Mil Páginas Sobre Direito Espacial
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo do Sr. José Monserrat Filho
postada dia (13/02) pelo companheiro André Mileski em seu "Blog Panorama
Espacial".
Duda Falcão
Mil Páginas Sobre Direito
Espacial
José Monserrat Filho *
“... apesar dos objetivos
expressos de comercialização de dados e produtos do sensoriamento remoto, o
número de restrições ao acesso está aumentando. Este fato levou estudiosos a
pedirem uma reorganização das normas internacionais que regem a distribuição e
o uso dos produtos do sensoriamento remoto.”
Fabio Tronchetti, um editores do livro aqui apresentado.
O volumoso “Manual de
Direito Espacial” (Handbook of Space Law)
foi editado, em 2015, por dois juristas europeus com doutorado na Faculdade de
Direito da Universidade de Leiden, fundada em 1575 nos Países Baixos (Holanda).
Hoje eles lecionam fora da Europa: Frans von der Dunk (FvdD), dos Países
Baixos, é professor na Universidade de Nebrasca, nos Estados Unidos (EUA), e
Fabio Tronchetti (FT), da Itália, professor associado da Escola de Direito do
Instituto Tecnológico Harbin, na China. Eles contaram com os textos e a
competência de dez colaboradores de alto nível, como vemos abaixo. O volume,
com mil páginas, é bem mais que um manual.
O livro aborda os temas hoje
clássicos do Direito Espacial. Basta ver
os títulos de seus 19 capítulos: 1) Antecedentes e História do Direito
Espacial, de Peter Jankowitsch (Áustria); 2) Direito Espacial Internacional, de
FvdD; 3) Direito Espacial Nacional, de Irmgard Marboe (Áustria); 4) Direito
Espacial Europeu, de FvdD; 5) Organizações Internacionais no Direito Espacial,
de FvdD; 6) Aspectos Jurídicos do Uso Militar do Espaço Exterior, de FT; 7)
Aspectos Legais dos Serviços de Lançamento e Transportes Espaciais, de Peter van
Fenema, dos Países Baixos; 8) Aspectos Legais dos Satélites de Comunicação, de
FvdD; 9) Aspectos Legais dos Satélites de Sensoriamento Remoto, de FT; 10)
Aspectos Legais dos Satélites de Navegação; de Lesley Jane Smith, do Reino
Unido; 11) Aspectos Legais dos Voos Tripulados e da Operação de uma Estação
Espacial, de Carla Sharpe, da África do Sul, e FT; 12) Aspectos Legais dos Voos
Tripulados Privados, de FvdD; 13) Aspectos Ambientas das Atividades Espaciais,
de Lotta Viikari, da Finlândia; 14) Aspectos Legais do Uso de Recursos do
Espaço, de FT; 15) Aspectos do Comércio Internacional nos Serviços Espaciais,
de FvdD; 16) Ventures Financeiras Espaciais, de Mark Sundahl, dos EUA; 17) O
Seguro no Contexto das Atividades Espaciais, de Céline Gaubert, da França; 18)
Os Direitos de Propriedade Intelectual no Contexto das Atividades Espaciais, de
Catherine Doldirina, do Canadá; e 19) Solução de Controvérsias nas Atividades
Espaciais, de Maureen Williams, da Argentina.
No prefácio, Rusty
Schweickart (1035-), astronauta americano, tripulante do Apolo-9, nota que "com a análise mais abrangente e holística
dos aspectos legais e regulamentares das atividades espaciais e as principais
aplicações espaciais até à data, este manual aborda tais aspectos legais e as
principais aplicações no espaço, com base em perspectiva ampla e estruturada
sobretudo a partir da dicotomia entre o caráter do Direito Espacial
Internacional (DEI) orientado pelo Estado e a crescente comercialização e
privatização das atividades espaciais – a mudança de paradigma mais fundamental
que ocorreu nessas atividades desde o início da Era Espacial”.
Na realidade, a
comercialização e a privatização das atividades espaciais, sobretudo nas grandes potências, também é orientada e
apoiada pelo Estado por meio de leis, investimentos e encomendas. Ademais, na
maioria esmagadora dos países, inclusive no Brasil e em toda a América Latina,
o Estado desempenha papel essencial nos programas espaciais nacionais. A meu
juízo, talvez se deva definir como mudança de paradigma o extraordinário
fortalecimento de corporações privadas financeiras e industriais, que ganharam
poder econômico e político sem precedentes em alguns países, com forte impacto
global.
O Capítulo 2, sobre o DEI
aparece como coluna vertebral do livro. FvdD
apresenta sua visão geral desse ramo do Direito. Trata de sua evolução, seus
tratados, seus problemas mais debatidos, regimes jurídicos que o cercam. Nas
conclusões, ele escreve que “o espaço começou a acolher todo tipo de atividades
humanas, ou melhor, a desempenhar papel fundamental nelas – militares,
científicas, administrativas, combate ao crime e ao terrorismo, comerciais e
humanitárias – e, assim, na regulamentação do comportamento de todos os seres
humanos que delas participam”.
