Amazônia-1: Funcionando bem e fornecendo imagens incríveis, o que tentaram esconder sobre as primeiras horas em órbita do satélite?
Prezado leitor!
O Amazônia-1 está funcionando normalmente e já está mandando as suas primeiras imagens, desde o dia 03/03/2021. Essa boa notícia, que todos nós estávamos esperando e ansiosos para ouvir, se confirmou nos últimos dias e tudo isso ocorreu graças à capacidade de resiliência do satélite combinada, principalmente, com a grande competência do corpo técnico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
É importante ressaltar que a fase de lançamento e órbita inicial, ou LEOP (Launch and Early Orbit Phase), é uma das fases mais críticas de qualquer missão. Nessa etapa, logo após o deploy do satélite (separação do veículo lançador), a equipe de rastreio e controle assume as operações e o controle, em regime de trabalho de 24h por dia (dividido em turnos), até o momento em que o satélite fica posicionado de forma segura em sua última órbita.
Dentre a principais operações dessa fase estão a ativação, o monitoramento, o controle, a implantação de sistemas / subsistemas (painel(éis) solar(es), antenas, etc) e a realização de manobras críticas de controle de atitude (incluindo a estabilização do satélite) e de controle de altitude (ou controle de órbita).
Portanto, é nesse momento que vai do lançamento à entrada em operação que incide a maior probabilidade de existirem intercorrências ou de se perder um satélite, como, por exemplo, caso o veículo lançador apresente problemas.
Como já é de conhecimento público, conforme a matéria "[BS Urgente] Amazônia-1 apresenta comportamento não nominal", publicada pelo BS no dia 03/03/2021, além de outras matérias publicadas na imprensa nacional, houve algum tipo de intercorrência com o satélite, logo após o seu desacoplamento do veículo lançador. O resultado dessa situação foi identificado no dia 02/03/2021 por radioamadores dos Estados Unidos e da Itália que detectaram que o Amazônia-1 estaria "dando cambalhotas" (tumbling), o que é, obviamente, um comportamento não nominal ou não desejado, considerando que um satélite de imageamento fica com sua missão comprometida caso não esteja estabilizado.
Conforme descrito na nossa matéria, depois de analisar os fatos e obter informes e informações de pessoas ligadas ao INPE, sem conseguir obter informações oficiais do Instituto, publicamos nossa matéria destacando que aguardaríamos um posicionamento oficial (nota) do INPE, pronunciamento este que nunca aconteceu.
Ao invés disso, depois de horas da notícia ter sido publicada pelo BS e por outras mídias, o INPE, na pessoa do seu Diretor, se apresenta em uma reportagem (muito provavelmente arranjada) com um veículo de imprensa que não possui conhecimento técnico para inquirir o Diretor no tema espacial, afirmando que o satélite "está bem", "enviando imagens" e que as notícias sobre a anomalia ocorrida eram "fake news", mesmo tendo o dirigente afirmado que "não conhecia" e "nem sabia de onde vinham" essas notícias.
Atuação do BS após as fala do Diretor do INPE
Em resposta a essa ilação, cientes que o BS tem um compromisso inquebrável com a informação verídica e de qualidade, respondemos imediatamente ao Diretor do INPE, com o nosso Editorial "Carta Aberta ao Diretor do Inpe", de modo a relembrá-lo do seu papel institucional, diferentemente do comportamento de censor de notícias ou de negacionista da pós-verdade com que ele se apresentou na referida situação.
Para piorar, vimos o próprio Ministro Marcos Pontes se comportar da mesma forma, em publicação nas suas redes sociais.
Como afirmamos na carta ao Diretor do INPE (que também serve para o Ministro):
4) antes do senhor classificar algo como fakenews, se informe primeiro, veja as fontes e as argumentações apresentadas pelos veículos especializados, antes de ir a público com esse tipo de ilação.
O que não aceitamos e não é admissível, é o fato de num País democrático e de imprensa livre, dois representantes governamentais terem um comportamento tão questionável como o apresentado nessa história, distorcendo a verdade, negando que algo havia ocorrido e tentando desconstruir, genericamente, a reputação da imprensa.
Além disso, como o Diretor do INPE e o Ministro se preocuparam mais em desqualificar as notícias do que divulgar um relatório das atividades do satélite, desde o seu deploy em órbita até a data da publicação das matérias, entramos com um pedido de acesso a informação para o INPE, solicitando os dados de telemetria do satélite no referido período.
Complementarmente, o BS entrou em contato com os radioamadores que descobriram o comportamento anormal do Amazônia, perguntando publicamente se eles confirmavam a veracidade dos fatos e estariam dispostos a compartilhar os dados brutos do rastreio conosco.
