O Amazônia-1 continua bem, mas a transparência e o controle social do PEB vão de mal a pior!

Olá, leitora! Olá, leitor!

Como havíamos apresentado na nossa série de artigos (veja aqui, aqui e aqui) sobre o comportamento não nominal apresentado pelo satélite Amazônia-1, ao mesmo tempo que continuávamos (e continuamos) torcendo pelo sucesso do satélite, também esperávamos que os Órgãos Federais vinculados ao Programa Espacial Brasileiro (PEB) tivessem um maior apreço pela transparência e o dever de prestar contas a sociedade, expectativa essa que não vem se materializando no caso em questão, assim como em outras situações já demonstradas aqui no Brazilian Space.
Imagem representação do satélite Amazônia-1. 
Fonte: INPE (2014).

Como exemplos disso temos que:

1) Na matéria "Amazônia-1 apresenta comportamento não nominal" apresentamos a notícia com sobriedade, informando que o satélite tinha sido rastreado com um "comportamento não nominal" por radioamadores internacionais e no final dissemos que para confirmar tal fato, estávamos esperando uma nota oficial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) sobre o ocorrido, nota essa que nunca foi emitida.

2) Com as declarações absurdas do Diretor do INPE e do Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação sustentando que as notícias sobre a situação do satélite eram fakenews, apresentamos na "Carta Aberta ao Diretor do INPE" nossos veementes protestos contra essa tentativa de desqualificação generalista da imprensa especializada, reforçando nossa crença na resiliência do satélite e na capacidade dos técnicos do INPE em reverter qualquer situação adversa, mas reforçando a cobrança por um posicionamento oficial (nota) sobre os fatos ocorridos e os procedimentos realizados.

3) Depois de apurar mais afundo os fatos, na matéria "Amazônia-1: Funcionando bem e fornecendo imagens incríveis, o que tentaram esconder sobre as primeiras horas em órbita do satélite?", apresentamos o resultado do cruzamento das  informações do rastreio do satélite com declarações e depoimentos de fontes do BS, além de um estudo sobre boa parte do cenário que circundou os eventos envolvidos no caso, apresentando também que para ter um quadro mais detalhado, não contando com uma nota de esclarecimento do INPE, precisávamos de informações sobre o satélite, o que nos fez dar entrada (no dia 03/03/2021) em um pedido de acesso à informação (de acordo com a Lei de Acesso à Informação) perante o INPE (vide imagem a seguir).

Imagem pedido de informação ao INPE.


Assim, prudentemente, aguardamos a data de 23/03/2021 para esperar a resposta do INPE sobre o pedido de algo que já deveria ter sido apresentado pelo Instituto, relembrando que no final do artigo "Amazônia-1: Funcionando bem e fornecendo imagens incríveis, o que tentaram esconder sobre as primeiras horas em órbita do satélite?" questionamos se "em se tratando de transparência e de participação da sociedade, a pergunta que nos fazemos é: o nosso programa espacial vai ser conduzido nos moldes da antiga União Soviética ou como os programas da Europa e dos Estados Unidos?".

Outra versão

Enquanto aguardávamos a resposta do INPE ao nosso pedido de acesso à informação, ainda que não tivéssemos os detalhes e a cronologia precisa dos fatos, do que pode ser apurado, tínhamos (e ainda temos) certeza de que aquilo que narramos ocorreu e que os Órgão do PEB tentaram acobertar o ocorrido, mas foram  surpreendidos pelo alerta dos radioamadores e daí, pressionados, ao invés de optar pela via da transparência, adotaram o comportamento negacionista e de atacar quem estava divulgando e tentando apurar as informações.

Tanto é verdade que no vídeo da live realizada pelo MCTI para divulgar as primeiras imagens do satélite, realizada na noite do dia 09/03/2021, o Diretor do INPE assumiu que o satélite estava com um dos seus parâmetros "muito próximo do limite aceitável" e isso implicou na adoção de procedimentos para a recuperação do mesmo, ainda vangloriando-se que a equipe do INPE "recuperou o satélite em menos de 8 horas", como pode ser visto no trecho entre 1h e 2 min e 1h e 18 min do referido vídeo (veja aqui).

Mesmo assim, chegou recentemente ao conhecimento do BS uma nova versão, que nos foi transmitidas indiretamente por intermédio de um especialista no setor espacial, cuja identificação iremos preservar, assim como ele preservou a da sua (única) fonte.

