“Mundo Não Será o Mesmo Depois da Conferência do Clima”
Olá leitor!
Segue abaixo uma entrevista com a conhecidíssima Dra. Thelma Krug, pesquisadora do INPE na área de Mudanças Climáticas, publicada na edição de nº 44
de janeiro de 2016 do “Jornal do SindCT”.
Duda Falcão
NOSSO TRABALHO
“Mundo Não Será o Mesmo Depois
da Conferência do Clima”
ENTREVISTA: THELMA KRUG
Antonio Biondi
Jornal do SindCT
Janeiro de 2016
O cenário de
elevação de “apenas” 1,5OC da temperatura global do planeta parece mais ameno.
Porém, para aquelas nações mais relacionadas com a subida do nível dos mares,
esse aumento pode ter consequências catastróficas.
No Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) desde 1982, a pesquisadora sênior Thelma
Krug foi eleita vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU),
em outubro de 2015, consolidando-se como uma das referências mundiais na
temática. Nesta entrevista, Thelma destaca suas impressões sobre a 21ª
Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-21 ou Conferência Mundial do
Clima), realizada no final do ano em Paris. Thelma foi chefe da divisão de
Sensoriamento Remoto e coordenadora da área de Observação da Terra (OBT) do
INPE, tendo sido a primeira mulher a exercer tais cargos.
Depois, foi
secretária- adjunta da Secretaria de Políticas e Programas em Ciência e
Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e, mais
tarde, secretária nacional de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do
Ministério do Meio Ambiente (MMA), na gestão de Marina Silva. Hoje à frente da
Assessoria de Cooperação Internacional do INPE, afirma que o instituto é
referência não só no Brasil mas no mundo todo.
O IPCC possui
três vice- -presidências. Thelma e sua colega norte-americana Ko Barret
tornaram-se as primeiras mulheres vice-presidentes do IPCC, cabendo ao malês
Youba Sokona a vice- -presidência restante. “Para o equilíbrio de gênero no
Painel ainda temos uma longa caminhada, porém”, adverte.
O sul-coreano
Hoesung Lee foi eleito presidente do IPCC. Registre-se que o trabalho
desenvolvido ali é voluntário: “Da revisão dos inventários à vice-presidência,
não se recebe por isso. É um trabalho de amor, de doação. E, ainda de mostrar
que os países em desenvolvimento também possuem competências enormes nessa
área”, diz ela. A seguir os principais trechos da entrevista.
Qual a avaliação dos resultados da Conferência?
A Conferência em
Paris representou um avanço enorme. Estávamos muito preocupados se poderia
haver o acordo. E se os países em desenvolvimento conseguiriam mecanismos para
cumprir com suas metas de redução das emissões. Conseguimos chegar a um
resultado global, uma demonstração política fortíssima. Importantíssima. Com os
195 países participantes afirmando: “Estamos todos engajados”.
O financiamento
para mim era o ponto mais sensível. E, realmente, conseguiu- se chegar a uma
coisa muito boa na estrutura consensuada para o texto, nos compromissos, nos
ciclos de revisão... Conseguimos ser objetivos a ponto de todos se verem
representados. E afirmou-se como todos os países, desenvolvidos e em
desenvolvimento, estão pensando suas ações para as próximas décadas.
Os países em
desenvolvimento apontavam, ainda, que seguia necessário haver diferenciação
entre os diferentes grupos de países: que eles querem, sim, contribuir, mas
reconhecendo haver diferenças entre os impactos causados, hoje e
historicamente, e que isso precisava se ver refletido na declaração da
Conferência. Um ponto difícil para os países desenvolvidos, mas que se
conseguiu consensuar.
A questão da
transparência almejada e alcançada no texto também é muito importante — tanto
para as próprias ações de mitigação quanto em relação ao financiamento delas.
Uma das maiores preocupações diz respeito à forma de implementação das
políticas de mitigação nos países em desenvolvimento.
Não adianta um
país ser muito ambicioso, e depois aquilo não se concretizar. Importante que
haja propostas que possam ser implementadas. Os países participantes da
Convenção do Clima já haviam indicado que não desejavam enfrentar um aumento de
temperatura no planeta que ultrapassasse os 2oC até o fim do século 21 [o
acordo da COP- 21 consolida a ambição de limitar o aumento bem abaixo de 2oC e
com esforço para ficar abaixo de 1,5oC].
E cada país
levou propostas concretas para Paris, a fim de que se avaliasse se no plano
global tal meta se faria possível. Esse é o desafio após a COP-21.
Em termos concretos, quais os avanços obtidos e a se obter?
