Falta Segurança em Sistemas Embarcados, Afirma Consultor

Olá leitor!

Segue uma interessante entrevista postada dia (25/05) no site “http://computerworld.uol.com.br” com um dos maiores especialistas do mundo na área de “Sistemas Embarcados”, sistemas esses que no setor espacial são usados em satélites e foguetes.

Duda Falcão

TECNOLOGIA

Falta Segurança em Sistemas
Embarcados, Afirma Consultor

Um dos maiores especialistas da área, o engenheiro
Jack Ganssle afirma, em visita a SP, que fabricantes de
eletrônicos ignoram os perigos de um mundo conectado

Por Robinson dos Santos,
para o Computerworld
25 de maio de 2011 - 16h30

Os sistemas embarcados – soluções de hardware e software que executam funções específicas – podem não ser tão visíveis como os PCs e laptops, mas consomem 98% dos processadores vendidos no mundo todo ano. Tido como um dos maiores especialistas do setor e autor de seis livros sobre o tema, o engenheiro e consultor americano Jack Ganssle, diretor do Ganssle Group, veio a São Paulo esta semana na condição de keynote speaker da edição brasileira da Embedded Systems Conference – ESC Brazil 2011. Logo após sua apresentação na manhã desta quarta-feira (25/5), Ganssle falou à Computerworld Brasil sobre seu envolvimento com a agência espacial americana NASA, as oportunidades de mercado e como os sistemas embarcados serão decisivos num futuro próximo.

Computerworld Brasil - O que despertou sua paixão por sistemas embarcados?

Jack Ganssle - Começou na escola primária. Meu pai era engenheiro mecânico. Ele era muito bom e me apoiou em todos os meus interesses. Ele comprou para mim um rádio de galena quando eu tinha 10 anos. Depois disso, eu fiquei muito interessado em eletrônica. No Ensino Médio, fiquei muito mais envolvido. Consegui um rádio amador. Meu pai me trazia componentes e eu construí um laboratório no meu porão. Quando tinha 16, consegui um emprego de meio período como técnico em eletrônica. Daí fui à faculdade e me tornei engenheiro eletrônico. Essa tem sido minha paixão por toda minha vida.

CWB – Esse interesse o levou a participar de um grupo especial de pesquisa da NASA...

JG - Eu trabalhei com a NASA em diversas atividades ao longo dos anos. Depois que o ônibus espacial Columbia teve aquela falha [foi destruído num acidente em 2003], eles perceberam que não tinham, dentro de casa, toda a especialização de que precisavam. Então eles formaram o que chamaram de Super Problem Resolution Team – sim, é um nome meio bobo - , mas eles convidaram pessoas da indústria para aconselhar sobre as direções que eles deveriam tomar no futuro. Um desses grupos era de software; foi nele que me engajei. Foi muito interessante porque nós víamos de perto o que a NASA estava fazendo e fizemos algumas recomendações para mudanças. Não estou certo de que as tenham seguido.

CWB - Que tipo de desafios eram apresentados pela NASA?

JG - A NASA não é muito boa em aprender com seus erros. O que acontece é que eles costumam repetir os mesmos tipos de erros com freqüência. Por exemplo, quando olhamos para as falhas nas naves espaciais, algumas das quais são bastante dispendiosas, dissemos “ei, vocês cometeram os mesmos erros nesse, nesse e nesse sistema, e vocês precisam conciliar suas normas toda vez que projetar uma nova nave para que esses problemas não ocorram de novo. Não sei se chegaram a acatar [os conselhos]. É difícil mudar uma organização.

Eu também trabalhei com eles em 1986, depois do acidente com a Challenger. Eles precisavam de pequenos submarinos para procurar por destroços submersos. Eles não conseguiam fazê-los funcionar direito sob a água por causa dos sinais acústicos (“pings”) que utilizavam para navegação, porque eles também acabavam por localizarem-se uns aos outros. Então em desenvolvi um novo sistema de navegação com novos algoritmos, um novo “pinger” para que eles pudessem operar em conjunto e procurar por destroços.

CWB - Quantos pedaços da Challenger foram encontrados?

