Uma Jornada Até Plutão
Olá leitor!
Segue um interessante artigo publicado na edição de
Agosto de 2015 da “Revista Pesquisa FAPESP”, destacando a jornada da nave
americana New Horizons ao planeta-anão Plutão, jornada esta que contou com a ajuda
de modelos computacionais desenvolvidos pela pesquisadora Silvia Giuliatti
Winter, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), especialista em Dinâmica Orbital.
Duda Falcão
TECNOLOGIA
Uma Jornada Até Plutão
Bem-sucedida na tarefa de observar o planeta anão, a
sonda
New Horizons precisou resistir a ameaças de cancelamento
da missão
SALVADOR NOGUEIRA
Revista Pesquisa FAPESP
ED. 234 | AGOSTO 2015
© NASA /JHUAPL/SWRI
Primeira imagem da
atmosfera plutoniana, obtida sete horas depois
da aproximação máxima: mais
nebulosa e mais alta do que o previsto.
|
A conclusão bem-sucedida da primeira missão a Plutão foi
amplamente noticiada, mas quase nada se disse do trabalho que deu chegar até lá
– tanto os desafios tecnológicos quanto os políticos. A sonda New Horizons foi
um dos projetos mais arrojados – e ameaçados – já levados a cabo pela NASA, a
agência espacial norte-americana. A espiadela no planeta (ou ex-planeta,
conforme decisão da União Astronômica Internacional) sobre o qual se sabia
muito pouco já revelou traços de uma geografia e uma composição surpreendentes
e promete muito mais para os próximos tempos. Os resultados devem deixar cientistas
do mundo todo bastante ocupados por pelo menos uma década.
O desafio técnico, por si só, já foi extraordinário.
Partindo da Terra, a sonda precisava ser conduzida pelo espaço de forma a
atravessar um retângulo imaginário de 150 por 100 quilômetros (km) localizado a
quase 5 bilhões de km daqui. Numa comparação ilustrativa apresentada por Glen
Fountain, gerente de projeto da New Horizons, era como dar uma tacada de golfe
em Nova York e acertar o buraco em Los Angeles – na primeira tentativa.
E o que aconteceria se a sonda não passasse por essa área
imaginária, em sua aproximação final a Plutão? Basicamente, ela apontaria os
instrumentos para o espaço vazio, uma vez que seus objetos de estudo não
estariam nos locais previstos. Toda a programação de observações tinha de ser
automatizada e armazenada nos computadores da sonda dias antes da aproximação
máxima, sem margem para correções de última hora.
Em certo sentido, a New Horizons reproduziu o sucesso
obtido pelas sondas Voyager 1 e 2, que nos anos 1970 e 1980 visitaram os quatro
maiores planetas do Sistema Solar – Júpiter, Saturno, Urano e Netuno –, antes
de deixar para sempre o Sistema Solar. Ocorre que o nível de precisão requerido
para uma missão a Plutão é maior. Não só ele estava mais distante que qualquer
dos alvos visitados pela Voyager como se move mais devagar, o que torna mais
difícil determinar com precisão a órbita em torno do Sol e, com isso, sua
posição a cada momento. O sistema plutoniano era tão desconhecido que, quando a
sonda começou a ser preparada, em 2001, só a maior de suas luas, Caronte, era
conhecida. Em 2005, por ocasião de observações de reconhecimento feitas com o
Telescópio Espacial Hubble, os astrônomos encontraram mais duas: Nix e Hidra. E
somente em 2011 e 2012, quase na reta de chegada da New Horizons, as duas
últimas conhecidas – Cérbero e Estige – foram achadas. É bem possível que as
imagens da New Horizons revelem mais objetos nas redondezas. “Acredito que, com
as imagens que ainda serão enviadas, há grandes chances de se descobrir novos
satélites”, diz a especialista em dinâmica orbital Silvia Giuliatti Winter, da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) em Guaratinguetá.
Modelos computacionais elaborados por ela ajudaram a
equipe da New Horizons a planejar a travessia mais segura da região durante o
sobrevoo, conforme a sonda se aproximou a apenas 12,5 mil km da superfície do
planeta anão (ver Pesquisa FAPESP nº 210).
Durante os anos que antecederam o lançamento, contudo, a
maior ameaça à missão foi bem mais prosaica: cortes no orçamento da agência
feitos pelo governo norte-americano. Em 2000, a NASA decidiu cancelar o projeto
então em andamento, chamado Pluto Kuiper Express, conduzido pelo Laboratório de
Propulsão a Jato (JPL). Mas os congressistas americanos, que historicamente se
mobilizam em favor de expedições de ciência planetária, restituíram a missão, e
a NASA lançou um anúncio de oportunidade solicitando ideias com custo mais
baixo. Daí nasceu a New Horizons, operada pelo Laboratório de Física Aplicada
(APL) da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Foi a chance de Alan
Stern, cientista-chefe da missão, pôr em prática planos que ele já elaborava
desde 1989.
