Por Que a Ciência Deve Ser Internacionalizada?

Olá leitor!

Segue abaixo mais um interessante artigo do Sr. José Monserrat Filho postada hoje (01/02) pelo companheiro André Mileski em seu Blog “Panorama Espacial”.

Duda Falcão

Por Que a Ciência Deve Ser Internacionalizada?

“Não apenas cada parte do mundo faz cada vez mais parte do mundo,
mas o mundo como um todo está cada vez mais presente em cada uma
de suas partes.” Edgar Morin (1921) e Anne Brigitte Kern, em “Terra Pátria”, 2011.1

José Monserrat Filho*

A ciência precisa ser cada vez mais internacionalizada, acima de tudo, porque o planeta Terra está ameaçado de um colapso sem precedentes, como efeito de razões naturais e provocadas pela ação de seus próprios habitantes, especialmente da parte mais influente deles. É uma “poli crise” que explode em epidemias, crise hídrica, poluição dos rios e mares, destruição das florestas, insegurança alimentar, má nutrição e fome. Para enfrentar o crescente perigo, são imprescindíveis decisões e ações políticas baseadas no conhecimento científico profundo de suas múltiplas causas e de sua inusitada complexidade. Sem demagogias, oportunismos, favoritismos de grupos.

O Relógio do Apocalipse (Doomsday Clock), criado em 1947 – há 69 anos, portanto – pelo Boletim dos Cientistas Atômicos (Bulletin of the Atomic Scientists2), continua marcando três minutos para a meia-noite, quando teria início o grande e inapelável desastre. A resolução de manter o ponteiro nessa posição foi tomada, em 21 de janeiro de 2016, pelo Conselho de Segurança e Ciência do Boletim, composto por cientistas de renome mundial, como o físico Stefhen Hawking (1942-), inclusive vencedores do Prêmio Nobel. Eles reconheceram os avanços representados pelo acordo nuclear com o Irã e o Acordo de Paris sobre o Clima, mas preferiram reiterar a resolução adotada em 14 de janeiro de 2015, por entenderem que as mudanças climáticas e a modernização dos armas nucleares, da qual o teste da Coreia do Norte é apenas uma pálida amostra, seguem sendo o prelúdio de uma catástrofe de consequências incalculáveis.

A ciência está no olho do furacão global, como fator chave para impedir o pior dos males. E os cientistas do mundo inteiro se defrontam com sua maior responsabilidade internacional.

Isso nos leva à necessidade do “Engajamento da ciência global” (Global science engagement3), aliás, título do editorial da revista Science, de 29 de janeiro de 2016, escrito por Geraldine Richmond (1953-), professora de Química e Física da Universidade de Oregon, EUA, e presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS4, na sigla em inglês).

O pano de fundo é a Reunião Anual da AAAS, a ser realizada agora em fevereiro, entre os dias 11 e 15, em Washington, na qual “líderes mundiais discutirão a segurança alimentar e outros grandes desafios que temos pela frente tanto na ciência como na política internacional”, frisa o editorial. E salienta que “garantir um mundo sustentável ante as mudanças climáticas e a população mundial de nove bilhões demanda grande transformação no modo como as nações buscam formas engenhosas de coexistir com as necessidades de constante expansão em energia, alimentos, água e ambiente saudável – situações complexas e interligadas”.

Daí que “as soluções exigem parcerias internacionais em pesquisas científicas e políticas inovadoras, que incluam talentos e perspectivas dos mundos desenvolvido e em desenvolvimento”. A reunião planeja ouvir “as mais recentes abordagens e o pensamento criativo de todo o mundo”.

O editorial reconhece: “Em meio a restrições orçamentárias e às visões isolacionistas de hoje”, autoridades e políticos, inclusive nos EUA, “podem considerar as iniciativas internacionais menos importantes que as nacionais.” Mas, acrescenta: “Esse isolamento da pesquisa não é uma atitude sábia”. E cita como exemplo a segurança hídrica nos EUA: o país “gasta bilhões de dólares para gerar água potável e acaba usando cerca de 90% dela no vaso sanitário ou na drenagem. Em suma: “Colaborações internacionais em pesquisa podem economizar dinheiro a longo prazo.”

Para o editorial, há muito a aprender com a Namíbia e Cingapura. O primeiro é o país mais árido do sul da África e seu povo bebe água reciclada desde 1969, sem danos à saúde. O segundo tem um mini território sem aquíferos naturais. “Para resolver os complexos problemas globais” – adverte –, “a força de trabalho técnico no mundo deve incluir países de diferentes níveis econômicos. Nenhum setor pode ser ignorado ou esquecido na busca de talentos, pois a diversidade de opiniões, ideias e experiências é o que move a criatividade e a inovação”.

“Não podemos mais suportar a perda de jovens mulheres talentosas do mundo inteiro”, diz Geraldine Richmond. Elas “eram estrelas da ciência em sua escolarização precoce e no curso secundário, mas mais tarde se perderam (...) em vista de fatores que não estão fora de controle, mas exigem forte compromisso global para serem resolvidos”.

Conta Geraldine: “No meu trabalho com os países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, continuo a ficar impressionada com o talento e a criatividade dos cientistas de lá: homens e mulheres, aptos e deficientes, jovens e velhos. Precisamos das suas ideias e perspectivas, tanto quanto as dos países com infraestruturas de ciência e  tecnologia avançadas.”

