Novo Marco Legal de C&T Amplia Privatização e Expõe Servidores
Olá leitor!
Segue abaixo uma matéria publicada na edição de nº 44
de janeiro de 2016 do “Jornal do SindCT”, destacando que o Novo Marco Legal
de C&T amplia privatização e expõe servidores.
Duda Falcão
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Novo Marco Legal de C&T Amplia
Privatização e Expõe Servidores
Lobby da SBPC foi vitorioso
Antonio Biondi
Jornal do SindCT
Janeiro de 2016
Sancionada por
Dilma em 11/1/16, a lei 13.243 permite que “fundações de apoio”, “Organizações
Sociais” e empresas se apoderem de institutos públicos de pesquisa e
universidades federais e coloquem os servidores públicos a serviço de
interesses privados. Desde 11 de janeiro, o Brasil passou a contar com um novo
marco legal de Ciência, Tecnologia e Inovação: a lei 13.243/2016, sancionada
naquela data pela presidenta Dilma Rousseff.
A nova
legislação para o setor, que tramitou e foi aprovada no Congresso Nacional sob
a designação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) 77/2015, atende aos desejos dos
lobbies que atuam pela privatização do setor de C&T, representados por
entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a
Associação Brasileira de Ciências (ABC), fundações privadas ditas “de apoio” e
“Organizações Sociais” (OS).
Ao sancionar a
lei, Dilma ignorou o apelo em sentido contrário feito por dezenas de sindicatos
de pesquisadores científicos, professores universitários e outros grupos,
contido em carta protocolada em 28/12/2015 no Gabinete Regional da Presidência
da República de São Paulo.
Na carta, as
entidades signatárias afirmavam considerar o então PLC 77/2015 “um grave
retrocesso que poderá gerar efeitos avassaladores para a pesquisa pública
brasileira” e, após exposição de motivos, pediam à presidenta da República que
o vetasse na íntegra. “A nova lei é um descalabro”, resume Gino Genaro,
secretário de comunicação e cultura do SindCT.
“Do começo ao
fim, a lei mistura público e privado, seja por meio da possibilidade de
servidores públicos virem a atuar de forma remunerada na iniciativa privada,
seja pela cessão de infraestrutura das ICTs públicas a entes privados”, explica
o dirigente. A lei 13.243/16 altera dispositivos de nove leis federais, nos
termos da Emenda Constitucional 85/2015. Tal como a lei 10.973/2004, ela define
universidades, órgãos e institutos públicos de pesquisa como “Instituições
Científicas, Tecnológicas e de Inovação” (ICT), portanto já introduzindo nesta
designação um termo de natureza empresarial e mercantil (“inovação”), ao mesmo
tempo em que sujeita tais organismos públicos a ceder infraestrutura e recursos
humanos a empresas, organizações e projetos privados.
Ela permite que
a União, os Estados, o Distrito Federal (DF), os Municípios, as respectivas
agências de fomento e as ICTs cedam “o uso de imóveis para a instalação e a
consolidação de ambientes promotores da inovação, diretamente às empresas e às
ICTs interessadas ou por meio de entidade com ou sem fins lucrativos que tenha
por missão institucional a gestão de parques e polos tecnológicos e de
incubadora de empresas, mediante contrapartida obrigatória, financeira ou não
financeira, na forma de regulamento” (nova redação da lei 10.973/2004: inciso I
do § 2º do artigo “3º-B”, no artigo 2º da lei 13.243/16; destaques nossos).
Mais ainda:
União, Estados, DF, Municípios, ICTs e agências de fomento “promoverão e
incentivarão a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços e processos
inovadores em empresas brasileiras e em entidades brasileiras de direito
privado sem fins lucrativos, mediante a concessão de recursos financeiros,
humanos, materiais ou de infraestrutura a serem ajustados em instrumentos
específicos e destinados a apoiar atividades de pesquisa, desenvolvimento e
inovação, para atender às prioridades das políticas industrial e tecnológica
nacional” (conforme o “Art. 19” do artigo 2º da lei 13.243/16; destaques
nossos).
“Viés Privado”
Joaquim Adelino
de Azevedo Filho, presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do
Estado de São Paulo (APqC), considera que o novo marco vai reduzir ainda mais
os recursos públicos para o desenvolvimento de pesquisas com caráter público no
Brasil. A APqC é uma das muitas entidades signatárias da carta encaminhada, em
vão, à presidenta Dilma.
Ele acredita que
a criação de “OS” irá se acentuar (bem como o repasse da gestão de órgãos
públicos para essas instituições), o que ampliará a competição privada pelos
recursos públicos. “Utilizarão recursos públicos e a estrutura pública, mas com
viés privado”.
A empresa
interessada na pesquisa poderá até investir algum recurso, “mas o fruto desse
produto vai ser explorado só por essa empresa, e não por todos”. O pesquisador
receia que, dessa forma, “os conhecimentos públicos passem a ser apropriados
por alguns entes privados”.