Após as decisões
tomadas em Paris no final de 2015, a Conferência começa a gerar desdobramentos
imediatos em todos os países. No caso do Brasil, o país já começa a se
organizar para implementar várias ações com vistas às metas para 2030.
Com foco no uso
da terra e no desmatamento, mas já trazendo um olhar muito mais diverso e amplo
sobre a questão, refletindo as decisões da COP-21 e a participação do país
nela. Não estamos mais focando só no desmatamento, mas em como a floresta pode
colaborar para compensar tanto o que já aconteceu, bem como as emissões que
podem ser evitadas daqui para frente. Isso não pode ficar só no discurso.
Então, o Brasil já iniciou esse processo.
Trabalhando
questões como fontes renováveis de energia, reflorestamento, serviços
florestais, além do uso da terra e do combate ao desmatamento. Já é possível
verificar, em algum grau portanto, as contribuições importantes que o Brasil se
prepara para implementar até 2030 — e que o governo irá divulgar, debater e
implementar. Estou apenas citando em linhas gerais.
É importante
compreendermos como todo esse processo acontece e o papel de cada instituição.
O IPCC contribui com a Conferência no sentido de gerar informações científicas
confiáveis. Ele faz um levantamento exaustivo da literatura científica sobre o
tema. Pega tudo, de todas as matizes. Os grandes volumes de documentos do IPCC,
consolidando todas as pesquisas e estudos, são produzidos a cada sete ou oito
anos aproximadamente. O último foi divulgado em 2014.
E, a partir da
eleição para o IPCC em outubro de 2015, foi iniciado um novo processo, que
culminará em 2021-2022. O Painel, em resumo, é provedor de informações
científicas para os negociadores, que não podem alegar falta de informações
para a tomada de decisão. Os negociadores trazem algumas incertezas, dúvidas,
mas chegamos a um momento em que os países não querem mais assumir os riscos
por si.
Já surgiram,
nesse sentido, convites para o IPCC analisar os impactos que um cenário de
1,5oC de aumento da temperatura global do planeta trará. Ou seja, o IPCC e a
comunidade global começam a trabalhar também com esse cenário, que é, digamos,
um pouco mais ameno e menos problemático. Mas isso não pode ser afirmado para
todos os países.
Para aquelas
nações mais relacionadas com os oceanos e com a subida do nível dos mares, esse
aumento da temperatura já pode ter consequências catastróficas, irreversíveis.
O fato de os impactos serem distintos para cada país, mas refletindo um acordo
global, faz com que essas diferenças sejam muito importantes e desafiadoras.
Em Paris, os
países podem até ter evitado uma declaração mais forte em relação ao 1,5oC, mas
posteriormente, no debate científico, é certo que terão todo interesse em
acompanhar mais de perto. Todo o processo do IPCC envolve os governos.
Seus
representantes leem as minutas, apontam lacunas, complementam a literatura,
sentem-se partícipes. Não se trata de interferência política. Só é acatado se
houver referência, embasamento. É tudo científico.
Que papel os negacionistas das mudanças climáticas desempenham nesse
processo?
O IPCC
fortaleceu muito seus procedimentos internos nos últimos anos.
Os documentos
divulgados a cada ciclo chegam a ter 7.500 páginas, certamente é possível que
possa haver algo errado no material apresentado. Para lidar com isso, e com os
questionamentos naturais, o Painel hoje conta com processos internos e externos
de revisão, de controvérsias, que levam até um ano. São instalados processos
formais para negar ou reconhecer que havia um erro.
Houve realmente
um momento difícil, em que o trabalho do IPCC estava muito na mídia, e recebeu
questionamentos relevantes, que por consequência receberam muito destaque. A cada
novo relatório, porém, os problemas [climáticos] mais se confirmam do que são
negados. E o Painel conta cada vez mais com modelos mais precisos, satélites
especiais destinados à temática, maior coleta de dados, mais estudos, mais
pesquisadores envolvidos...
A cada novo
relatório, reconhecemos determinadas mudanças, fazemos ajustes, apresentamos
melhorias. A meu ver, não se trata de sinal de inconsistência, mas sim reflete
avanços da ciência, das pesquisas, dos dados — e de transparência do IPCC.
Entre os negociadores, contudo, essa postura negacionista não aparece.
Entre as ONGs,
atores políticos, outros setores, existe uma mobilização afirmativa e de
negação mais ativa. Dentro da negociação, porém, não se vê quem diga que não
faz sentido, que o fenômeno do aquecimento global não exista, suas
consequências, etc. Esse início de debate em torno do 1,5oC demonstra isso,
esse fortalecimento.