Vamos transcrever ipsis litteris como a mensagem chegou a nós:

"... hoje tive uma explicação do que aconteceu com o AMZ1. Nada! 
Ou melhor, estava 'espinando' mesmo quando os radioamadores o pegaram. Mas foi uma manobra prevista e no plano de operações (e vc poderá ver isto se receber o plano que vc pediu). 30 segundos depois do lançamento (ejeção) os painéis se abriram. Em seguida para carregar as baterias o mais rapidamente possível os painéis são apontados para o Sol. Ai começa a explicação. O satélite não pode ficar nesta posição fixa por muito tempo por questões térmicas. Na face para o Sol ele esta a +80°C. Na face oposta, mirando a escuridão, ele esta a -60°C ou menos. Este gradiente de temperatura e inviável de ser sustentado por muito tempo. Ai entra a manobra conhecida como "porco no rolete". Ou seja, para homogeneizar a temperatura interna do satélite e o seu balanço térmico, ele utiliza uma manobra de tirá-lo do apontamento para o Sol, e gira-lo por algumas voltas (não tenho certeza de quantas e por quanto tempo - creio que foram duas) em torno de seus eixos. Tudo previsto e dentro do normal. Foi durante estas manobras que os radioamadores o pegaram e deu origem a toda confusão. 
O satélite está tendo uma performance muito acima das melhores expectativas que a equipe poderia ter. Há 100 parâmetros monitorados por segundo. A qualidade da imagem é reconhecida por empresa que trabalha com este produto. A câmera demonstra uma qualidade acima da unidade anterior no CBERS por causa dos requisitos mais exigentes do projeto e que estão mostrando resultados. E por causa do sistema de controle e estabilidade do satélite. Sistema este que teve grande participação nacional também na interface e novos componentes. Seria legal vc dar esta noticia sem citar a fonte. É um furo!! O INPE realmente errou em não publica-la até agora. Mas espero que venha a fazê-lo." 
 
Importante destacar que, não imputamos a responsabilidade pela informação ao portador da mensagem, mas precisamos depurar o conjunto de informações contidos na mensagem.

A parte que o "O satélite está tendo uma performance muito acima das melhores expectativas ... e novos componente" diz respeito a condição atual do satélite (que para alegria de todos é ótima), mas não está relacionada com o comportamento não nominal ocorrido no período entre o desacoplamento do satélite Amazônia-1 do último estágio do PSLV até as 14:00h de 03/03/2021 (horário de Brasília).

A parte que interessa é a da explicação da manobra de estabilização térmica do satélite, conhecida informalmente no Brasil como "porco no rolete" e nos Estados Unidos como "barbecue roll". Realmente essa manobra é comum, mas no caso em questão, não deveria durar 8 horas ou mais, que foi o intervalo de tempo em que os radioamadores dos Estados Unidos e da Itália rastrearam e observaram o comportamento anormal do satélite em seus rastreios.

Como normalmente o satélite aponta a câmera em direção ao planeta, os painéis solares giram em torno do seu eixo para melhor captarem a luminosidade do sol, portanto é normal para o satélite, mudar um pouco o ângulo das suas superfícies mais expostas ao sol, motivo pelo qual o Amazônia-1 possui um subsistema térmico desenvolvido nacionalmente que transfere internamente o calor de superfícies e componentes mais quentes para áreas mais frias.

Caso fosse um Satélite de Coleta de Dados (SCD), 1 ou 2, por exemplo, o giro de estabilização de apontamento do satélite (que possui painéis solares fixos) é também um dos principal mecanismos de estabilização térmica.

No caso em que o satélite está com os painéis solares travados, essa mudança do ângulo de incidência solar não ocorre, motivo pelo qual o giro do satélite em volta do seu eixo X é um procedimento necessário, mas que, só deveria durar 8 horas ou mais, caso o mesmo estivesse em um modo de sobrevivência (Survival Control Mode), conforme explicado na matéria "Amazônia-1: Funcionando bem e fornecendo imagens incríveis, o que tentaram esconder sobre as primeiras horas em órbita do satélite?".

Portanto, ainda que esse fato tenha realmente acontecido ele não seria a causa do comportamento não nominal do satélite, e sim, mais um efeito previsto para o modo de sobrevivência do satélite, quando do travamento dos painéis solares, após o giro que gerou a sua entrada nesse modo de controle.

Ou seja, essa informação que explica parte do problema não é a causa do todo, mas é parte dele e não o contrário.