“O espaço torna-se de fato o
quarto domínio (realm) para a humanidade se aventurar, e, presumivelmente, o último, após as massas de terra, os
oceanos e o espaço aéreo”, esclarece e lembra: Não por acaso, não faz muito os
militares dos EUA começaram a considerar seriamente a criação do quarto ramo
das Forças Armadas – próximo do Exército, da Marinha e da Força Aérea – a Força
Espacial. Ao mesmo tempo, o autor, estudioso do Direito Cibernético, levanta a
hipótese de que o âmbito cibernético (cyber) poderia constituir um domínio
próprio. Parece que as atividades cibernéticas, pelo menos até agora, são de
base terrestre. Podem também, é certo, ser exercidas nos espaços aéreo e
exterior, mas sob controle e no interesse de centros e instituições sediados na
Terra. No espaço exterior, a impressão é de que poderão gerar efeitos
profundamente deletérios.
FvdD diz que “para uma
compreensão adequada do modo como a lei e a regulação – que também incluem a legislação nacional no âmbito do
DEI – têm impacto sobre todas as actividades espaciais ou, pelo menos, sobre um
elemento ou aspecto substancial delas, as análises e propostas destinados a
posterior desenvolvimento nunca devem se abster de levar efetivamente na devida
consideração o amplo escopo do Direito Espacial lato sensu [no sentido amplo]”.
Número limitado mas
suficiente de questões – No entender de
FvdD,“fora das muitas sobreposições, inconsistências ou lacunas por entre a
miríade de regimes legais que interagem [nas cercanias da DEI], este Capítulo e
até este livro podem lidar apenas com um limitado número das questões mais
importantes, mas suficiente, presume-se, para entender os mecanismos básicos a
respeito” [da matéria]. Na verdade, o livro cobre um sem-número de temas
históricos e atuais.
FvdD conclui, ironizando a
variedade de regimes jurídicos que cercam o DEI: “Notando que a maioria dos atores, certamente países e
entidades privadas menores, que não empregam grandes burocracias, prefeririam
ser confrontados por, pelo menos, um conjunto coerente de direitos e
obrigações, em vez de por uma simples lista de vários regimes aplicáveis a seu
campo específico de atividade sem sequer contar com um kit faça-você-mesmo para
dar sentido à interação dos regimes, e onde um pode ter precedência sobre o
outro, é claro que ainda há muito a fazer nesta área fascinante de direito
internacional público.” Permito-me citar um exemplo de regime jurídico: o MTCR
(Missile Tecnology Control Regime), Regime de Controle de Tecnologia de
Mísseis, criado em 1987 por iniciativa dos EUA e aliados, que bloqueou durante
vários anos a construção do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1) do Brasil,
sob a alegação de ser um míssil de longo alcance para uso militar.
Sobre o antigo e polêmico
tema da definição e delimitação do espaço,
FvdD lembra frase de Manfred Lachs (1914-1993 – jurista polonês, ex-presidente
da Corte Internacional de Justiça, ligada às Nações Unidas), escrita em artigo
de 1992 – “talvez esteja se aproximando o momento em que uma decisão
sobre a definição da fronteira entre as duas dimensões terá que ser tomada” – e
se anima a opinar: “Parece provável que seria necessário um acordo mais formal
sobre a fronteira entre os espaços aéreo e exterior, presumivelmente a uma
altitude de cerca de 100 km – se isso não for desenvolvido como norma de
Direito Internacional Consuetudinário, onde o dito acima poderia ser
considerado como, pelo menos, tendência inequívoca de acordo sobre tal norma.”
O bloqueio do avanço dos
serviços comerciais de lançamentos espaciais
– Peter van Fenema revela no Capítulo 7: “O desenvolvimento dos serviços de
lançamento [de foguetes] como parte do comércio internacional regular,
comparado ao transporte aéreo internacional, continua bloqueado por razões
militares e de segurança nacional em torno dos veículos de alta tecnologia e
tecnologias sensíveis usados para esse fim. Tais aspectos e o pequeno número de
empresas estatais e privadas que, como resultado, prestam esses serviços – e o
fato de a maioria das operações não envolverem a passagem por fronteiras
nacionais – também sugerem a criação de uma organização internacional
intergovernamental destinada a lidar com a regulamentação da matéria, em
especial da segurança e da sustentabilidade – aspectos relacionados. Até agora,
esses aspectos têm impedido a indústria de falar com uma só voz em fóruns como
o Comitê das Nações Unidas Para o Uso Pacífico do Espaço Exterior [COPUOS] e
seu Subcomitê Jurídico.”
A regulamentação desse campo, acredita Fenema, seguirá vindo, sobretudo, de governos
nacionais na forma de leis, políticas e práticas domésticas, e de acordos
bilaterais, influenciados em certa medida por elementos do soft law [direito
não obrigatório] (e vice-versa). Esta situação, diz ele, provavelmente só vai
mudar quando os passageiros de rotina dos transportes espaciais [turistas] e a
consciência de seus próprios interesses (quanto às ameaças do lixo espacial,
por exemplo)... forçarem a indústria e o governo, desafiados, a agir em
conjunto.
Handbook of Space Law, vale
frisar, é extremamente rico em referências bibliográficas e factuais. Eu o recomendo a quem estuda Política e Direito do Espaço
e das Atividades Espaciais. O único problema para quem vive num país em
desenvolvimento, como o Brasil, é o preço do livro. Pela Amazon, ele
normalmente custa 345 dólares (R$ 1.380,00), uma pequena fortuna, embora haja,
segundo a consulta que fiz em 12 de fevereiro, 12 exemplares sendo vendidos a
260,98 dólares (R$ 1.043,92), o que não é propriamente um consolo, mas permite
uma economia de R$ 336,00. E se um grupo de interessados olhar essa compra como
investimento, talvez valha o sacrifício.
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia
Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do
Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial
Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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