Alguns pesquisadores começam a afirmar uma “Era do Homem” na Terra,
devido às alterações que o planeta já apresenta em função da ação da espécie.
Por outro lado, os EUA regulamentaram recentemente em lei como pode se dar a
exploração dos recursos naturais no Espaço. São notícias relacionadas?
Saí de Paris com
a convicção de que “o mundo não será mais o mesmo depois de Paris”, se aquilo
que foi decidido for implementado. Vai requerer uma mudança muito radical e
substantiva na forma que vivemos no planeta. Em termos de consumo, objetivos do
desenvolvimento sustentável (com 17 objetivos definidos em 2015) alinhados com o
que houve em Paris em termos de redução das emissões e de mitigação dos
efeitos... Vejo como a “Era do Homem” para que ele olhe hoje e decida quanto ao
que ele quer contribuir para o futuro do planeta, para buscar a solução para a
terra e para a humanidade. E eu acredito que ela se encontre aqui, não em
outros planetas.
Como se dá o processo que culminou na chegada da sra. à vice-presidência
do IPCC?
Todo o processo
do IPCC é eletivo. O Painel possui um conselho de 35 membros, com
representantes das seis regiões do globo, cada qual com um número definido e
acordado. São quatro representantes da América do Sul — o que até reflete um
beneficio proporcional. Esses membros do conselho facilitam que se converse com
todos os membros do Painel, permite que se levem alguns aspectos técnicos a
todos os países, etc.
O conselho faz
uma discussão a priori dos temas, convida determinados autores para debatê-los,
organiza as questões técnicas... Por exemplo, no tema do 1,5oC, o conselho já
colabora nessa preparação.
A eleição da
presidência e vice-presidências do IPCC se dá com a participação de todos os
195 países-membros do Painel.
De que forma a sra. ingressa no IPCC?
Em 2002, o
Brasil manda o meu nome para ser copresidente da força-tarefa em inventários
nacionais de gases de efeito estufa. Fui eleita para o período 2002- 2009,
passando a integrar o conselho do IPCC automaticamente.
Em 2009, o
Brasil me indica para seguir novamente na mesma função, até 2015. E, em 2015,
novamente num processo de eleição, o Brasil me indicou para a vice-presidência.
Todos os 195 países que integram o IPCC votam. Havia cerca de 135 presentes na
Croácia na ocasião da eleição. E mesmo só com quatro da América do Sul
presentes, fui a primeira a ser eleita.
Os países já
conheciam meu trabalho desde 2002. As indicações se dão sempre via Itamaraty,
com consultas a outros ministérios, como o MCTI, e ao INPE também.
O INPE hoje conta com projetos muito importantes na área relacionada ao
controle na emissão de gases do efeito estufa e de sua mitigação. Como a sra.
participa dessas iniciativas?
O Prodes
[Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite]
talvez seja o projeto de maior visibilidade internacional do INPE nessa área. É
reconhecido no mundo como maior projeto de uso de imagens para esse fim, com
uma periodicidade única e enorme abrangência espacial. É um instrumento
impressionante para políticas públicas. Importante ontem e hoje, inclusive na
tomada de decisão do governo. O Prodes existia antes de eu ingressar na área.
Colaborei para fazer a transição do Prodes analógico, no papel, para o Prodes
digital.
Os responsáveis
anteriores tinham interesse em fazer essa transição, não possuíam ainda os
instrumentos necessários. Na minha concepção, o INPE desempenha um papel
fundamental de ponte entre a produção da informação e os que efetivamente vão
atuar, a exemplo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e de outros
órgãos que atuam no campo. O fato de ter passado pelo MMA ajudou nessa relação
com o Ibama e na afirmação dessa credibilidade do Instituto.
O INPE possui
uma credibilidade nacional e internacional muito grande. É tão impressionante
que, se o nome do INPE não aparece em determinados documentos ou projetos,
questionam o porquê de o instituto não estar participando. É uma marca de
respeito e de credibilidade, muito importante de se manter. Não existe no mundo
país que tenha disponibilizado todos os dados de questões tão sensíveis quanto
o desmatamento da Amazônia como faz o Brasil.
Estamos nos
aproximando de uma fase em que o Prodes possa passar a existir para os demais
biomas. Este ano será muito relevante para isso, especialmente no que diz
respeito ao Cerrado. Um bioma de enorme importância, em sua biodiversidade, na
emissão de gases, na compensação nesse sentido etc. E acredito que teremos
avanços muito relevantes neste ano para isso, já relacionados à COP-21 e às
metas do Brasil para 2030.
Fonte: Jornal do SindCT -
Edição 44ª - janeiro de 2016
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