JG - Não sei exatamente, mas foram da ordem de centenas de milhares. Foi impressionante. Eles puderam recuperar pedacinhos de metal retorcido e descobrir onde se encaixavam. E foi muito importante terem reconstruído a nave. Eles mudaram muitas coisas – os vôos foram suspensos por dois anos, e eles usaram esse tempo para consertar vários itens. Acidentes são tragédias terríveis, mas quando você usa o acidente para aprender e melhorar a próxima versão, pelo menos você tira algo positivo dessa experiência.

CWB - Nós vemos várias aplicações de sistemas embarcados, na Terra mesmo, e algumas são tão críticas quanto as que funcionam no espaço. Como a indústria lida com o desafio da segurança?

JG - O tema é muito interessante. Há o que chamamos de sistemas de protocolos de segurança (safety protocol systems), como a aviônica. Os sistemas de aviões têm de ser realmente bons porque, se não forem, o software poderá levar à queda do avião. E o software da aviônica é maravilhoso, excelente, muito bem feito. Mas é muito caro para ser feito, principalmente por causa dos exigentes processos de certificação.

O que é interessante para mim é que esse pessoal sabe como construir software confiável. Em outras áreas - por exemplo, em controles remotos de TV - o sistema não precisa ser tão crítico. Mas as pessoas que os fazem me dizem que não se importam com a qualidade porque, se você aperta um botão e nada acontece, é só você apertar o botão de novo. Para mim, isso é muito frustrante porque até uma criança de três anos se acostuma usar os eletrônicos e, se acontece algo estranho, é só desligar e ligar. Isso não é aceitável. Como engenheiros profissionais, não deveríamos permitir que nossos produtos tenham uma qualidade tão ruim. Nós temos de deliciar nossos consumidores, não deixá-los irados. Sim, sistemas críticos são muito bons, mas penso que deveríamos levar as técnicas que eles usam nesses sistemas para a maioria dos sistemas embutidos.

Deixe-me dar um exemplo: Instrumentação médica. Nos Estados Unidos, [nesta área] há muitos problemas. Alguns códigos são maravilhosos, mas a maioria é terrível. Precisamos consertar isso para fazer um trabalho melhor. Temos aplicações estúpidas, como uma escova de dentes eletrônica. Ninguém vai ficar muito preocupado com isso. Mas suponha que essa escova tenha uma conexão sem fio. Isso poderia ter uma porta de infiltração de vírus que se espalharia por toda a rede. Precisamos pensar em segurança até em escovas de dentes, fornos de microondas, aparelhos de TV. Ninguém está pensando nisso, nem em questões de confiabilidade. E precisamos disso, porque se estamos construindo um mundo cada vez mais conectado, com bilhões e bilhões de coisas conectadas entre si, qualquer pedaço de código mal escrito, por menor que seja, pode permitir que o vírus entre, causando todo tipo de conseqüências terríveis.

Os carros serão em breve conectados à Internet. O motor será controlado por computador; os freios e a direção também. Alguém poderia injetar um vírus para impedir o funcionamento dos freios em milhões de carros. É assustador. Nós, como especialistas em sistemas embutidos, deveríamos pensar nisso porque os caras maus estão ficando piores e os sistemas têm-se tornado mais abertos. O caso do Stuxnet [vírus que penetrou nos sistemas de reatores nucleares do Irã] é um exemplo clássico.

CWB - Os sistemas embutidos têm-se tornado muito mais complexos a cada dia...

JG - Sim, os sistemas estão ficando muito complexos. Os números que tenho indicam que a quantidade de código em sistemas embutidos dobra a cada um ou dois anos. É uma taxa de crescimento muito rápida. Quando era um jovem engenheiro, os maiores sistemas tinham 5 mil linhas de código. Hoje vemos que um celular pode ter 15 milhões de linhas de código. Isso num celular básico! E o conteúdo tem crescido tão rapidamente que muitos engenheiros sequer sabem o que estão embutindo nos sistemas. Muitas vezes as empresas que lhe vendem o processador também entregam pilhas de software que os engenheiros usam sem saber o que fazem. E se você pensar que alguns desses sistemas são aparelhos médicos, é assustador. Eu prevejo que alguma coisa ruim ainda vai acontecer e os advogados entrarão com grandes processos e as empresas, os CEOs, vão reagir e pagar. Talvez então os engenheiros receberão dessas empresas os recursos necessários.