Ocorre, explica ela, que a capacidade desses países de se conectar com cientistas da pesquisa mais avançada “é repleta de dificuldades, inclusive preconceitos culturais internacionais que também lhes impedem de ter acesso ou publicar em revistas respeitadas”.

Geraldine, ao mesmo tempo, lembra-se de cientistas e engenheiros dos EUA, sobretudo os mais jovens, ansiosos por se comprometerem com a pesquisa global, mas que não sabem como contatar parceiros potenciais no mundo em desenvolvimento. “Eu aplaudo as organizações que têm um histórico de sucessos na tarefa de facilitar tais ligações”, ela faz questão de ressaltar.

“A AAAS tem longa trajetória de atividades engajadas globalmente, da mesma forma que outras sociedades científicas”, diz Geraldine, comedida. “Mas todos nós podemos fazer mais para estimular a rede internacional de pesquisa, as colaborações e o acesso diário”, enfatiza.

Ela almeja que os países se comprometam em fortalecer tais contatos entre os cientistas, tanto na Reunião Anual da AAAS, como em outros eventos similares. “É um imperativo para a sustentabilidade do planeta e para os bebês desnutridos do Laos Rural [onde mais de 50% dos recém-nascidos estarão atrofiados em 2 anos por causa da desnutrição crônica] e de todo o mundo; [nos EUA, em 2010, a desnutrição afetava de 8 a 9% dos bebês inscritos em programas federais de alimentos subsidiados]. Não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar ou perder essas vidas.”

Ronald Shellard, novo diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), ao assumir o cargo em 27 de janeiro de 2016, defendeu um “programa agressivo” de atração de pesquisadores estrangeiros para os programas científicos da instituição. E afirmou que seu maior desafio será a internacionalização do CBPF e o desenvolvimento de uma interação mais estreita com instituições internacionais, como o Centro Latino-americano de Física (CLAF).

Shellard disse também que há um elemento, às vezes pouco percebido, mas que é parte essencial da definição do CBPF: “É a rede invisível que nos conecta com essa comunidade internacional de físicos e que nos torna um instrumento de política de Estado.” Essa rede – acrescentou – nos permite acesso a tecnologias, a conhecimentos essenciais na construção de nações. Lembro que durante a Guerra Fria, um dos canais mais importantes de comunicação entre as potências em conflito, foram o Fermilab5, nos EUA, e o CERN6, na Europa.” Ele considera o CLAF, com sede no CBPF, “um cimento das relações nesta parte do mundo”.

“Os experimentos científicos envolvem a colaboração de grupos vastamente diferentes, vindos de culturas diversas e em distintos estágios de evolução, todos contribuindo efetivamente para o sucesso do trabalho. Vistos de fora, podem parecer anárquicos, um bazar, porém são altamente eficientes e bem-sucedidos e podem ser modelos para a colaboração necessária, na abordagem dos grandes problemas que a humanidade enfrenta”, observou o novo titular do CBPF.

Ele frisou que os cientistas formados pelo CBPF estão distribuídos por todo país, pela América Latina e no Hemisfério Norte. Mas, alertou, “para nós isso ainda não é suficiente. Temos como objetivo, e estamos trabalhando para nos colocar entre as melhores instituições do mundo, na pesquisa e na formação de novos pesquisadores”.

Dizendo ser “um bom tempo para se preparar para o futuro”, Shellard anunciou que o CBPF deve preparar “estudo prospectivo sobre a Física necessária para 2022”, ano do bicentenário da  independência do Brasil, com o apoio da Sociedade Brasileira de Física (SBF)7 e do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE)8, aproveitando ensaios feitos no passado. A seu ver, poderão ser incluídos no programa outros estudos prospectivos, que abordem grandes temas nacionais e internacionais, como as mudanças climáticas ou a estrutura das megametrópoles, usando para tanto a própria experiência do CBPF em montar e executar experimentos complexos.

Relevantes eventos internacionais também estão na mira do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA)9, revela seu novo diretor, Marcelo Viana: a Olimpíada Internacional de Matemática, em 2017, espécie de Copa do Mundo da matéria; e o Congresso Internacional de Matemática, em 2018, com cerca de cinco mil participantes de 120 países.10 A Câmara de Deputados já aprovou o projeto de promover em 2017-2018 o Biênio da Matemática no Brasil. O Congresso Nacional deve aprová-lo este ano. O IMPA goza de prestígio internacional pela alta qualidade de seus pesquisadores. Um deles, Artur Ávila, ganhou, em 2010, a Medalha Fields, a maior láurea mundial do setor, tida como o Prêmio Nobel dos matemáticos.

Nas altas esferas da excelência científica, vamos bem, obrigado. Falta crescer ainda mais na arena das estratégias internacionais da ciência e na conquista da cidadania, do povão dentro de casa.

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.

Referências

1) Morin, Edgar, e Kern, Anne Brigitte, Terra Pátria, S. Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 34-35.
4) http://www.aaas.org/. A AAAS foi fundada em 20 de setembro de 1948, na Pensilvânia.
5) http://www.fnal.gov/. Fermilab é o Femi National Accelerator Laboraatory.
6) http://home.cern/. CERN é a Oganização Europeia Para a Pesquisa Nuclear.


Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/

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