Importante destacar que existem confirmações de outros veículos de informação, cujas fontes atestam que o problema realmente ocorreu, mas ninguém trouxe muitos detalhes técnicos do ocorrido, motivo pelo qual tentaremos explicar com um pouco mais de detalhes como as coisas possivelmente ocorreram.
O que ocorreu com o Amazônia-1?
Não há até o presente momento como ser categórico sobre o que ocorreu de fato com o Amazônia-1, os detalhes sobre esse evento, o que provocou essa situação e como o mesmo foi sanado (antes das desequilibradas declarações do Diretor do INPE e do Ministro Marcos Pontes), pois somente confrontando os dados da telemetria do satélite com os dados de rastreio dos radioamadores para se ter um panorama completo do cenário em questão.
No entanto, sabemos por informações de dentro e dos arredores do INPE, que uma situação inesperada ocorreu e que o satélite entrou no modo de sobrevivência (Survival Control Mode).
Apesar de ser um dos modos de operação previstos no projeto do satélite, o modo de sobrevivência é um um termo vinculado a um estado do satélite muito mais crítico do que o termos eufemista "modo seguro", utilizado pelo Diretor do INPE na sua fatídica entrevista, provavelmente como forma de amenizar a situação e assim sustentar a sua narrativa de que o "satélite estava sob controle" e que as notícias que o mesmo estaria fora de controle eram "fakenews".
Destaque-se a sutileza do jogo de palavras "astutamente" postas para a sociedade:
1) "O satélite está sob controle"
2) As notícias que surgiram são fakenews"!
No entanto, não afirmamos (e boa parte da imprensa especializada também) que o satélite estaria fora de controle, mas que ele havia apresentado um comportamento anômalo ou não nominal ("dando cambalhotas" <=> girando), conforme detectado pelos radioamadores.
Por outro lado, em nenhum momento o Diretor do INPE informou, ou o repórter que o entrevistou perguntou se havia ocorrido alguma situação anômala, não nominal ou que precisasse de algum procedimento especial por parte da equipe técnica que controla o Amazônia-1, no intervalo de tempo entre o deploy do satélite em órbita, às 5:11h GMT / 2:11h horário de Brasília do dia 28/02/2021, pelo PS-4 (o último estágio do veículo lançador de satélites polares, do inglês, PSLV) até as 12:00h do dia 03/03/2021, horário da entrevista.
É ai que nós do Brazilian Space vamos adentrar, pois, com as informações obtidas de diversas fontes e a pesquisa que realizamos, é possível traçar, em linhas gerais, o que ocorreu com o Amazônia-1, desde o seu deploy, passando pela entrada no modo de sobrevivência e seguindo para a detecção do estado anômalo do satélite ("dando cambalhotas"), entre os dias 02 e 03 de março de 2021.
1 - O Amazônia-1 é desacoplado do PS-4 girando
O lançamento do Amazônia-1 no último dia 28/02/201 foi um evento muito desejado e aguardado pela comunidade espacial brasileira. Vários canais no YouTube anunciaram que iriam transmitir (e efetivamente transmitiram) o evento, tendo sido informado por muitos deles que seria possível acompanhar a abertura dos painéis solares durante a transmissão, logo após o desacoplamento do satélite do PS-4.
Essa informação nos deixou particularmente na expectativa pelo lançamento, mas, também, para acompanhar a abertura dos painéis solares, algo que não se vê todo dia.
Como pode ser visto nos vídeos, o lançamento do PSLV-C51 foi nominal durante toda a sua trajetória e, conforme planejado, o seu último estágio levou a Amazônia-1 até a órbita heliossíncrona de ~ 98° de inclinação, em uma altitude média de 742 km.
Contudo, depois do desacoplamento do satélite, é possível verificar nas imagens transmitidas que o mesmo saiu girando, quando deveria seguir alinhado com o eixo de deslocamento do estágio do veículo lançador. O mais interessante é que, cerca de 32 segundos depois da separação, quem aguardava a abertura dos painéis solares foi frustrado com um abrupto corte da transmissão da câmera instalada no PS-4, justo no momento que era possível perceber o giro do satélite.
No momento, devido a emoção, muitos, como nós, ficaram acompanhando os discursos e comemorando o sucesso do lançamento, sem se dar conta, conscientemente, do fato do satélite ter saído girando após o desacoplamento, conforme pode ser constatado no vídeo abaixo:
Pelas imagens transmitidas pela câmera do PS-4 é possível mensurar que o Amazônia-1 girou ~45°, em sentido anti-horário, em torno do seu eixo X (eixo que segue longitudinalmente os painéis solares), em um intervalo de tempo de ~30s, o que indica uma velocidade angular de ~ -90° / min ou -0,25 rpm.
