Amazônia-1: Funcionando bem e fornecendo imagens incríveis, o que tentaram esconder sobre as primeiras horas em órbita do satélite?

Prezado leitor!

O Amazônia-1 está funcionando normalmente e já está mandando as suas primeiras imagens, desde o dia 03/03/2021. Essa boa notícia, que todos nós estávamos esperando e ansiosos para ouvir, se confirmou nos últimos dias e tudo isso ocorreu graças à capacidade de resiliência do satélite combinada, principalmente, com a grande competência do corpo técnico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Imagem representação do satélite Amazônia-1.
Fonte: INPE (2014).

É importante ressaltar que a fase de lançamento e órbita inicial, ou LEOP (Launch and Early Orbit Phase), é uma das fases mais críticas de qualquer missão. Nessa etapa, logo após o deploy do satélite (separação do veículo lançador), a equipe de rastreio e controle assume as operações e o controle, em regime de trabalho de 24h por dia (dividido em turnos), até o momento em que o satélite fica posicionado de forma segura em sua última órbita. 

Dentre a principais operações dessa fase estão a ativação, o monitoramento, o controle, a implantação de sistemas / subsistemas (painel(éis) solar(es), antenas, etc) e a realização de manobras críticas de controle de atitude (incluindo a estabilização do satélite) e de controle de altitude (ou controle de órbita).

Portanto, é nesse momento que vai do lançamento à entrada em operação que incide a maior probabilidade de existirem intercorrências ou de se perder um satélite, como, por exemplo, caso o veículo lançador apresente problemas.

Como já é de conhecimento público, conforme a matéria "[BS Urgente] Amazônia-1 apresenta comportamento não nominal", publicada pelo BS no dia 03/03/2021, além de outras matérias publicadas na imprensa nacional, houve algum tipo de intercorrência com o satélite, logo após o seu desacoplamento do veículo lançador. O resultado dessa situação foi identificado no dia 02/03/2021 por radioamadores dos Estados Unidos e da Itália que detectaram que o Amazônia-1 estaria "dando cambalhotas" (tumbling), o que é, obviamente, um comportamento não nominal ou não desejado, considerando que um satélite de imageamento fica com sua missão comprometida caso não esteja estabilizado.

Amazonia-1 pass on S-Band. Looks to be tumbling... maybe not so good for X-band :) pic.twitter.com/FFLhvXeEAZ — 𝙐𝙎𝘼 𝙎𝙖𝙩𝙘𝙤𝙢™ (@usa_satcom) March 2, 2021.

Conforme descrito na nossa matéria, depois de analisar os fatos e obter informes e informações de pessoas ligadas ao INPE, sem conseguir obter informações oficiais do Instituto, publicamos nossa matéria destacando que aguardaríamos um posicionamento oficial (nota) do INPE, pronunciamento este que nunca aconteceu. 

Ao invés disso, depois de horas da notícia ter sido publicada pelo BS e por outras mídias, o INPE, na pessoa do seu Diretor, se apresenta em uma reportagem (muito provavelmente arranjada) com um veículo de imprensa que não possui conhecimento técnico para inquirir o Diretor no tema espacial, afirmando que o satélite "está bem", "enviando imagens" e que as notícias sobre a anomalia ocorrida eram "fake news", mesmo tendo o dirigente afirmado que "não conhecia" e "nem sabia de onde vinham" essas notícias.

Atuação do BS após as fala do Diretor do INPE

Em resposta a essa ilação, cientes que o BS tem um compromisso inquebrável com a informação verídica e de qualidade, respondemos imediatamente ao Diretor do INPE, com o nosso Editorial "Carta Aberta ao Diretor do Inpe", de modo a relembrá-lo do seu papel institucional, diferentemente do comportamento de censor de notícias ou de negacionista da pós-verdade com que ele se apresentou na referida situação.

Para piorar, vimos o próprio Ministro Marcos Pontes se comportar da mesma forma, em publicação nas suas redes sociais.

Imagem da postagem do Ministro Marcos Pontes em suas redes sociais.

