[Editorial Especial] O Aniversário de 27 anos da AEB: o que comemorar, o que desejar e o que ofertar nessa data?
O Aniversário de 27 anos da AEB: o que comemorar, o que desejar e o que ofertar nessa data?
[Editorial Especial]
Rui Botelho
Em 10 de fevereiro de 1994, há exatos 27 anos, era criada com natureza civil, via Lei n.º 8.854/94, a Agência Espacial Brasileira (AEB). Concebida para concentrar e coordenar os esforços nacionais para a consecução do Programa Espacial Brasileiro (PEB), em substituição a sua antecessora, a Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (Cobae), segundo sua lei de criação, a Agência deve executar, fazer executar e atualizar a Política Nacional de Desenvolvimento da Atividades Espaciais (Pndae), sendo o principal ator e Órgão Central do Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Sindae).
Originalmente vinculada à Presidência da República, respondendo diretamente ao Presidente, em termos de governança e de gestão, a história desses 27 anos da AEB é marcada por uma constante e gradual perda de autonomia e uma consequente perda de relevância dentro da estrutura do Estado, desde que, a partir de 2000, passou a ser vinculada, via decreto (Decreto n.º 3.566, de 17 de agosto de 2000), ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
Se por um lado a ida para o MCTI tenha representando, teoricamente, um alinhamento com outros entes de pesquisa e desenvolvimento tecnológico nacionais, por outro lado, essa incubação de um ente que nasceu sem quadros próprios dentro do Ministério tornou a AEB dependente e submissa ao ponto de só ter realizado o seu primeiro concurso, para obtenção de servidores próprios, em 2014, 20 anos depois da sua criação, com os primeiros 63 servidores de carreira sendo chamados para assumir suas funções nos anos de 2016 e 2017.
Essa situação criou uma falta de cultura interna e uma percepção externa de uma agência sem identidade e sem cultura próprias, que sempre foi ocupada e loteada por pessoas que não estavam ali para representar os verdadeiros interesses e objetivos institucionais próprios da Agência, de modo que a AEB sempre se pautou em servir de trampolim e instrumento institucional em prol de outros entes e grupos, sem ter uma visão estratégica e de futuro próprias e sem a preocupação de defender efetivamente os interesses institucionais próprios da Agência perante os demais entes do PEB, do Governo e da Sociedade.
Essa situação fez com que a AEB perdesse não só a sua representatividade institucional e poder político dentro da esfera estatal federal, mas, também, o poder de interlocução com outros entes governamentais de primeiro escalão, sendo as pautas da AEB e do PEB preteridas e menos prestigiadas do que outros programas mais bem patrocinados por um suporte institucional e político mais consistentes.
Essa anti-fórmula é a o que vem sendo seguido ao longo da sua história e isso impactou a AEB a ponto de em 2015, talvez o ápice da sua crise existencial, mesmo sendo o Órgão Central do Sindae, a Agência ter sido desconsiderada para compor um Grupo Trabalho Interministerial (GTI), criado pelo MD e pelo MCTI (a quem a AEB é vinculada! Pasmem!), via Portaria Interministerial MD/MCTI nº 2.151, de 02 de outubro de 2015, para a discussão de uma nova governança e os novos programas e projetos do PEB.
Se, para muitos, esse fato passou desapercebido, José Montserrat Filho é categórico em apresentar em seu memorável texto "Presente de Aniversário para a Agência Espacial Brasileira"*, de 10 de fevereiro de 2016 (aniversário de 22 anos da Agência), duas alternativas possíveis para essa situação anômala e vexatória: acatar a lei de criação da AEB e rever o ato administrativo que criou esse GTI, incorporando a referida autarquia ao seu devido lugar na discussão do futuro do PEB ou, ainda que dolorosamente, revogar a lei de criação da AEB e, consequentemente, extingui-la.
Apesar do brado corajoso do Dr. Monserrat Filho em defesa da AEB, esse ato administrativo / político grotesco, não foi revogado e os seus efeitos foram sentidos até o ano de 2019. Nesse ano, o resultado do trabalho enviezado e canhestro produzido por esse GTI serviu de base para proposições de governança do PEB, as quais avocariam para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) todas as competências e atribuições constantes na essência legal de existir da AEB e do seu Conselho Superior, deixando a Agência ao largo do PEB, como uma "Rainha da Inglaterra" sem a majestade, a qual só teria o papel de celebrar acordos internacionais e de gerir o próprio orçamento.
Felizmente, ainda que por muito pouco, essa sentença de morte de fato e de direito da AEB não prevaleceu. Por outro lado, vemos ao longo dos anos, pelas notícias que ainda temos o desprazer de publicar aqui no Brazilian Space, que muitos gestores, com pouca ou nenhuma identificação com a Agência, ainda não a representam verdadeiramente e não incorporam o espírito de corpo e de defesa dos interesses do ente AEB, atuando, prioritariamente, em busca do atingimento de agendas próprias ou de grupos políticos / econômicos que representam, em detrimento da valorização e promoção real da Agência, dentro e fora da estrutura de governo.
Assim, nesse aniversário de 27 anos da minha querida Agência Espacial Brasileira (AEB), me pergunto o que comemorar dentro desse cenário distópico em que a AEB ainda se encontra, além do fato dela, ainda que aos trancos e barrancos, esteja "respirando" e sobrevivendo para continuar lutando por dias melhores?