É possível perceber também uma pequena rotação no eixo Y (que passa pela faces entre os dois painéis solares), mas, pelo angulo da câmera e com o corte da imagem, fica difícil precisar e quantificar esse movimento.
Provavelmente esse giro se deu devido a alguma falha ocorrida no sistema de separação do adaptador de payloads do PS-4. O referido sistema é composto por 4 (padrão) a 12 conjuntos de garras (que prendem o satélite ao adaptador) e molas (que o impulsionam, após a abertura das garras) que garantem a sua liberação com uma velocidade nominal de 0,8 a 1,2 m/s, sendo considerado um limite máximo de perturbação de 2°/s (120° / min) para payloads dentro do padrão de off-set do adaptador.
Logo, com um giro estimado de 90° / min isso coloca o deploy do Amazônia-1 dentro dos parâmetros de lançamento do PSLV, mas, talvez, não dentro dos parâmetros esperados para o satélite nessa etapa do LEOP.
Assim, acreditamos que os problemas com o Amazônia-1 começaram graças a essa situação anômala para o satélite, mesmo dentro dos parâmetros do lançador.
2 - Saturação das rodas de reação e entrada no modo de sobrevivência
Mesmo não tendo as informações precisas das taxas de giro limites e outros parâmetros, apuramos que ato contínuo ao deploy do Amazônia-1, com o giro constatado no vídeo, o satélite entrou automaticamente no modo ligar / reiniciar (Power On / Reset Control Mode), do Sistema de Controle de Atitude e de Órbita - SCAO (AOCS - Attitude and Orbit Control System). Nesse estado os sistemas do satélite e todos os dispositivos são ligados e o painel solar é aberto, conforme diagrama de estados abaixo.
Imagem da concepção esquemática do Subsistema de Controle de Atitude e Órbita do Satélite Amazônia-1.
O modo de sobrevivência é um modo de controle que tem por objetivo garantir que o satélite vai conseguir obter energia para não ficar inoperante e inacessível, desligando todos os sistemas não essenciais, travando os painéis solares e girando o satélite de modo a garantir que, em algum momento, os painéis sejam iluminados pelo sol e possam gerar energia para recarregar as suas baterias.
Portanto, o comportamento de giro detectado pelos radioamadores não era somente causado pelo giro inicial do Amazônia-1 após o deploy, mas, também, pelo giro determinado pela própria programação modo de controle do AOCS para a sobrevivência do satélite.
3 - O uso dos magnetotorqueadores e os problemas no rastreio e controle
Cientes da situação do satélite já nas primeiras passagens sobre o Brasil, as quais duram algo em torno dos 10 minutos (dos ~90 minutos de órbita do Amazônia-1), de posse das informações da telemetria, a equipe de rastreio do INPE começou a atuar para promover a estabilização do mesmo, através de telecomandos enviados para os seus atuadores.
Como as rodas de reação não haviam dado conta da tarefa de parar a rotação do Amazônia-1 e considerando as questões de carga elétrica das baterias, agora carregadas somente nos momentos em que os painéis solares (travados) estivessem expostos à luminosidade do Sol (lembrando que o satélite estava girando), a solução encontrada foi utilizar os MTQs para diminuir o giro (Obs: para o artigo não ficar mais extenso, deixo aqui e aqui, duas referência bem básicas sobre esse tipo de atuador usado no controle de atitude de satélites).
Apesar de ser a solução mais adequada para a situação, o uso dos MTQs tem duas características bem marcantes. A primeira é que o emprego dos mesmos para estabilizar satélites é um procedimento lento e, a depender da massa do satélite, da taxa de giro e da quantidade de eixos envolvidos no giro, pode demorar muitas horas ou até mesmo dias para surtir efeito. A segunda é que o processo de estabilização usando MTQs depende do campo magnético da Terra e, como esse campo não é uniforme para todo o planeta, isso faz com que os parâmetros de estabilização mudem, a depender de onde o satélite esteja sobrevoando.
Com isso tudo, não é surpresa o fato dos dois radioamadores terem detectado o comportamento de giro do Amazônia-1 com um intervalo de pouco mais de sete horas, entre o rastreio a partir dos Estados Unidos e o rastreio a partir da Itália, cabendo ressalvar que esse comportamento foi observado por muitas horas consecutivas, desde a sua descoberta.
Um outro fator que potencialmente se somou a essa equação, e que pode ter impactado de algum modo o controle da situação por parte do rastreio e controle do INPE, foi a informação que recebemos de que não teria sido providenciada a contratação de outras estações de rastreio fora do Brasil para acompanhar e, eventualmente, atuar no controle (emissão de telecomandos) do satélite e assim otimizar o processo de interrupção de rotação do mesmo.