CWB - Como está o mercado hoje para sistemas embarcados?

JG - Cerca de 12 bilhões de microprocessadores são vendidos por ano; 98% são para sistemas embutidos. Apenas 2% vão para PCs e Macintoshes. Os setores de telecom e os militares são os maiores usuários desses sistemas. O mercado de eletrônicos de massa vem em seguida. E os celulares e games também têm forte demanda. Em breve estará em todo lugar: cafeteiras, carros, todo eletrônico tem sistemas embutidos. Eu soube de uma lanterna de mão que tem sistema embutido!

CWB - Onde estão as oportunidades para sistemas embutidos, para empresas e profissionais?

JG - A demanda por pessoal especializado é enorme. Nos Estados Unidos, as empresas não conseguem encontrar pessoal e, por conta disso, os salários estão em alta. No resto do mundo, a situação não é diferente. E a demanda deve aumentar ainda mais. Para empresas pequenas, o segredo é encontrar seu nicho. Olhe para um problema, veja o que você pode fazer para resolvê-lo e olhe também para o futuro: que outros problemas eu poderei resolver? Se você conseguir encontrar as respostas, haverá oportunidades de ouro para pequenas empresas. Tudo pode ser automatizado.

CWB - O que precisa ser melhorado em sistemas embutidos? Quais tecnologias precisam ser aprimoradas?

JG – Há várias. A primeira delas é energia. Todo mundo usa aparelhos móveis, e todos querem que a bateria dure para sempre com uma só carga. Meu primeiro celular era uma maleta a tiracolo e tinha uma bateria que durava 4 horas em stand by. Hoje ela dura uma semana ou mais. Nós temos baterias melhores, mas também melhores sistemas embutidos. Escreve-se centenas de milhares de linhas apenas para gerenciar melhor o consumo de energia. E há as iniciativas para coletar energia do ambiente. Lembra-se daqueles relógios de pulso antigos que obtinham energia com o movimento do braço? Este tipo de energia será mais e mais importante também para sistemas embutidos.

Sensores são outra área. Rádios definidos por software – todo mundo quer isso, mas ainda não se conseguiu. Com eles, seria só questão de conectar uma antena em um processador digital de sinais e pronto. Você se livraria dos circuitos analógicos e de sintonia e faria um aparelho muito mais simples. Mas ainda não chegamos lá.

Um dos grandes avanços em sistemas embutidos é o que chamamos MEMS – Micro Electronic Mechanical Systems. Com ele integramos giroscópios, acelerômetros, sensores de pressão. Para fazermos com que coisas se movam, precisamos de micromotores. Nanomotores serão cada vez mais importantes. Tudo está encolhendo: a eletrônica, os sensores e até as partes mecânicas.

CWB - Para o futuro, você fala bastante sobre robôs. Você tem bastante expectativa sobre este tema...

JG - Os robôs são muito interessantes. Veja o que aconteceu com os sistemas embutidos nos últimos 20 ou 30 anos. Você pode usá-los para muitas coisas. Algumas das aplicações são a execução de tarefas que simplesmente não queremos fazer. Por exemplo, hoje os Estados Unidos transferiram sua produção para a China porque ninguém mais quer fazer esse trabalho. A tecnologia de robôs vai evoluir para um ponto em que, num futuro próximo, farão todo o trabalho que não queremos – lavar pratos, limpar a sala, essas coisas.

Nós temos quase toda essa tecnologia hoje. Precisamos apenas de alguns anos para melhorá-las. Quando os robôs puderem fazer isso, poderão fazer manufatura, trabalhar em minas de carvão... Ninguém quer fazer essas coisas – são apenas um modo de ganhar a vida. E quando os robôs puderem fazer robôs que as substituam eu acredito mesmo que isso vai levar a mudanças no significado do trabalho, do dinheiro. O trabalho não terá mais valor; dinheiro não terá mais valor. Poderemos estar perto de uma sociedade utópica... Mas não tenho como prever esse tipo de coisa. Não sou sociólogo. O que posso imaginar que os robôs estarão fazendo todo tipo de coisa que não queremos fazer. Sou otimista. Em poucas décadas, teremos um mundo que não reconheceremos.


Fonte: Site Computerworld Brasil - http://computerworld.uol.com.br

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