Presidente Obama assina lei que atribui à Moon Express
direitos de minerar a Lua”. Subtítulo: “Lei histórica reconhece os direitos da
Moon Express de ser proprietária dos recursos colhidos na Lua”. O 1º parágrafo
amplia o benefício ao mesmo favorecido como se fosse o único: “Hoje se fez
história quando o Presidente Obama assinou lei que reconhece e promove os
direitos da Moon Express de explorar, colher e possuir recursos da Lua”.
A notícia propriamente está
no 2º parágrafo e o elogio, aí, vai para o
país benfeitor: “Esta histórica lei foi promulgada no Capítulo IV do 'Ato de
Competitividade em Lançamentos Espaciais Comerciais dos EUA', que torna os
Estados Unidos a primeira nação a reconhecer explicitamente os direitos
privados do setor de mineração sobre a água e minerais obtidos da Lua”. Faltou
ressaltar que tal pioneirismo limita os direitos privados sobre recursos
espaciais às empresas do próprio país.
O 3º parágrafo também não
prima pela modéstia: “A Moon Express
aplaude o Presidente por apoiar a missão da Moon Express de recolher recursos
lunares. A 'Lei sobre Utilização dos Recursos Espaciais de 2015' protege e
apoia os interesses da Moon Express em expandir a esfera econômica da Terra à
Lua e além dela”.
“A assinatura da lei é um
grande salto para a humanidade e para a Moon Express”, proclama sem pejo, no 4º parágrafo, o fundador e
Presidente Executivo da Moon Express, Naveen Jain (1959-), plagiando descabidamente
o astronauta Neil Amstrong, que pisou na Lua em 1969. Como não poderia deixar
de ser, o principal executivo da companhia se diz “super entusiasmado com que o
Presidente Obama tenha reconhecido os direitos da Moon Express de recolher e
ser proprietário dos recursos lunares que podem ser usados em benefício da
humanidade”.
“Este é o maior
reconhecimento dos direitos de propriedade na história", disse Eric Anderson, co-fundador e co-Presidente da
Planetary Resources, outra empresa americana beneficiada pela Lei Obama.
"Esta lei estabelece o mesmo quadro de apoio que criou as grandes
economias de história, e incentivará o desenvolvimento sustentado do
espaço."
"Daqui a cem anos, a
humanidade olhará para este tempo como a época em que fomos capazes de fixar
uma permanente posição no espaço. Nunca
houve na história um índice mais rápido de progresso do que agora", previu
e alardeou Peter H. Diamandis, também co-fundador e co-Presidente da Planetary
Resources.
“A liderança contínua e a
prosperidade no espaço da nossa nação são garantidas pela nova lei”, celebrou Peter Marquez, vice-presidente da mesma
Planetary Resources, e agradeceu o Presidente Obama e os membros do Congresso,
pelo apoio ao “crescimento da economia dos EUA no Sistema Solar”2. A seu ver,
portanto, a lei que fixa a propriedade privada de empresas dos EUA sobre os
recursos do espaço leva a expansão da economia americana ao Sistema Solar. Nada
menos.
Mas há quem se oponha à nova
lei mesmo na Câmara baixa dos EUA. A
deputada Donna Edwards, democrata de Maryland, disse de sua tribuna que
compartilha "o entusiasmo e a maravilha do espaço", mas que não vê
suficiência jurídica para assegurar que as empresas americanas envolvidas na
exploração industrial e comercial dos recursos do espaço não entrem em conflito
com as obrigações internacionais dos EUA. E citou um especialista em Direito
Espacial da Universidade de Mississipi, sem dizer seu nome, para o qual a
outorga de direitos de propriedade sobre os recursos de asteroides seria
contrária ao Tratado do Espaço de 1967, em vigor.³
Os países concordam em que o
espaço não deve se tornar novo “faroeste selvagem”, argumentam alguns juristas, para os quais “a nova lei
corre o risco de privatizar um reino que se destina a pertencer a toda a
humanidade”, como informa a CBC News4.
“Não se deve permitir que os
recursos naturais (do espaço) sejam apropriados por quem quer que seja – Estados, empresas privadas ou
organizações internacionais”, sustenta Ram Jakhu, professor do Instituto de
Direito Aeronáutico e Espacial da Universidade McGill, Montreal, Canadá. Ram
Jakhu diz que “o Tratado do Espaço, ratificado pelos EUA e outros países,
inclusive o Canadá, deixa claro que a superfície e o interior dos asteroides e
de outros corpos celestes estão protegidos do uso comercial”5. E lembra o que
determina o Artigo II do Tratado do Espaço: “O espaço cósmico, inclusive a Lua
e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por
proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio.”
