Luxemburgo Entra na “Corrida do Ouro” Espacial
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo do Sr. José Monserrat Filho
postada dia (09/02) pelo companheiro André Mileski em seu "Blog Panorama
Espacial".
Duda Falcão
Luxemburgo Entra na
“Corrida do Ouro” Espacial
“A Esperança não murcha, ela não cansa...”
Augusto dos Anjos (1884-1914), poeta brasileiro¹
José Monserrat Filho *
Luxemburgo, ou Grão-Ducado
do Luxemburgo, criado em 1815 pelo
Congresso de Viena, que reuniu as grandes potências europeias da época, é um
pequeno Estado soberano, situado entre a Alemanha, Bélgica e França, com cerca
de 550 mil habitantes e área de 2.586 km² – duas vezes a do município do Rio de
Janeiro. Línguas oficiais: alemão, francês e luxemburguês, mas o inglês, claro,
é decisivo. Um grão-duque é o chefe de Estado e um primeiro ministro eleito
pelo Parlamento chefia o Governo. É o único grão-ducado que existe, país
desenvolvido, com um dos maiores PIB per capita do mundo: cerca de 80 mil
dólares americanos. Produz ferro, aço, equipamentos de telecomunicações e
informática, borracha e produtos químicos, além de outros. E tem uma bem
estabelecida indústria de satélites.²
Agora, Luxemburgo torna-se o
primeiro país a seguir o exemplo dos Estados Unidos, criando uma lei nacional para minerar asteroides, ou
seja, para aplicá-la longe da própria jurisdição, num meio que não lhe pertence
e onde não pode exercer sua soberania. Em 3 de fevereiro, o governo
luxemburguês anunciou: o país assume posição pioneira (na Europa) “no negócio
potencialmente lucrativo” de extrair em corpos celestes metais preciosos – como
ouro, platina e tungstênio – e trazê-los para vender aqui no mercado
terrestre.³
Para isso, como parte da
iniciativa , criará um marco jurídico para fundamentar a exploração de recursos “além da
atmosfera da Terra”. Os minerais serão extraídos de “Objetos Próximos da Terra”
(Near Earth Objects – NEO), como os asteroides. O marco jurídico deverá
“garantir que os operadores privados que lidam com o espaço possam estar
seguros de seus direitos sobre os recursos que extraírem, isto é, os minerais
raros de asteroides”. Ao mesmo tempo, o governo luxemburguês assegura que
“o marco jurídico será elaborado levando em plena consideração o direito
internacional” e declara estar “ansioso para se envolver com outros países,
nesta matéria, num quadro multilateral.”4
Será que o direito privado
nacional de extrair minerais de asteroides se coaduna com o direito
internacional? Juristas de renome5 – como
Ram Jakhu, do Instituto de Direito Aeronáutico e Espacial da Universidade
McGill, em Montreal, Canadá, e Gbenga Oduntan, especialista em direito
internacional comercial e professor da Universidade de Kent, Reino Unido – têm
sérias dúvidas a respeito. Eles analisam a questão à luz do Tratado do Espaço6,
de 1967, o código maior das atividades espaciais, ratificado por 103 países -
inclusive todas as potências espaciais – e considerado costume para os demais
países, que nunca lhe manifestaram qualquer restrição.
Pelo tratado (art. 1º), a
exploração e o uso do espaço e dos corpos celestes (inclusive os asteroides)
“devem ter em mira o bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento
econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade”. É a chamada
“cláusula do bem comum”. A expressão “incumbência de toda a humanidade” fica
assim em importantes idiomas: “province of mankind”, em inglês; “l'apanage de
l'humanité tout entière”, em francês; “incumben a toda la humanidad”, em
espanhol; “dostaianie vsevo tchelatchesteva”, em russo – literalmente, “bem
público de toda a humanidade”. Daí que, também pelo Tratado (art. 2º), o espaço
e os corpos celestes não podem ser “objeto de apropriação nacional por
proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”.
“Nosso objetivo é abrir
acesso à riqueza dos recursos minerais
previamente inexplorados de rochas sem vida que se lançam pelo espaço, sem
danificar seu habitat natural”, disse Etienne Schneider (1971-)7, que ocupa
quatro cargos no governo: de vice-primeiro ministro, ministro da Economia de
Luxemburgo, ministro da Segurança Interna e ministro da Defesa. Por que chamar os
asteroides de “rochas sem vida”? Acaso isso reduz seu peso como bem comum da
humanidade? Como operar uma indústria extrativa num deles “sem danificar seu
habitat natural”? Pago para ver.