© NASA /JHUAPL/SWRI
Retrato oficial: área em forma de coração ganhou
o nome
de Tombaugh Regio.
|
Ainda que a
etiqueta de preço tenha ficado mais barata que a antiga Pluto Kuiper Express,
foram gastos respeitáveis US$ 720 milhões. E mesmo depois da oficialização da
missão, em 2001, ela passou por apuros. Em 2002, a Casa Branca (então ocupada
por George W. Bush) tentou mais uma vez cancelar a missão. O Congresso,
novamente, não deixou. Os resultados científicos, e por que não dizer
midiáticos, observados a partir de julho de 2014 foram fruto direto daquelas
intervenções providenciais dos parlamentares americanos.
A Terceira Zona
A exploração
de Plutão marca a primeira visita de uma espaçonave a um território até então
inexplorado do Sistema Solar. Nas regiões mais internas ficam os planetas
rochosos, dos quais a Terra é o maior representante. Indo mais longe, há os
planetas gigantes gasosos, dos quais Júpiter é o maior. E, cruzando a órbita de
Netuno, temos um agregado com centenas de milhares de objetos, o chamado
cinturão de Kuiper, do qual Plutão é o maior representante.
“A passagem
da sonda é um marco no conhecimento da chamada Terceira Zona do Sistema Solar”,
diz Silvia. “Acredito que os dados enviados pela sonda New Horizons nos trarão
surpresas de Plutão e do próprio cinturão de Kuiper. Provavelmente teremos de
rever e adequar os modelos dinâmicos de formação e evolução dos objetos do
Sistema Solar.”
Num trabalho
recente, publicado no início de 2015, a pesquisadora da UNESP e seus colegas
sugeriram que Plutão poderia ter se formado numa região mais interna do Sistema
Solar e só depois teria migrado para o cinturão de Kuiper, sem que isso
acarretasse a perda de seus satélites. Há razões para desconfiar que o planeta
anão não seja mesmo nativo do cinturão de Kuiper, pois faltaria massa para
produzir um objeto daqueles por ali, há 4,5 bilhões de anos. A questão ainda é
controversa.
Controvérsias
e surpresas é que não faltaram já nas primeiras imagens colhidas durante a
aproximação final. Elas revelaram um cenário geológico bastante inesperado.
Cadeias de montanhas de gelo de água e terrenos geologicamente jovens, com
menos de 100 milhões de anos, contrastam com regiões mais escuras e cheias de
crateras, representando terrenos intocados por bilhões de anos. Tudo indica que
ainda há processos movidos por calor interno em Plutão, algo difícil de
explicar pelos atuais modelos geofísicos. O que se vê na superfície desse
pequeno mundo com 2.372 km de diâmetro, que deveria estar geologicamente morto,
pode até sinalizar a existência de um oceano de água líquida sob as profundezas
de sua enorme crosta de gelo. “Parece que o Sistema Solar resolveu guardar o
melhor para o final”, brincou Alan Stern em uma das muitas entrevistas
coletivas concedidas para apresentar os primeiros resultados científicos da New
Horizons.
© ARQUIVOS OBSERVATÓRIO LOWELL
Clyde Tombaugh no
observatório Lowell,
onde em 1930 descobriu o planeta…
|
Quanto à
superfície, ela parece conter gelos de diversas substâncias – água no caso das
montanhas, mas sobretudo metano e outros compostos orgânicos, nitrogênio e
monóxido de carbono. Aparentemente, este último é um componente importante da
área mais brilhante e lisa de Plutão, batizada pela equipe da sonda de Tombaugh
Regio, em homenagem ao descobridor do planeta anão, o astrônomo americano Clyde
Tombaugh.
Os
pesquisadores também encontraram algumas surpresas na atmosfera de Plutão.
Alguns dos modelos atmosféricos sugerem que o ar plutoniano poderia ser um
fenômeno apenas temporário, que se congela e colapsa quando se aproxima do
afélio (ponto mais distante do Sol), voltando a se vaporizar no periélio (ponto
mais próximo do Sol). Verificar essa hipótese foi um dos argumentos que
salvaram a missão do cancelamento em 2002. Agora, 25 anos depois do último
periélio, é um bom momento para analisar a atmosfera e testar os modelos. Com
os dados colhidos, ainda não foi possível determinar se isso realmente ocorre.