Como afirmamos na carta ao Diretor do INPE (que também serve para o Ministro): 

1) se o Amazônia-1 está bem (independente de ter tido ou não alguma situação não nominal), ficamos todos felizes, e vida que segue (Obs: entre as publicações do BS e a presente matéria, as primeiras (excelentes) imagens providas pelo satélite foram divulgadas (veja aqui), nos deixando muito felizes);

2) se houve algum problema e o mesmo foi contornado, ótimo! Isso significa que o satélite é resiliente e que os técnicos do INPE são competentes para reverter qualquer anormalidade;

3) se não houve falha, melhor seria atender às ligações da imprensa e/ou emitir uma nota oficial, (ainda inexistente no site do INPE), antes do uso de um único veículo de comunicação (não especializado no tema espacial e sem competência técnica para fazer as perguntas relevantes) para este fim e para tentar desacreditar os outros veículos que buscaram por informações oficiais do INPE e não foram atendidos;

4) antes do senhor classificar algo como fakenews, se informe primeiro, veja as fontes e as argumentações apresentadas pelos veículos especializados, antes de ir a público com esse tipo de ilação. 

O que não aceitamos e não é admissível, é o fato de num País democrático e de imprensa livre, dois representantes governamentais terem um comportamento tão questionável como o apresentado nessa história, distorcendo a verdade, negando que algo havia ocorrido e tentando desconstruir, genericamente, a reputação da imprensa.

Além disso, como o Diretor do INPE e o Ministro se preocuparam mais em desqualificar as notícias do que divulgar um relatório das atividades do satélite, desde o seu deploy em órbita até a data da publicação das matérias, entramos com um pedido de acesso a informação para o INPE, solicitando os dados de telemetria do satélite no referido período.

Imagem pedido de informação ao INPE.

Complementarmente, o BS entrou em contato com os radioamadores que descobriram o comportamento anormal do Amazônia, perguntando publicamente se eles confirmavam a veracidade dos fatos e estariam dispostos a compartilhar os dados brutos do rastreio conosco. 

Imagem de trechos de postagens trocados no Tweeter entre o BS e os radioamadores.

De forma sóbria e ponderada, o radioamador americano respondeu que "O vídeo do sinal é correto". Além disso, ele destaca que "... a mídia do Brasil não deveria interpretar isso de modo negativo" e justifica que "Um satélite recém lançado leva tempo para estabilizar".

Isso é exatamente o que entendemos, pois o INPE deveria tratar naturalmente a situação e não querer omitir e distorcer o que aconteceu, como bem destacamos na resposta de agradecimento aos radioamadores: "Não podemos responder por toda a imprensa brasileira, mas compreendemos que a estabilização (de satélites) não é algo simples. Entretanto é muito muito preocupante quando o governo tenta esconder informações e classifica as postagens da imprensa como fakenews!".

Além da veracidade das informações ter sido confirmada, os radioamadores acenaram positivamente quanto a possibilidade de compartilhar os dados do rastreio conosco.

Como o prazo de resposta do INPE para o pedido de acesso a informação é 23/03/2021, e dependemos disso para confrontarmos os dados vindos do Instituto com as informações do rastreio, resolvemos continuar pesquisando / investigando para obter mais informações, de modo a tentar explicar o que o INPE tenta a todos custos esconder. Nesse sentido, já temos dados suficientes para confirmar que a situação não nominal ocorreu e que o satélite estava girando durante o intervalo de observação do radioamador dos Estados Unidos e o da Itália.

Importante destacar que existem confirmações de outros veículos de informação, cujas fontes atestam que o problema realmente ocorreu, mas ninguém trouxe muitos detalhes técnicos do ocorrido, motivo pelo qual tentaremos explicar com um pouco mais de detalhes como as coisas possivelmente ocorreram.

O que ocorreu com o Amazônia-1?

Não há até o presente momento como ser categórico sobre o que ocorreu de fato com o Amazônia-1, os detalhes sobre esse evento, o que provocou essa situação e como o mesmo foi sanado (antes das desequilibradas declarações do Diretor do INPE e do Ministro Marcos Pontes), pois somente confrontando os dados da telemetria do satélite  com os dados de rastreio dos radioamadores para se ter um panorama completo do cenário em questão.

No entanto, sabemos por informações de dentro e dos arredores do INPE, que uma situação inesperada ocorreu e que o satélite entrou no modo de sobrevivência (Survival Control Mode). 

