Constelações de Satélites e o Espaçoporto dos Açores como Alavancas para Portugal e a Autonomia Europeia no Espaço
Olá Entusiasta,
Em entrevista ao podcast "À Prova do Futuro", publicada no dia 07/04/2025 (ouça aqui), o Presidente da Agência Espacial Portuguesa (Portugal Space), Ricardo Conde, apresenta a situação atual, as necessidades e expectativas para o futuro de Portugal e da Europa (leia-se membros da Agência Espacial Europeia - ESA) no cenário geo e astropolítico que está se desenrolando para as próximas décadas.
Um Novo Paradigma Espacial Português
Segundo Conde, Portugal está posicionando-se como um ator estratégico no cenário espacial europeu, com projetos ambiciosos que incluem a construção (finalmente) do Espaçoporto do Açores (Santa Maria) e o desenvolvimento de duas constelações de satélites: a ATOM e a Constelação do Atlântico, esta última em parceria com a Espanha. O presidente da Agência Espacial Portuguesa (AEP), destacou a meta de duplicar o investimento nacional no setor espacial para €200 milhões até 2027 (cerca de R$ 1,3 bilhões de reais), com um primeiro lançamento suborbital em Santa Maria previsto para o primeiro semestre de 2026.
Este movimento ocorre em paralelo aos debates sobre a viabilidade e competitividade do Espaçoporto dos Açores frente a outros centros continentais da Europa, como Saxaford (Escócia), Andoya (Noruega) e Esrange (Suécia) ou, até mesmo Korrou (Guiana Francesa, na América do Sul). Além do comparativo com Alcântara (Brasil), o artigo acadêmico "Instalação do Espaçoporto dos Açores e a Concorrência com Alcântara: Estudos, Considerações e os Seus Reflexos para o Brasil", de 2019 (veja aqui), faz uma reflexão sobre o contexto da sua criação, os aspectos de viabilidade do Espaçoporto Açoriano e da sua vantagem de lançar micro e minisatélites sentido sul, para órbitas baixas e de média e alta inclinação quando comparado com Korrou, demandando uma logística e custos muito inferiores ao centro europeu na América do Sul, para este tipo de missões.
Portugal e a Estratégia de Autonomia Europeia
Em um continente onde a geopolítica se redesenha entre crises e ambições, Portugal emerge como um arquiteto discreto, porém audacioso, de uma nova era espacial europeia. Entre 2019 e 2024, a economia do espaço no país triplicou seu valor, saltando de uma modesta faixa de €60-80 milhões para €134 milhões. Esse crescimento não é mero acaso, mas fruto de uma teia de 80 empresas – desde as produtoras de componentes críticos, como as válvulas dos motores do lançador VEGA, até as visionárias que desenvolvem sistemas de propulsão para satélites – que transformaram o território luso em um laboratório de inovação.
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Ricardo Conde, Presidente da Portugal Space (Créditos: À Prova do Futuro - ECO). |
Além disso, Portugal detém uma Zona Econômica Exclusiva Extendida (ZEEE) de dimensão notável, classificada como a 5ª maior da Europa e a 20ª do mundo, que pode chegar a 4 milhões de km² de águas jurisdicionais (a titulo de comparação a nossa Amazônia Azul tem cerca de 6 milhões de km²) ricas em biodiversidade, recursos minerais submarinos e potenciais energéticos renováveis. Essa vastidão marítima, contudo, contrasta com o reduzido território continental do país, impondo desafios logísticos e tecnológicos para sua efetiva gestão, proteção e exploração sustentável.
A utilização de sistemas espaciais — como satélites de observação, monitoramento remoto e comunicações avançadas — torna-se essencial para vigiar atividades ilegais, mapear recursos, otimizar a pesca, avaliar reservas de hidrocarbonetos em águas profundas e desenvolver projetos de energia eólica offshore ou "azul", por exemplo. Sem investimentos robustos em tecnologia espacial e cooperação internacional, Portugal corre o risco de subaproveitar essa riqueza estratégica, especialmente diante de ameaças como pesca predatória, mudanças climáticas e disputas geopolíticas. A ZEEE, portanto, não apenas pode consolidar o país como potência marítima global, mas exige inovação contínua para transformar limitações territoriais em oportunidades econômicas e científicas de longo prazo.
Nesse contexto, Conde reforça que o foco principal atual da Portugal Space está em:
- Constelação do Atlântico: Satélites para monitoramento marítimo e ambiental, em colaboração com Espanha. É uma rede de satélites dedicados à vigilância das águas e do clima. Mais do que uma ferramenta tecnológica, assim com previsto no projeto do Atlantic Air Center, ese desenvolvimento é um ato geopolítico com o objetivo de monitorar o Atlântico, controlar rotas marítimas, antecipar desastres ambientais e, acima de tudo, reduzir a dependência de dados terceirizados por potências extraeuropeias.
- Porto Espacial de Santa Maria: Projeto do Atlantic Spaceport Consortium, com licenciamento em curso e primeiros voos suborbitais previstos para 2026. É um projeto estruturante e mobilizador que promete ser mais do que uma plataforma de lançamento, mas um símbolo de agilidade em um setor historicamente lento. Com licenciamento em andamento e voos suborbitais previstos para 2026, o projeto mira a "resposta rápida" – conceito vital em um cenário onde conflitos, como o da Ucrânia, provaram que satélites podem ser tão decisivos quanto tanques. Santa Maria não compete apenas com sua localização; compete pelo tempo. Enquanto bases tradicionais demandam meses de preparação, a Europa ensaia lançamentos em semanas, usando foguetes como o Spectrum da Isar Aerospace, cujo teste na Noruega, ainda que breve, foi um suspiro de esperança.
Conde enfatiza ainda a necessidade da Europa reduzir a dependência de empresas como a SpaceX, responsável por 90% dos lançamentos globais. A retirada do apoio da Starlink à Ucrânia, por exemplo, acelerou a busca por alternativas europeias, como o GOVSATCOM 1 (sistema de comunicações governamentais via satélite). A meta é triplicar o investimento europeu em acesso ao espaço, atualmente metade do orçamento civil dos EUA.
Conclusão
Em resumo, com seu território continental modesto e orçamento espacial enxuto, mas com uma enorme Zona Econômica Exclusiva Extendida cheia de riquezas, Portugal vem buscando provar que o espaço não é um domínio exclusivo de superpotências. Entre satélites que vigiam o Atlântico (suas riquezas marinhas e do seu subsolo) e um espaçoporto que desafia a burocracia europeia, o país busca se posicionar estrategicamente na corrida espacial do século XXI. No entanto, para consolidar-se como um protagonista na economia espacial global, Lisboa precisa ampliar investimentos e ousar nas suas ambições.
A meta de duplicar o orçamento para €200 milhões até 2027 é um início, mas insuficiente diante de um setor que movimenta US$ 546 bilhões globalmente (dados de 2024). Para além de Santa Maria e das constelações, Portugal deve:
1) Diversificar ainda mais as parcerias com startups europeias;
2) Atrair fundos privados, criando incentivos fiscais para investidores que apostem em projetos de deep tech espacial;
3) Posicionar-se como ponte entre Europa, África e América Latina, oferecendo serviços de lançamento e dados geoespaciais a países emergentes.
Esse posicionamento mais ativo de Portugal pode torná-lo um hub espacial europeu e mundial, atraindo e diversificando parceiros e investimentos para trabalharem em conjunto com os tradicionais centros acadêmicos e de pesquisa portugueses, servindo como ponte entre a economia europeia e mundial do setor.
Brazilian Space
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