Mas já sabemos que ela é um pouco mais fria e menos espessa do que se
imaginava.
Um dos
cientistas brasileiros mais interessados nesses resultados em particular é
Felipe Braga-Ribas, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em
Curitiba. Ele estuda fenômenos conhecidos como ocultações estelares – momentos
em que objetos do cinturão de Kuiper, como Plutão, passam à frente de uma
estrela mais distante, com relação ao campo de visada aqui na Terra. Ao
observar o padrão de obscurecimento da estrela conforme ela se esconde primeiro
atrás da atmosfera, depois atrás da superfície de Plutão, é possível inferir
propriedades atmosféricas como pressão ou temperatura.
“Os dados
das ocultações estelares complementam aqueles obtidos pelo instrumento Alice da
New Horizons, de ultravioleta”, diz Braga-Ribas. “O Alice consegue medir a
atmosfera até uns 170 km de altitude, e com ocultações conseguimos ir o resto
do caminho, até próximo à superfície.”
O brasileiro
espera que a incrível fonte de dados que será a New Horizons servirá para
decifrar o estado atual da atmosfera de Plutão. A partir daí, com novas
ocultações estelares, será possível investigar como ela evolui com o passar do
tempo, para então verificar processos como o hipotético colapso temporário da
atmosfera.
Caronte, a
maior das luas, também se revelou especialmente intrigante. A superfície não é
tão renovada quanto a de Plutão, mas ainda assim é mais jovem do que o
esperado, e uma região escura no polo é um mistério completo para os
cientistas.
O Futuro
O nível de
empolgação dos cientistas com os dados produzidos pela sonda lembra o de uma
torcida em final de campeonato. Literalmente. “Na semana do sobrevoo, após a
última conferência da NASA, eu e o pessoal da equipe de que faço parte fomos
com todos os membros do time da New Horizons assistir a um jogo de beisebol do
Nationals, em Washington”, conta André Amarante, pesquisador do grupo da UNESP
de Guaratinguetá e que no momento faz uma parte do doutorado na Universidade de
Maryland, em Laurel (mesma cidade que sedia o APL).
© ARQUIVOS OBSERVATÓRIO LOWELL
… batizado por sugestão de Venetia Burney, 11 anos,
transmitida por telegrama do astrônomo H. H. Turner.
|
“O jogo teve
de ser paralisado algumas vezes por falta de energia, e enquanto isso o Alan
Stern começou a mostrar para as pessoas imagens de Plutão, diretamente do seu
celular. Foi demais! Agora sabemos onde chega o sinal da New Horizons”, brinca
Amarante.
O interesse
específico de Amarante é encontrar objetos em regiões estáveis ao redor das
luas conhecidas. “Nas simulações computacionais que fizemos, descobrimos que
existe uma possibilidade real de que em algumas dessas regiões estáveis possa
existir uma população de objetos denominados troianos, que compartilham a mesma
órbita de uma dada lua”, diz. “Por isso estamos bastante ansiosos pelos dados
da New Horizons.”
A ansiedade
ainda deve durar por um bom tempo. Transmitindo dos confins do Sistema Solar, a
taxa de envio de dados é inferior à das antigas conexões de internet discada.
Até baixar completamente os 5 gigabytes produzidos durante a passagem por
Plutão, será preciso esperar 16 meses. A julgar pelo que chegou até agora, vai
valer a pena.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 234 - Agosto de
2015
Comentário: Creio que a pesquisadora Silvia Giuliatti
Winter faça também parte da equipe da UNESP integrante do Projeto da Missão ASTER,
missão esta que tem como um dos seus idealizadores o pesquisador da UNESP,
Othon Cabo Winter, que acredito seja o seu esposo ou irmão. No entanto leitor, o
que interessa aqui é observar o nível alcançado por esta equipe de pesquisadores
em Dinâmica Orbital da Universidade Estadual Paulista (UNESP). É extraordinário
o trabalho que vem sendo realizado na UNESP nessa área de Dinâmica Orbital e
seria um tremendo desperdício de conhecimento não aproveitar esses
profissionais num projeto como este da Missão ASTER, onde o conhecimento em
Dinâmica Orbital é de fundamental importância para o seu sucesso, como ficou demonstrado
agora na Missão da New Horizons. O Blog BRAZILIAN SPACE parabeniza a
pesquisadora Silvia Giuliatti Winter e toda a sua equipe pelo trabalho 'well
done'. Sucesso sempre. Observação relevante: A UNESP é uma universidade ligada
ao governo paulista.
Comentários
Postar um comentário