Diante dessa lacuna, nos foi informado (sem confirmação oficial até o momento) que o INPE (cuja estação principal de rastreio fica em Cuiabá - MT) solicitou o apoio de outras estações do Brasil, além de ter pedido o apoio da Índia para utilizar a estação de rastreio que os indianos tem na Antártida (Antarctica Ground Station for Earth Observation Satellites - AGEOS), pois, nas condições em que o satélite se encontrava, o rastreio realizado somente nos momentos em que o satélite estava sobrevoando o Brasil limitava muito a capacidade das equipes de rastreio e controle em atuar no controle do Amazônia-1.
Versão da negação x Versão oficiosa
Com tudo que foi pesquisado, investigado e mostrado pelo BS nos últimos dias, o leitor já tem condições de melhor entender o cenário e de fazer a sua análise sobre o que provavelmente ocorreu com o Amazônia-1, que, diferentemente do que foi não dito abertamente nas declarações do Diretor do INPE e do Ministro, foi realmente colocado à prova quanto a sua resiliência, bem como provou que os técnicos do Instituto são capazes de controlá-lo, mesmo em condições extremas como a que nós descrevemos aqui.
Ainda sem divulgar uma nota oficial explicando os procedimentos realizados para estabilizar o satélite, o INPE e o MCTI vão, como crianças pegas na mentira pelos seus pais, revelando a conta-gotas partes da história por nós parcialmente revelada (na presente matéria e nas duas anteriores sobre esse tema), como pode ser visto no trecho entre 1h e 2 min e 1h e 18 min do vídeo da live realizada pelo MCTI para divulgar as primeiras imagens do satélite, realizada na noite do dia 09/03/2021:
Em verdade, o próprio subtítulo do card do vídeo acima ("O SATÉLITE ESTÁ FUNCIONANDO?") revela o desvio do foco sobre a ocultação dos fatos e a tentativa de descredenciar as notícias da imprensa especializada.
Por outro lado, com essas novas revelações do referido vídeo, na ausência de uma nota oficial completa e com dados abertos do INPE sobre as primeiras 72h de operação do Amazônia-1, o leitor poderá verificar a contradição entre a versão negacionista, que classifica as notícias dadas nos dias 02 e 03/03/2021 como fakenews, da versão oficiosa e meio escabriada do vídeo, comparando-as com o que pudemos aferir aqui no BS, até o presente momento.
Um ponto marcante do vídeo é quando o Ministro tenta mostrar a imagem do satélite com os painéis solares abertos, mas não consegue, pois como destacado por nós, quando os indianos perceberam que o satélite estava girando, cortaram a transmissão.
Outro ponto é o momento em que o Diretor do INPE afirma que "é normal o satélite sair girando", mas logo em seguida atesta que o giro apresentado pelo Amazônia-1 foi "muito fora dos limites esperados" ou "um pouco menos que o limite máximo previsto para o satélite".
Entendemos que é natural o INPE não informar imediatamente a situação do satélite para a sociedade (pagadora de impostos que custeiam o Programa Espacial Brasileiro - PEB), enquanto estava tomando as medidas técnicas para reestabelecer o comportamento nominal do Amazônia-1. Entretanto, depois da notícia dada e dos questionamentos da imprensa, omitir e faltar com a verdade dos fatos é um comportamento impensável para as instituições governamentais e seus gestores, em um estado democrático de direito, sendo inadmissível o comportamento de ataque aos veículos de comunicação, como lamentavelmente ocorreu.
Com a lição aprendida com essa situação, em se tratando de transparência e de participação da sociedade, a pergunta que nos fazemos é: o nosso programa espacial vai ser conduzido nos moldes da antiga União Soviética ou como os programas da Europa e dos Estados Unidos?
Para finalizar, ficamos muito felizes em ver as primeiras imagens do satélite e parabenizamos a equipe do INPE que desenvolveu o projeto, pela qualidade do Satélite / Plataforma Multimissão (PMM), que demonstraram grande resiliência já nesse incidente, e ao corpo técnico de rastreio e controle do INPE, pela competência em conduzir o Amazônia-1 para o estado estabilizado em que o mesmo se encontra agora.
Em tempo, não poderia encerrar sem agradecer a todos os especialistas e entusiastas que nos subsidiaram com informes / informações, negadas ou ocultadas pelos entes governamentais, além daqueles que nos enviaram material técnico que subsidiaram a nossa investigação.
Não nomearei os nossos colaboradores aqui por respeito ao sigilo da fonte e, mesmo para aqueles que não se preocupam com isso, para não ser injusto caso esqueça o nome de alguém ou de algum grupo de discussão que o Editor do BS participa.
Vida longa e próspera ao Amazônia-1 e ao PEB (este último, que ainda teima em não querer mudar)!
Parabéns pelo zelo na redação, busca de informações e para com a verdade.
ResponderExcluirVida longa e próspera.