Me pergunto também, o que poderia desejar a Ela, além dos votos de defesa que apresentei aqui, meus e da grande maioria dos verdadeiros e desinteressados entusiastas do PEB, na busca e na esperança de vê-la retornar para junto da Presidência da República, de modo a sinalizar para o setor espacial brasileiro e mundial que o PEB está sendo guindado ao status estratégico dos interesses da Nação, como nunca deveria ter deixado de ser?
E por último, o que ofertar para a AEB, além da minha disposição constante em defende-la, inclusive contra aqueles que continuam a usá-la para atendimento de agendas pessoais ou de grupos de interesse que, como nuvens de gafanhotos, tomam tudo que desejam, e pouco se importam, verdadeiramente, com a Instituição e sua reputação perante a sociedade?
Sinceramente, a única coisa que posso ofertar, no campo das ideias e dos valores, é permanecer alerta e fiel a esse ideal e continuar acreditando no sonho de uma AEB forte, representativa, eficiente, valorizada, respeitada e capaz de transformar o Programa Espacial Brasileiro, que esse ano em completa 60 anos de existência oficial (Decreto Nº 51.133, de 3 de agosto de 1961 - Cria o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Estudos Espaciais e dá outras providências), em um programa inspirador e mobilizador nacional, em prol do objetivo de promover e manter a capacidade de exploração nacional sustentável do espaço, assim como o Brasil, guardadas as devidas proporções, vem fazendo com o continente Antártico, por exemplo.
Para materializar essa contribuição, humildemente dedico a AEB e a todos que querem vê-la pujante e como ferramenta transformadora do Brasil no setor espacial, todos os trabalhos que já produzi sobre a Agência e o PEB, mas, em especial, o livro de minha autoria "Agência Espacial Brasileira - Um diagnóstico de gestão", que está em fase final de produção e será lançado ainda no primeiro semestre deste ano.
Sendo assim, na esperança de dias melhores não posso deixar de evocar:
Vida longa e próspera à Agência Espacial Brasileira (AEB), ao PEB e ao Brasil!
* O texto original do Dr. Monserrat foi publicado no site da AEB no seguinte link: http://www.aeb.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Artigo-Anivers%C3%A1rio-AEB-2016.pdf. No entanto, com as constantes mudanças do site da AEB dos últimos anos, o link acima ficou perdido e, para nossa sorte o site Sul21 republicou essa bela e histórica peça de defesa da AEB (https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2016/02/presente-de-aniversario-para-a-agencia-espacial-brasileira-por-jose-monserrat-filho/).
Brilhante relato e uma constatação de a quantas andou e ainda se arrasta este Ente valioso. Parabéns Dr Rui Botelho pela humildade e coragem de apontar as conquistas e as mazelas!
ResponderExcluirEsperamos dias melhores!
Olá Prof Rui Botelho!
ExcluirConcordo com a avaliação feita pelo leitor acima. Realmente um brilhante artigo, certamente entre os melhores que o senhor já escreveu. Continue assim, pois precisamos de pessoas como o senhor, pessoas de atitude que venham a público dizer a verdade e nada mais do que a verdade sob os bastidores do nosso pífio PEB.
Abs
Duda Falcão
E o motor S-50 alguma novidade??
ResponderExcluirÉ um lançador baseado no VS-30??
Tá tudo tão parado...
De acordo com uma resposta da AEB a um questionamento meu, em Maio e Setembro deste ano haverá testes em solo do S50, e Junho/22 o primeiro voo, isto se não atrasar novamente. Parabéns Rui pelo livro, ele certamente ajudará muito a AEB no futuro!
ExcluirA Acrux Aerospace Technologies continua seus esforços em relação aos lançadores da família MONTENEGRO, baseados no motor S30, porém continuamos buscando meios de financiar seu desenvolvimento, lembrando que esses recursos são muito inferiores aos R$ 70M investidos na Avibras com recursos públicos para o desenvolvimento do S50. Também é importante salientar que a atual configuração de voo de um VLM usando motores S50 difícilmente terá capacidade de satelitizar 50kg, ou seja, o veículo para ser minimamente competitivo e não virar apenas "ajuda" financeira a certas empresas e realmente operacionalizar o CLA, precisaria ter uma relação de preço de carga (US$/kg) da ordem de 20kUS$/kg no máximo, caso contrário o mercado fatidicamente o rejeitará. Basicamente isso demandaria que cada lançamento completo do VLM custasse até US$ 1M... Se nos basearmos no VLS, que custava na faixa dos US$ 10M usando boa parte infraestrutura pública, qual a probabilidade de um VLM manufaturado majoritariamente pela Avibras terá de conseguir clientes além do gov. BR?
ExcluirA jogatina financeira é prioridade absoluta. Sozinha consome a metade do orçamento. O resto é somente o resto.
ResponderExcluirCorreto....o Brasil ainda está subordinado as grandes potencias..por isso o programa espacial se transformou apenas num lugar apenas de cabide de empregos.....
ExcluirE muita humilhação que passamos.
O futuro do programa espacial brasileiro é apostar na iniciativa privada (Startup). Infelizmente órgão governamental (AEB) no Brasil não funciona.
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