Apesar de ser um dos modos de operação previstos no projeto do satélite, o modo de sobrevivência é um um termo vinculado a um estado do satélite muito mais crítico do que o termos eufemista "modo seguro", utilizado pelo Diretor do INPE na sua fatídica entrevista, provavelmente como forma de amenizar a situação e assim sustentar a sua narrativa de que o "satélite estava sob controle" e que as notícias que o mesmo estaria fora de controle eram "fakenews".

Destaque-se a sutileza do jogo de palavras "astutamente" postas para a sociedade:  

1) "O satélite está sob controle" 

2) As notícias que surgiram são fakenews"!

No entanto, não afirmamos (e boa parte da imprensa especializada também) que o satélite estaria fora de controle, mas que ele havia apresentado um comportamento anômalo ou não nominal ("dando cambalhotas" <=> girando), conforme detectado pelos radioamadores.

Por outro lado, em nenhum momento o Diretor do INPE informou, ou o repórter que o entrevistou perguntou se havia ocorrido alguma situação anômala, não nominal ou que precisasse de algum procedimento especial por parte da equipe técnica que controla o Amazônia-1, no intervalo de tempo entre o deploy do satélite em órbita, às 5:11h GMT / 2:11h horário de Brasília do dia 28/02/2021, pelo PS-4 (o último estágio do veículo lançador de satélites polares, do inglês, PSLV) até as 12:00h do dia 03/03/2021, horário da entrevista.

É ai que nós do Brazilian Space vamos adentrar, pois, com as informações obtidas de diversas fontes e a pesquisa que realizamos, é possível traçar, em linhas gerais, o que ocorreu com o Amazônia-1, desde o seu deploy, passando pela entrada no modo de sobrevivência e seguindo para a detecção do estado anômalo do satélite ("dando cambalhotas"), entre os dias 02 e 03 de março de 2021.

1 - O Amazônia-1 é desacoplado do PS-4 girando

O lançamento do Amazônia-1 no último dia 28/02/201 foi um evento muito desejado e aguardado pela comunidade espacial brasileira. Vários canais no YouTube anunciaram que iriam transmitir (e efetivamente transmitiram) o evento, tendo sido informado por muitos deles que seria possível acompanhar a abertura dos painéis solares durante a transmissão, logo após o desacoplamento do satélite do PS-4.

Essa informação nos deixou particularmente na expectativa pelo lançamento, mas, também, para acompanhar a abertura dos painéis solares, algo que não se vê todo dia.

Como pode ser visto nos vídeos, o lançamento do PSLV-C51 foi nominal durante toda a sua trajetória e, conforme planejado, o seu último estágio levou a Amazônia-1 até a órbita heliossíncrona de ~ 98° de inclinação, em uma altitude média de 742 km. 

Contudo, depois do desacoplamento do satélite, é possível verificar nas imagens transmitidas que o mesmo saiu girando, quando deveria seguir alinhado com o eixo de deslocamento do estágio do veículo lançador. O mais interessante é que, cerca de 32 segundos depois da separação, quem aguardava a abertura dos painéis solares foi frustrado com um abrupto corte da transmissão da câmera instalada no PS-4, justo no momento que era possível perceber o giro do satélite.

No momento, devido a emoção, muitos, como nós, ficaram acompanhando os discursos e comemorando o sucesso do lançamento, sem se dar conta, conscientemente, do fato do satélite ter saído girando após o desacoplamento, conforme pode ser constatado no vídeo abaixo:

Vídeo do desacoplamento do Amazônia-1 do PS-4.
Fonte: Science At ISRO (2021)

A noção de que o giro no deploy aconteceu e que isso poderia ter afetado o satélite de alguma forma só se deu quando fomos juntar todos os pontos do problema, após a notícia divulgada pelos radioamadores.

Para fins de comparação, veja abaixo o deploy de outros satélites:
 
- Sentinel 1-A separation of Fregat-M / Soyuz-ST-A (2014): https://www.youtube.com/watch?v=SuYx_fbeVCc
 
- Cartosat 2E separation of PS-4 / PSLV-C38 (2017): https://www.youtube.com/watch?v=IB_QkUtBg94
 
- Starlink separation of 2nd Stage / F9 (2020): https://www.youtube.com/watch?v=5h2t9Oyg2o0

Pelas imagens transmitidas pela câmera do PS-4 é possível mensurar que o Amazônia-1 girou ~45°, em sentido anti-horário, em torno do seu eixo X (eixo que segue longitudinalmente os painéis solares), em um intervalo de tempo de ~30s, o que indica uma velocidade angular de ~ -90° / min ou -0,25 rpm. 