O temor do
presidente da APqC não é infundado. Basta ler algumas passagens da nova lei
para entender isso. Como boa parte da lei 13.243/16 se compõe de mudanças na
lei 10.973/2004, o “artigo 2º”, inciso XIV desta última passa a definir a
expressão “capital intelectual” como “conhecimento acumulado pelo pessoal da
organização, passível de aplicação em projetos de pesquisa, desenvolvimento e
inovação”; e o inciso III do “artigo 4º” passa a ter a seguinte redação:
“permitir o uso de seu [da ICT pública] capital intelectual em projetos de
pesquisa, desenvolvimento e inovação” (destaques nossos).
Desse modo, a
nova legislação, de modo escandaloso, coloca à disposição de grupos privados —
sejam eles “Organizações Sociais”, fundações ditas “de apoio” ou empresas — o
quadro permanente de funcionários públicos do setor de C&T.
Por um lado,
permite que complementem seus salários através dessa atuação. Por outro lado,
porém, os obriga a atender esse tipo de demanda, como se pode comprovar pela
leitura da nova redação da lei 10.973/2004, §6º do “Artigo 6º”, como disposto
no artigo 2º da lei 13.243/16 (destaques nossos): “Art. 6º É facultado à ICT
pública celebrar contrato de transferência de tecnologia e de licenciamento
para outorga de direito de uso ou de exploração de criação por ela desenvolvida
isoladamente ou por meio de parceria. [...] § 6º Celebrado o contrato de que
trata o caput, dirigentes, criadores ou quaisquer outros servidores, empregados
ou prestadores de serviços são obrigados a repassar os conhecimentos e
informações necessários à sua efetivação, sob pena de responsabilização
administrativa, civil e penal [...].”
Portanto, mesmo
que um determinado servidor público se recuse a “vender seu passe” para os
interesses privados, poderá ser obrigado pela direção de sua respectiva ICT a
“repassar os conhecimentos e informações” relativos a contrato de transferência
de tecnologia celebrado com uma organização privada, e caso não o faça poderá
sofrer processo administrativo, cível ou criminal!
“Eu trabalho
pela sociedade, mas o governo está me empurrando para trabalhar pelo interesse
privado: não me dá nem o aumento nem o valor justo pelo meu trabalho, e me
incentiva a fazer essa migração”, sintetiza Azevedo Filho. No seu entender,
haverá uma tendência de mudança de linha nas pesquisas, e a sociedade deixará
de ter acesso a determinadas pesquisas antes existentes.
“Algumas áreas
terão ingresso adicional de recursos, outras não. Isso vai criar uma diferença
dentre os trabalhadores públicos e entre as linhas de pesquisa”. Com o tempo, o
país tenderá a desenvolver principalmente projetos que possuam interesse
financeiro. “O que diz respeito ao interesse social vai ficar em segundo
plano”. Genaro, do SindCT, faz avaliação idêntica.
O que orienta a
maior parte das instituições públicas hoje, na escolha das linhas de pesquisa,
diz ele, é principalmente o interesse da sociedade — e não se vão gerar lucros.
Agora, a partir do momento em que grupos de pesquisadores tendentes a uma
aproximação com o “mercado” identificarem chances de ganho pecuniário em
determinados projetos, isso vai promover mudanças nessas escolhas. “Não tenho
dúvidas.
É claro como a
luz do dia”, afirma. É o que já acontece nas universidades públicas federais e
nas estaduais de São Paulo, por meio das fundações privadas “de apoio”.
Mercantilização
O professor
Giovanni Frizzo, diretor do Sindicato Nacional dos Docentes nas Instituições de
Ensino Superior (Andes- -SN), avalia que, com o novo marco legal, “os
interesses privados de mercado é que vão determinar o que será produzido de
ciência, tecnologia e inovação” nas instituições públicas.
Frizzo destaca
que a legislação cria uma série de possibilidades de abertura das universidades
e instituições públicas de ciência e de pesquisa à iniciativa privada,
inserindo-se “no bojo da política do governo federal de mercantilização da
educação e da pesquisa no país”.
O professor
destaca que, desde o início da tramitação, o Andes-SN fez denúncias e
questionamentos em relação ao projeto de lei, mas ele acabou sendo aprovado
graças, sobretudo, à pressão exercida pela SBPC e ABC. Opinião que coincide com
a de Genaro, para quem tais entidades assumiram “caráter totalmente liberal e
privatista nas últimas gestões”.
Se dependesse
somente delas, acrescentou, “todos os órgãos públicos de pesquisa no Brasil
seriam transformados em OS”. Após a cerimônia de assinatura do projeto, a
presidente da SBPC, Helena Nader, afirmou que o novo marco “é o início de uma
nova fase para a pesquisa e inovação tecnológica no Brasil”. Frizzo aponta
outro aspecto fundamental do novo marco, que é o de destacar em vários
dispositivos a perspectiva da inovação.
“Trata-se de
algo que coloca o país em uma escala mundial de produção de inovação, e não
ciência e tecnologia na forma autônoma e necessária”, avalia. A inovação a ser
buscada é pré- -determinada em âmbito mundial, o que subordina os interesses
nacionais a uma agenda ditada no exterior, pelos países hegemônicos.