Como o BS não se fecha para nenhuma informação apresentamos aqui a nossa análise destacando que a afirmação que "Nada!" ocorreu não encontra sustentação nos fatos, no que foi apurado pelo BS até então e nas próprias declarações do Diretor do INPE na live supramencionada.

O fato é que, diferentemente de um incidente na superfície do planeta ou na nossa atmosfera, não há como esmiuçar a cronologia e detalhes do que ocorreu, sem as informações oriundas da telemetria do próprio satélite, conforme a nossa fonte destaca: "vc poderá ver isto se receber o plano que vc pediu".

No entanto leitor e leitora do BS isso não vai ser possível, pois o INPE nos respondeu, como já imaginávamos, com a negativa de acesso às informações solicitadas, conforme imagem a seguir:

Imagem da resposta original ao pedido de informação ao INPE.

Quando o silêncio já é uma resposta

Sem entrar na fundamentação para a negativa, se o INPE apresentasse uma nota oficial sobre o que ocorreu com o satélite Amazônia-1 no período do comportamento não nominal em tela, esse documento (com todo o aludido segredo ora avocado) poderia, de modo mediado, ter fornecido os esclarecimentos que a sociedade brasileira e a comunidade espacial desejam, merecem e têm direito.

Em verdade, essa negativa só corrobora o todo do que foi apurado pelo BS e que os entes do PEB são avessos ao dever do comportamento transparente e de prestação de contas para com as sociedade pagadora dos impostos que financiam projetos espaciais e a existência desses próprios entes.

Por outro lado, os representantes desses entes do PEB querem ser vistos e se comportam em lives ou em reportagens como estrelas da NASA ou da ESA, mas sem as obrigações de transparência e controle social que essas entidades tem.

Ai, quando a sociedade ressabiada com esse comportamento fugidio não pressiona deputados e senadores e não cobra por mais recursos para o PEB, estes mesmos atores se apresentam como vítimas e como incompreendidos, usando esse mesmo fato como justificativa maior para a sua baixa capacidade de realizações, sem em nenhum momento rever os seus atos e o seu comportamento, comportamento este que é o promotor da falta de apelo popular e de mobilização nacional em prol do nosso programa espacial.

Assim, diante da negativa do INPE, recorremos da não liberação das informações solicitadas, pois, rebatendo as alegações da resposta do Instituto, destacamos que que:

1) A partir do momento em que o satélite é lançado, o mesmo deixa de ser um projeto de pesquisa e se materializa como um equipamento operacional, ou seja, como um projeto se encerra quando entra em operação, no memento em que foi lançado, o Amazônia-1 deixou o status de projeto de pesquisa, não podendo ser alegado o sigilo sobre o mesmo.

2) A definição ou classificação de uma informação como sigilosa não é automática e depende de manifestação motivada de autoridade competente para proceder com tal classificação. Nesse ato devem ser definidas quais informações são sigilosas ou não e qual a justificativa para enquadrar tal sigilo como "imprescindível à segurança da sociedade e do Estado" (esperando que os gestores do INPE saibam diferenciar segurança do Estado de segurança de Governo). Portanto, não existindo esse ato motivado da autoridade competente, anterior ao pedido de acesso à informação por nós realizado, não haveria prévia motivação ou necessidade de classificação de tais informações, sendo então a recusa fato casuístico e, portanto, não fundamentada, o que poderá sujeitar o responsável por tal negativa a medidas disciplinares, nos termos do art. 32 desta Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), conforme o § 4º do Art. 7º da referida lei.

3) Na solicitação não se pediu informações sobre segredos industriais ou de sigilo de pesquisa, mas dados de comportamento do satélite (dados de telemetria) que são outputs de mecanismos de hardware e software internos, que não precisam ser expostos e não são passíveis de reprodução somente com essas informações emanadas pelo satélite.

Imagem do recurso em 1a instância ao pedido de informação ao INPE.

Portanto, leitor e leitora, mesmo já tendo confirmadas as nossas informações com a negativa do INPE e ainda que o Amazônia-1 esteja operando bem, devemos cobrar (todos nós) por um PEB mais transparente e aberto a prestação de contas à sociedade.

Rui Botelho
(Brazilian Space)

Última alteração: 25/03/2021 08:40h.