Imagem representação do satélite Amazônia-1 e seus eixos.
Fonte: INPE (2014), adaptado.

É possível perceber também uma pequena rotação no eixo Y (que passa pela faces entre os dois painéis solares), mas, pelo angulo da câmera e com o corte da imagem, fica difícil precisar e quantificar esse movimento.

Provavelmente esse giro se deu devido a alguma falha ocorrida no sistema de separação do adaptador de payloads do PS-4. O referido sistema é composto por 4 (padrão) a 12 conjuntos de garras (que prendem o satélite ao adaptador) e molas (que o impulsionam, após a abertura das garras) que garantem a sua liberação com uma velocidade nominal de 0,8 a 1,2 m/s, sendo considerado um limite máximo de perturbação de 2°/s (120° / min) para payloads dentro do padrão de off-set do adaptador.

Imagens do conjunto do sistema de separação (típico).
Fonte: PSLV User Manual - ISSUE 4 (2005), adaptado.

Logo, com um giro estimado de 90° / min isso coloca o deploy do Amazônia-1 dentro dos parâmetros de lançamento do PSLV, mas, talvez, não dentro dos parâmetros esperados para o satélite nessa etapa do LEOP.

Assim, acreditamos que os problemas com o Amazônia-1 começaram graças a essa situação anômala para o satélite, mesmo dentro dos parâmetros do lançador.

2 - Saturação das rodas de reação e entrada no modo de sobrevivência

Mesmo não tendo as informações precisas das taxas de giro limites e outros parâmetros, apuramos que ato contínuo ao deploy do Amazônia-1, com o giro constatado no vídeo, o satélite entrou automaticamente no modo ligar / reiniciar (Power On / Reset Control Mode), do Sistema de Controle de Atitude e de Órbita - SCAO (AOCS - Attitude and Orbit Control System). Nesse estado os sistemas do satélite e todos os dispositivos são ligados e o painel solar é aberto, conforme diagrama de estados abaixo.

Imagem dos Modos de controle do SCAO do satélite Amazônia-1.
Fonte: ROMEIRO (2017) apud TAGAWA (2013).

Em seguida, o satélite entra automaticamente no modo espera (Stand By Control Mode). Nesse modo o Sistema Embarcado de Gerenciamento de Dados (OBDH - On-Board Data Handling) verifica todos os componentes do satélite e segue para o modo de espera segura (Safe Hold Control Mode), o qual, de posse dos status e parâmetros destes, aguarda por telecomandos para ir para o modo de missão (Mission Control Mode), se estiver tudo bem, ou, via telecomandos ou automaticamente, entra no modo de sobrevivência (Survival Control Mode), quando algo não está nominal, como, por exemplo, uma taxa de giro não esperada, no limiar dos valores de operação.


Imagem da concepção esquemática do 
Subsistema de Controle de Atitude e Órbita do Satélite Amazônia-1.
Fonte: ROMEIRO (2017) apud TAGAWA (2013).

É ai que começa  a situação que levou ao estado não nominal do Amazônia-1, após o giro inesperado no seu
deploy

Em algum momento, após um telecomando ou ação automática do AOCS, na tentativa de estabilizar o satélite (parar o giro), as rodas de reação foram acionadas, mas não conseguiram parar a sua rotação, ficando saturadas e consumindo a reserva de carga elétrica de suas baterias. Desse modo, para não ficar sem suprimento de energia elétrica, o AOCS (automaticamente ou por telecomando) utilizou o sistema de propulsão (consumindo hidrazina) e acionou os magnetorqueadores (MQTs) para dessaturar as rodas de reação e, posteriormente a isso, colocou o satélite no modo de sobrevivência.

O modo de sobrevivência é um modo de controle que tem por objetivo garantir que o satélite vai conseguir obter energia para não ficar inoperante e inacessível, desligando todos os sistemas não essenciais, travando os painéis solares e girando o satélite de modo a garantir que, em algum momento, os painéis sejam iluminados pelo sol e possam gerar energia para recarregar as suas baterias.

