Desafios Compartilhados

Olá leitor!

Segue abaixo um interessante artigo publicado na a edição de Agosto de 2015 da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que Oito empresas integram-se ao esforço brasileiro para desenvolver componentes da Fonte de Luz Síncrotron do Projeto Sirius.

Duda Falcão

TECNOLOGIA

Desafios Compartilhados

Oito empresas integram-se ao esforço para desenvolver
componentes da fonte de luz síncrotron Sirius

FABRÍCIO MARQUES
Revista Pesquisa FAPESP
ED. 234 | AGOSTO 2015

© LÉO RAMOS
Máquina em tamanho real de um trecho equivalente a um
vigésimo do túnel do Sirius: uma das primeiras fontes de
luz de quarta geração do mundo.

A FAPESP e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) anunciaram o resultado de uma seleção pública para o desenvolvimento de componentes do Sirius, a nova fonte de luz síncrotron do Brasil que deve começar a operar em 2018. Oito empresas foram selecionadas para superar 13 desafios científicos e tecnológicos relacionados à construção do anel, que será quase seis vezes maior que o atual, em operação desde 1997. Com 518,4 metros de circunferência, a fonte será instalada num prédio de 68 mil metros quadrados cuja estrutura lembra, nas dimensões e no formato, um estádio de futebol. Caso consigam cumprir os desafios, as empresas se qualificarão como fornecedoras do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), responsável pela construção e pela operação da fonte. “A intenção do edital não é apenas a de ajudar a desenvolver o Sirius, mas permitir que empresas inovadoras do estado de São Paulo e suas equipes de pesquisa ampliem seu leque de produtos tecnológicos, criando uma cadeia de fornecedores em condição de atuar no mercado global”, afirma Douglas Zampieri, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador de área de pesquisa para inovação da FAPESP.

Fontes de luz síncrotron são equipamentos planejados para produzir um tipo de radiação de alto brilho e amplo espectro, que abrange o infravermelho, o ultravioleta e os raios X. Capaz de penetrar a matéria e revelar características sobre sua estrutura molecular e atômica, é usada para compreender a natureza microscópica de materiais. A radiação é gerada por elétrons produzidos num acelerador, que ficam circulando em um grande anel perto da velocidade da luz e, quando passam por ímãs, sofrem uma deflexão provocada pelo campo magnético. Fótons são emitidos, resultando na luz síncrotron. As ondas eletromagnéticas serão utilizadas por pesquisadores em estações de trabalho espalhadas em pontos do anel, para estudos sobre a estrutura de materiais como polímeros, rochas, metais, além de proteínas, moléculas para medicamentos e cosméticos, ou imagens tridimensionais de fósseis ou de células. A fonte Sirius terá 40 dessas estações.

Com um custo estimado em R$ 1,5 bilhão, será uma das primeiras fontes de quarta geração no mundo. O brilho da luz emitida será, em algumas frequências, mais de 1 bilhão de vezes superior à atual. No anel hoje em operação, a energia do feixe de luz permite analisar apenas a camada superficial de materiais duros e densos, já que os raios X produzidos penetram esses materiais com profundidade de alguns micrômetros. “A alta energia do Sirius permitirá que esses mesmos materiais sejam analisados em profundidades de alguns centímetros”, diz o físico Antônio José Roque da Silva, professor da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do LNLS.

As fontes de luz síncrotron são compostas por três estruturas de aceleração: um acelerador linear, um acelerador injetor e um anel de armazenamento (ver quadro). As especificações dos componentes são muito precisas não apenas pela intensidade da energia, mas porque oscilações até mesmo abaixo da casa dos micrômetros (1 milionésimo de metro) podem atrapalhar o posicionamento dos feixes de elétrons e de fótons. Parte significativa desse esforço de pesquisa e desenvolvimento está sendo feita pela equipe de 240 pesquisadores e técnicos do LNLS, a exemplo do que aconteceu nos anos 1990 com a construção da fonte em operação. “Cerca de 70% dos componentes do anel serão desenvolvidos no Brasil”, diz José Roque.

Para cumprir o cronograma de construção, a participação de empresas nacionais tornou-se importante. Algumas engajaram-se há mais tempo, como a Termomecânica, de São Bernardo do Campo, que desenvolveu o processo para a fabricação das câmaras de vácuo, feitas de uma liga de cobre e prata, e dos fios de cobre ocos para os eletroímãs, que permitem circulação de água para refrigeração. Outro exemplo é a Weg, de Santa Catarina, que deverá fornecer 1.350 eletroímãs para os aceleradores.