Além disso,
possíveis contratos firmados entre as instituições públicas e a iniciativa
privada, com vistas à utilização das universidades por interesses particulares,
poderão ter graves consequências: “Resultado disso é que o conhecimento ali
produzido deixa de ser público, inclusive com a iniciativa privada patenteando
esse conhecimento em seu nome”.
Preocupação
Um ponto visto
com especial preocupação pelo dirigente do Andes- -SN é o fato de que a nova
legislação impacta a própria carreira docente.
“Por exemplo, as
empresas podem pagar bolsas aos docentes, por diversos mecanismos”, observa. O
aumento da carga horária máxima destinada a “pesquisa, extensão e inovação” (ou
seja: atividades privadas remuneradas) é outra grande mudança, passando de 120
horas/ano para 416 horas/ano. Além disso, tanto as fundações privadas “de
apoio” como as ICTs poderão remunerar seus dirigentes, mesmo que sejam
professores em regime de dedicação exclusiva.
São medidas que
minam o setor público, em benefício exclusivamente de grupos privados. Genaro,
por sua vez, explica que o pesquisador dos institutos públicos poderá até
dedicar integralmente suas 40 horas de jornada semanal para o setor privado,
cabendo ao órgão liberá-lo ou não para a empreitada. “Para isso, basta que o
dirigente máximo da instituição cedente entenda que tal cessão é de interesse
da Administração.
O problema é
que, como esta decisão muitas vezes é um ato discricionário do dirigente, ele
poderá, de acordo com suas conveniências, favorecer alguns setores e ou
servidores em detrimento de outros. Isso pode levar a disputas internas por
projetos que rendam pagamento de maiores pró-labores, bem como ao esvaziamento
de setores inteiros pelo afastamento de servidores para atuarem na iniciativa
privada”, adverte.
Admitindo-se que
o desenvolvimento da ciência e tecnologia se dá hoje em um mundo capitalista,
não se pode ignorar que ocorram pesquisas voltadas para o lucro. “Mas é preciso
separar a criação de uma patente, a criação de algo inovador buscando o lucro,
do desenvolvimento de algo que o país necessita, da ciência básica”, comenta o
diretor do SindCT.
Os defensores do
novo marco legal sustentam que ele foi bem debatido, mas são contestados.
Frizzo afirma que nunca houve consenso real em torno do então PLC 77/15, de
forma que o Andes-SN desde o início posicionou-se contra o projeto. Para ele, a
disputa de fundo gira em torno do projeto de educação e de sociedade desejados.
A lei 13.243/16 reflete, assim, “uma visão empresarial que almeja a captação de
recursos por qualquer via: a ‘solução’ diante da escassez de recursos é a da
captação por qualquer mecanismo para assegurar os recursos de que a
universidade precisa”.
Azevedo Filho
ressalta que a proposta não foi discutida nas instituições de pesquisa
paulistas (entre as quais se incluem o Instituto Agronômico de Campinas,
Instituto Pasteur, Instituto Florestal, Instituto de Tecnologia de Alimentos
etc.): “Fomos pegos de surpresa.
Quando vimos o
projeto já estava indo para o Senado”, denuncia. “A SBPC diz que houve um amplo
debate, mas isso se deu internamente, atendendo a interesse de pessoas da
instituição”. A APqC irá acompanhar e estudar como o marco legal será
implementado: “Há pontos que poderão nos levar a questionar a
constitucionalidade e a legalidade da norma”.
Fonte: Jornal do SindCT -
Edição 44ª - janeiro de 2016
Comentário: Independente das alegações aqui apresentadas nesta matéria serem verdadeiras ou não, primeiramente os servidores precisam entender definitivamente que eles estão a serviço da
Nação, ponto, e não a serviço deles. Se não aceitam isto, não devem trabalhar
para o Governo. Trabalham por escolha própria no setor público, e portanto, tem
de se sujeitarem as regras do regime público. No entanto, é preciso também
observar de que nem sempre essas regras são como deveriam ser, devido à
estupidez, ma vontade e incompetência gerencial e por decisões estapafúrdias estabelecidas
pelas chamadas otoridades (de merda), o que só faz gerar distorções cada vez
maiores, distorções estas que nos levou ao atual estado de coisas. Não se discute a necessidade
de um Marco Legal para a Ciência e Tecnologia no país, mas este Marco tem de
partir do ponto de ser exclusivamente benéfico aos interesses da nação, e não
dos interesses de grupos políticos, científicos, privados ou sindicais. Todos
vocês estão a serviço do Brasil e são pagos pelo povo brasileiro, então se orientem,
fazendo cada um a sua parte. O problema é que ninguém faz e todos lutam pelo mesmo bolo sempre tentando levar vantagem. Tá ai um grande exemplo da falta de cidadania que tanto falamos aqui no Blog. Direitos todos querem, e os
deveres, onde ficam?
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