Portanto, o comportamento de giro detectado pelos radioamadores não era somente causado pelo giro inicial do Amazônia-1 após o deploy, mas, também, pelo giro determinado pela própria programação modo de controle do AOCS para a sobrevivência do satélite.

3 - O uso dos magnetotorqueadores e os problemas no rastreio e controle

Cientes da situação do satélite já nas primeiras passagens sobre o Brasil, as quais duram algo em torno dos 10 minutos (dos ~90 minutos de órbita do Amazônia-1), de posse das informações da telemetria, a equipe de rastreio do INPE começou a atuar para promover a estabilização do mesmo, através de telecomandos enviados para os seus atuadores.

Como as rodas de reação não haviam dado conta da tarefa de parar a rotação do Amazônia-1 e considerando as questões de carga elétrica das baterias, agora carregadas somente nos momentos em que os painéis solares (travados) estivessem expostos à luminosidade do Sol (lembrando que o satélite estava girando), a solução encontrada foi utilizar os MTQs para diminuir o giro (Obs: para o artigo não ficar mais extenso, deixo aqui e aqui, duas referência bem básicas sobre esse tipo de atuador usado no controle de atitude de satélites). 

Apesar de ser a solução mais adequada para a situação, o uso dos MTQs tem duas características bem marcantes. A primeira é que o emprego dos mesmos para estabilizar satélites é um procedimento lento e, a depender da massa do satélite, da taxa de giro e da quantidade de eixos envolvidos no giro, pode demorar muitas horas ou até mesmo dias para surtir efeito. A segunda é que o processo de estabilização usando MTQs depende do campo magnético da Terra e, como esse campo não é uniforme para todo o planeta, isso faz com que os parâmetros de estabilização mudem, a depender de onde o satélite esteja sobrevoando.

Imagem mapas da intensidade horizontal e vertical do campo magnético da Terra.
Fonte: British Geological Survey (2020), disponível em: http://www.geomag.bgs.ac.uk/education/earthmag.html.

Com isso tudo, não é surpresa o fato dos dois radioamadores terem detectado o comportamento de giro do Amazônia-1 com um intervalo de pouco mais de sete horas, entre o rastreio a partir dos Estados Unidos e o rastreio a partir da Itália, cabendo ressalvar que esse comportamento foi observado por muitas horas consecutivas, desde a sua descoberta.

Um outro fator que potencialmente se somou a essa equação, e que pode ter impactado de algum modo o controle da situação por parte do rastreio e controle do INPE,  foi a informação que recebemos de que não teria sido providenciada a contratação de outras estações de rastreio fora do Brasil para acompanhar e, eventualmente, atuar no controle (emissão de telecomandos) do satélite e assim otimizar o processo de interrupção de rotação do mesmo.

Diante dessa lacuna, nos foi informado (sem confirmação oficial até o momento) que o INPE (cuja estação principal de rastreio fica em Cuiabá - MT)  solicitou o apoio de outras estações do Brasil, além de ter pedido o apoio da Índia para utilizar a estação de rastreio que os indianos tem na Antártida (Antarctica Ground Station for Earth Observation Satellites - AGEOS), pois, nas condições em que o satélite se encontrava, o rastreio realizado somente nos momentos em que o satélite estava sobrevoando o Brasil limitava muito a capacidade das equipes de rastreio e controle em atuar no controle do Amazônia-1.


Imagens localização e informações sobre a AGEOS.

Versão da negação x Versão oficiosa

Com tudo que foi pesquisado, investigado e mostrado pelo BS nos últimos dias, o leitor já tem condições de melhor entender o cenário e de fazer a sua análise sobre o que provavelmente ocorreu com o Amazônia-1, que, diferentemente do que foi não dito abertamente nas declarações do Diretor do INPE e do Ministro, foi realmente colocado à prova quanto a sua resiliência, bem como provou que os técnicos do Instituto são capazes de controlá-lo, mesmo em condições extremas como a que nós descrevemos aqui.