Comentários

  1. Prezado Professor Rui,

    Essa falta de transparência de informar algo presumivelmente comum, ou o quer que tenha havido sugere alguns comportamentos, não muito louváveis, ainda mais se tratando de gestão pública: erro ou omissão de comunicação adequada na cadeia hierárquica do órgão, e a impressão de que o público não tem o direito de saber exatamente o que houve - a tal da prepotência irreal de autoridades que deveriam servir a nação e não se agarrar a um cargo.
    Os problemas, se existiram, deviam ser oportunidade e argumento válido para a aprendizagem e sua contínua melhoria. É o registro e o monitoramento das lições aprendidas. Na missão Apolo XI quando o módulo Eagle estava em procedimento de alunissagem, seu computador gerou dois códigos de erro em sequência. Ocorre que as equipes técnicas já os conheciam muito bem e o que causava o erro, sem consequências para a missão. O módulo Eagle da Apolo XI pousou dois astronautas na Lua.
    Mesmo na URSS, sem transparência, devido a natureza daquele regime, tinham resultados que eram espetaculares, não esse vai e vem nebuloso de décadas.
    Acredito que no INPE e na AEB tenham pessoas muito capazes e sérias, mas parece que não são eles que dão as cartas. O que vejo: "PEB - o porco no rolete da nação".

    Um abraço, e que Deus nos dê esperança e muita paciência.

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  2. O que vem a ser "controle social do PEB"?

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  3. Prezado Morais,
    Obrigado pela sua participação e pela pergunta pertinente. Me valendo da definição de "Controle Social" de CARVALHO; SANTOS (2018), cito:

    "O Controle Social das Políticas Públicas no Brasil é um instrumento capaz de ampliar os horizontes dos processos democráticos e de contribuir para redução das desigualdades sociais, de forma substantiva e tornando-se igualitária, promovendo assim o acesso dos cidadãos aos direitos fundamentais básicos individuais, sociais, políticos e jurídicos, para quem dela necessitar como preconiza a Constituição Federal de 1988. Os processos democráticos e de participação social não tem conquistado grandes avanços em função das resistências impostas por parte do governo, assim como pelas limitações dos cidadãos, no que se refere a falta de conhecimento de seus direitos pela utilização dos instrumentos que viabilizem o exercício à sua cidadania. Assim, nasce o desejo refletir sobre a eficácia e eficiência da instância de Controle Social ... através da participação popular, dialogando governo e sociedade civil. ... concluindo assim que se faz necessário um maior conhecimento e compreensão no quem vêm a ser instância de Controle Social, afim de que se possa democratizar os mecanismos de participação, para que de fato a política possa avançar e ser executada com transparência, respeitando sempre os princípios constitucionais."

    Assim, meu nobre Morais, no caso da presente matéria e de outros anteriores apresentados pelo BS, o PEB e seus entes são extremamente avessos a Participação da Sociedade e da Transparência quanto a elaboração e participação na execução e acompanhamento das políticas públicas, dos programas, dos projetos, dos planos e das ações ligadas ao PEB.

    Abraço

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    1. Hola se sabe algo de la misión Aster, al asteroide?

      Cuando se lanza?

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    2. Hola Erick, Qué tal?

      Muchas gracias por su mensaje!

      Lo que hemos escuchado és que la misión está em stand-by e sin perspectivas de continuación.

      En 2019, nosotros publicamos un post pediendo para el Ministro que no olvidarse del proyecto Aster, pero, asta ahora sin respuestas.

      Abrazo!

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  4. Infelizmente, desde a mudança de governo, festejada por muitos seguidores e inclusive administradores de sites da área espacial, que não temos nenhum novo projeto ou ao menos previsão de novos projetos na área espacial, a única coisa que fizeram e que também até agora em nada resultou foi a "doação" da Base de Lançamento de Alcántara.
    A torre de lançamento está lá "as traças", e nossos foguetes a muito custo desenvolvidos, sem nenhuma perspectivas de serem lançados. É de dar dó!!
    Sou apenas um entusiasta e era admirador do Ministro da Tecnologia pelo seu indiscutível "grande feito" de participar de uma missão espacial da NASA, tendo ficado em orbita na Estação Espacial. Destruiu seu currículo quando resolveu se associar a esses escroques, além de em nada contribuir para o PEB.
    Não tenho nenhuma esperança de que a AEB possa evoluir.
    Abraços e boa noite.
    Fernando Molina
    Um cidadão brasileiro

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  5. O que tenho agora não é um comentário, são algumas questões:
    - Como está o projeto "SARA".
    - Como está o projeto VLM.
    - O VLS ainda tem alguma perspectiva??
    - Como anda o VS50.

    Temos alguma esperança???
    Obrigado
    Fernando Molina

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