“Apoiaremos o
desenvolvimento econômico a longo prazo de novas e inovadoras atividades
espaciais e as indústrias de satélites
como setor chave de alta tecnologia para Luxemburgo”, acrescentou Etienne
Schneider. Tudo bem, nada a opor, desde que as novas atividades e indústrias
espaciais estejam comprometidas – de forma planejada e concreta, e não apenas
em palavras – com “o bem e o interesse de todos os países”, conforme “a
cláusula do bem comum”, juridicamente indispensável em qualquer programa
espacial. A menos que se derrogue esse princípio, através de novo acordo das Nações
Unidas que extinga e substitua o Tratado do Espaço. Não é exatamente assim que
funciona o direito internacional contemporâneo, reconhecido por todos ou pela
maioria esmagadora dos países?
O Acordo da Lua8 (art. 11, §
5) já propõe uma forma de promover o bem e o interesse de todos os países na explotação dos recursos naturais da Lua e outros corpos
celestes, que incluem os asteroides. É a criação de um regime internacional ou
de uma autoridade internacional (como já se instituiu no caso das riquezas dos
fundos marinhos), com a participação de todos os Estados e grupos
privados interessados, “para regular a explotação dos recursos naturais da Lua
[que no acordo representa todos os demais corpos celestes], quando essa
explotação estiver a ponto de tornar-se possível”.
Tal regime teria como
objetivos: “a) Assegurar o aproveitamento
ordenado e seguro dos recursos naturais da Lua; b) Assegurar a gestão racional
destes recursos; c) Ampliar as oportunidades de uso destes recursos; e d)
Promover a participação equitativa de todos os Estados Partes nos benefícios
auferidos de tais recursos, tendo especial consideração para os interesses e
necessidades dos países em desenvolvimento, bem como para os esforços dos
Estados que contribuíram, direta ou indiretamente, na exploração da Lua.” O
regime internacional pode ser discutido e configurado de outra maneira. Mas o
importante é manter o princípio de beneficiar toda a comunidade de países, bem
como as empresas envolvidas. Caso contrário, a mineração espacial – cujos
ganhos financeiros estão estimados em trilhões de dólares – favorecerá
diretamente só as corporações privadas, ampliando ainda mais as já imensas
desigualdades entre pessoas, países e empresas.
As empresas americanas Deep
Space Industries9 e Planetary Resources10,
que apostam pesadamente no que consideram “o futuro mercado de metais trazidos
do espaço”, saudaram a iniciativa de Luxemburgo e até se apresentaram como
“parceiros potenciais”. A NASA identificou cerca de 1.500 asteroides11 como
facilmente acessíveis. Sondas minúsculas podem ser mobilizadas para procurar
minérios de ferro, metais de terras raras e silicatos. Elas também podem
localizar água, usualmente abundante nos asteroides, decompondo-a em oxigênio e
hidrogênio, usados como combustível de satélites e foguetes. Para a Deep Space
Industries, essa cadeia tem quatro etapas: prospecção, colheita, processamento
e fabricação do produto. Sem falar na quinta etapa, a venda, essencial ao
sucesso de qualquer empreendimento comercial.
“A humanidade está hoje às
vésperas de se expandir pelo sistema solar e além. O uso dos recursos que lá encontrarmos será essencial,
não apenas para nossa expansão pelo espaço, mas também para assegurar a
prosperidade contínua aqui na Terra”, declarou Simon P. Worden¹², presidente da
Fundação Prêmio Rompendo Fronteiras (Breakthrough Prize Foundation)13 As
palavras de Worden parecem corretas. Os recursos naturais dos corpos celestes
poderão ser, de fato, essenciais à expansão das atividades espaciais e à
prosperidade na Terra.
Mas, no caso, há uma
pergunta que não vai calar tão cedo: expansão no espaço e prosperidade na Terra
para quem, cara pálida?
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria
Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da
Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Primeiro verso do poema
intitulado “Esperança”.
4) Luxembourg to launch framework to support the future use of space
resources: http://www.gouvernement.lu/5653386.
5) U.S. Space Mining Law Is Potentially Dangerous And Illegal: How
Asteroid Mining Act May Violate International Treaty, article by Katrina
Pascual, Tech Times, 28 11 2015; http://www. techtimes.com/articles/111534/20151128/u-s-space-mining-law-is-potentially-dangerous-and-illegal-how-asteroid-mining-act-may-violate-international-treaty.htm.
6) www.sbda.org.br; ver seção
de textos.
8) www.sbda.org.br>. Ver
seção de textos.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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