Ainda sem divulgar uma nota oficial explicando os procedimentos realizados para estabilizar o satélite, o INPE e o MCTI vão, como crianças pegas na mentira pelos seus pais, revelando a conta-gotas partes da história por nós parcialmente revelada (na presente matéria e nas duas anteriores sobre esse tema), como pode ser visto no trecho entre 1h e 2 min e 1h e 18 min do vídeo da live realizada pelo MCTI para divulgar as primeiras imagens do satélite, realizada na noite do dia 09/03/2021:

Vídeo sobre o satélite Amazônia-1.
Fonte: MCTI (2021) disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XRiEvLRjRDk&t=4616s.

Da análise do discurso inicial do Diretor do INPE (replicada ou determinada pelo Ministro Marcos Pontes) e da confirmação por parte da imprensa e do BS de que algo realmente ocorreu, resta claro que o INPE estava escondendo a situação do Amazônia-1 até que as informações de que o satélite estava girando se tornaram públicas.

Em verdade, o próprio subtítulo do card do vídeo acima ("O SATÉLITE ESTÁ FUNCIONANDO?") revela o desvio do foco sobre a ocultação dos fatos e a tentativa de descredenciar as notícias da imprensa especializada.

Por outro lado, com essas novas revelações do referido vídeo, na ausência de uma nota oficial completa e com dados abertos do INPE sobre as primeiras 72h de operação do Amazônia-1, o leitor poderá verificar a contradição entre a versão negacionista, que classifica as notícias dadas nos dias 02 e 03/03/2021 como fakenews, da versão oficiosa e meio escabriada do vídeo, comparando-as com o que pudemos aferir aqui no BS, até o presente momento.

Um ponto marcante do vídeo é quando o Ministro tenta mostrar a imagem do satélite com os painéis solares abertos, mas não consegue, pois como destacado por nós, quando os indianos perceberam que o satélite estava girando, cortaram a transmissão.

Outro ponto é o momento em que o Diretor do INPE afirma que "é normal o satélite sair girando", mas logo em seguida atesta que o giro apresentado pelo Amazônia-1 foi "muito fora dos limites esperados" ou "um pouco menos que o limite máximo previsto para o satélite".

Entendemos que é natural o INPE não informar imediatamente a situação do satélite para a sociedade (pagadora de impostos que custeiam o Programa Espacial Brasileiro - PEB), enquanto estava tomando as medidas técnicas para reestabelecer o comportamento nominal do Amazônia-1. Entretanto, depois da notícia dada e dos questionamentos da imprensa, omitir e faltar com a verdade dos fatos é um comportamento impensável para as instituições governamentais e seus gestores, em um estado democrático de direito, sendo inadmissível o comportamento de ataque aos veículos de comunicação, como lamentavelmente ocorreu.

Com a lição aprendida com essa situaçãoem se tratando de transparência e de participação da sociedade, a pergunta que nos fazemos é: o nosso programa espacial vai ser conduzido nos moldes da antiga União Soviética ou como os programas da Europa e dos Estados Unidos? 

Para finalizar, ficamos muito felizes em ver as primeiras imagens do satélite e parabenizamos a equipe do INPE que desenvolveu o projeto, pela qualidade do Satélite / Plataforma Multimissão (PMM), que demonstraram grande resiliência já nesse incidente, e ao corpo técnico de rastreio e controle do INPE, pela competência em conduzir o Amazônia-1 para o estado estabilizado em que o mesmo se encontra agora.

Imagem da região da cidade de São Paulo tirada pelo Amazônia-1, no espectro do visível.
Fonte: INPE (2021).

Em tempo, não poderia encerrar sem agradecer a todos os especialistas e entusiastas que nos subsidiaram com informes / informações, negadas ou ocultadas pelos entes governamentais, além daqueles que nos enviaram material técnico que subsidiaram a nossa investigação.

Não nomearei os nossos colaboradores aqui por respeito ao sigilo da fonte e, mesmo para aqueles que não se preocupam com isso, para não ser injusto caso esqueça o nome de alguém ou de algum grupo de discussão que o Editor do BS participa.

Vida longa e próspera ao Amazônia-1 e ao PEB (este último, que ainda teima em não querer mudar)!

Rui Botelho
(Brazilian Space)

* Última edição 12/03/2021 06:35:00h.

Comentários

  1. Parabéns pelo zelo na redação, busca de informações e para com a verdade.
    Vida longa e próspera.

    ResponderExcluir

Postar um comentário