Mas, mesmo se as empresas
violassem o Direito Internacional, isso seria irrelevante na prática – comenta a CBC News –, pois “o Tratado do Espaço não tem
nenhum mecanismo para fazer valer suas normas, e, ainda se tivesse, poucos
países provavelmente se importariam com que uma porção de cobalto retirada de
um cometa pudesse impor sanções econômicas e outras (aos EUA)”. Na realidade,
reduzir a mineração de minerais dos corpos celestes a “uma porção de cobalto
retirada de um cometa” é mera tentativa de subestimar os investimentos
milionários que as empresas envolvidas estão fazendo neste sentido, o que
explica a festa com que receberam a promulgação da lei que as bafeja. Trata-se
de um mercado estimado em trilhões de dólares.6
"Nesse caso, acho que
ninguém pode fazer nada. Este é o mundo em que vivemos – o poder é o
direito", reconhece Ram Jakhu.7
“Esta já é a mais
significativa salva de tiros disparada na batalha ideológica em torno da
propriedade do cosmos”, considera o
jurista nigeriano Gbenga Oduntan, Professor de Direito Internacional da
Universidade de Kent, em Canterbury, Reino Unido. Para ele, “a lei dos EUA
sobre mineração de asteroides é perigosa e potencialmente ilegal”8. Ele
ironiza: “A nova lei não é senão uma capitulação clássica à filosofia do 'Velho
Oeste' – 'quem ousa, vence' ”.
“A lei também permite ao
setor privado promover inovações no espaço sem a supervisão regulamentar
durante oito anos, e resguarda os participantes dos voos espaciais da falência
financeira”, revela Gbenga Oduntan. Cumpre
notar: a primeira regalia parece ferir o Artigo VI do Tratado do Espaço, que
determina sejam as atividades espaciais das organizações nacionais
não-governamentais (as empresas privadas) não só autorizadas como
“continuamente supervisionadas” pelo respectivo Estado.9 A segunda rompe com a
liberdade de mercado e a livre concorrência, muito embora “a Planetary
Resources e os políticos que patrocinaram sua causa vejam o triunfo da lei
(Obama) como uma vitória dos princípios de Adam Smith”, considerado o pai dos
preceitos liberais da economia.10
“A lei representa completo
ataque frontal aos princípios do Direito espacial, baseados em dois preceitos básicos: o direito dos Estados
à exploração científica do espaço e dos corpos celestes; e a prevenção da
explotação comercial unilateral e desenfreada dos recursos do espaço. Esses
princípios estão fixados em acordos, como o Tratado do Espaço de 1967 e o
Acordo de Lua, de 197911”, afirma Gbenga Oduntan.
Curiosamente, em 1967, os
EUA defendiam essa mesma posição. A
história é testemunha: “O Governo dos EUA, desde o princípio da Era Espacial,
manteve a posição de que o espaço exterior deve permanecer livre dos direitos
exclusivos privados ou de propriedade. O Presidente Lyndon B. Johnson, em sua
Carta (Letter of Transmittal), de 7 de fevereiro de 1967, submetida ao Senado
dos EUA, para consulta e consentimento com vistas à ratificação pelos EUA do
Tratado do Espaço, recordou: 'Em novembro de 1958, o Presidente Dwight D.
Eisenhower pediu-me para apresentar às Nações Unidas a decisão dos EUA [sobre o
espaço exterior]... Na ocasião, falando em nome dos EUA, eu disse: 'Hoje, o
espaço exterior é livre. Ele está fechado para conflitos. Nenhuma nação detém
concessões lá. E deve permanecer assim. Nós, dos EUA, não aceitamos que haja
senhorios (landlords) no espaço, capazes de supor negociações com nações da
Terra sobre o preço do acesso a este domínio...' Creio que tais palavras
continuam válidas hoje.”¹²
Em suma, a lei Obama muda até o
passado dos EUA – aquele que aprovou a Carta das Nações Unidas, fonte maior do
Direito Internacional em plena vigência, que inclui o Tratado do Espaço.
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria
Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da
Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa apenas a opinião do autor.
Referências
2) As declarações dos
diretores da Planetary Resources podem ser lidas em inglês no site: www.planetaryresources.com/2015/11/president-obama-signs-bill-recognizing-asteroid-resource-property-rights-into-law/.
4) Id Ibid.
5) Id Ibid.
7) Id Ibid Number 3.
9) Ver texto completo em
português do Tratado do Espaço no site www.sbda.org.br.
10) Ver
www.upi.com/Science_News/2015/11/27/New-US-space-mining-law-may-violate-international-treaty/8751448634436/.
Sobre Adam Smith (1723-90), filósofo e economista escocês, autor de “A Riqueza
das Nações”, ver http://educacao.uol.com.br/biografias/adam-smith.htm.
11) Ver texto completo no
site www.sbda.org.br.
12) Cologne Commentary on Space Law, edited by Stephan Hobe, Bernhard
Schimidt-Tedd, Kay-Uwe Schrogl and Géraldine Meishan Goh (assistant), Volume 1
on Outer Space Treaty, Germany: Carl Heymanns Verlag, 2009, p. 51.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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