Trajetória do Feixe

Para as empresas selecionadas pelo edital da FAPESP e da FINEP, o interesse não se limita à possibilidade de fornecer os componentes da fonte. A Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, é responsável por três projetos aprovados. Em um deles vai fornecer monitores fluorescentes de feixes de elétrons, dispositivos que permitem a determinação das dimensões e da posição dos feixes nos aceleradores. Os monitores são compostos por uma tela que pode ser interposta no caminho dos elétrons e serão úteis para ajustar a trajetória do feixe. Um segundo projeto prevê o fornecimento de bloqueadores de fótons, dispositivos de segurança das linhas de luz que bloqueiam o feixe emitido pelo acelerador de partículas, interpondo um bloco de metal refrigerado no seu caminho. “Cada linha de luz terá pelo menos um desses obturadores. Queremos nos tornar fornecedores internacionais desses equipamentos”, afirma César Ghizoni, presidente da Equatorial.

O principal interesse da empresa é o terceiro projeto, de produção de detectores de raios X seguindo uma tecnologia, a Medipix, desenvolvida em colaboração internacional por 20 laboratórios, sob coordenação da Organização Europeia para Pesquisas Nucleares (CERN). O LNLS integrou-se a esse consórcio em 2013. “Nos experimentos, os raios X gerados pelo acelerador interagem com o material estudado e se espalham ao redor. Esses detectores mostram de onde a radiação saiu, sua direção e intensidade, tudo em tempo real”, diz Ghizoni. “Essa tecnologia tem um grande potencial para a área médica, pois permite fazer imagens de raios X em tempo real. Temos interesse em desenvolver aplicações”, afirma. A empresa já desenvolveu dispositivos para o telescópio Soar, no Chile, e para o detector de raios cósmicos Pierre Auger, na Argentina, projetos que envolvem pesquisadores de São Paulo e foram apoiados pela FAPESP. Criada em 1996, a Equatorial tem uma equipe de pesquisa e desenvolvimento com 12 técnicos e engenheiros e desde 2006 é controlada pela Airbus Defence & Space.

A Atmos Sistemas, de São Paulo, assumiu o desenvolvimento de um dispositivo eletrônico que mede a posição do feixe de elétrons. O feixe precisa ser posicionado com grande precisão no centro do anel, com a utilização de campos magnéticos. “O monitor mede a posição do feixe em duas dimensões, através da digitalização, filtragem e processamento de sinais provenientes de sondas colocadas ao longo do anel”, diz Fábio Fukuda, responsável pelo projeto. “O dispositivo medirá a posição do feixe com precisão submicrométrica.” Um dos objetivos da Atmos é se capacitar para fornecer sistemas similares para fontes de luz síncrotron de outros países. “Há a possibilidade de aproveitamento da tecnologia de tratamento de sinais e processamento em outros produtos da nossa empresa, como radares”, afirma.

A Engecer, empresa de base tecnológica de São Carlos (SP) que atua no segmento de cerâmicas técnicas há mais de 20 anos, propôs-se a desenvolver e produzir peças para os monitores de posição do feixe de elétrons. “São cerâmicas com propriedades elétricas muito específicas”, diz Tatiani Falvo, pesquisadora da Engecer. Na fonte de luz síncrotron atual, elas foram produzidas com alumina. Já na fonte Sirius, devem ser fabricadas com outros materiais, o nitreto de boro e o nitreto de alumínio. O processo de prensagem exige temperaturas entre 1.600 e 2.000ºC e não é feito no Brasil. “Será necessário adquirir uma prensa a quente para a fabricação da cerâmica. A empresa tem interesse no conhecimento desse novo processo para eventualmente incorporá-lo à sua linha de produção”, diz Tatiani. A Engecer comprometeu-se a entregar alguns protótipos feitos com os dois materiais, para que o LNLS avalie qual é o melhor. A FCA Brasil, de Campinas, vai fornecer protótipos de câmaras de ultra-alto vácuo e outros componentes para a fonte Sirius, que serão utilizados em vários pontos do anel e nas estações experimentais.

© LÉO RAMOS
Teste em protótipo de sistema de regulação digital das fontes:
duas empresas estão debruçadas sobre desafio tecnológico.

Workshop

A ideia de atrair empresas inovadoras para auxiliar na construção da fonte foi estimulada pela FAPESP, que sugeriu a utilização de programas como o de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe). Há dois anos, foi realizado um workshop no LNLS, em Campinas, do qual participaram mais de 50 empresas. Elas conheceram um conjunto de desafios tecnológicos envolvidos na construção e as possibilidades de financiamento disponíveis. Mas as conversas esbarraram em um obstáculo. Várias empresas afirmaram que parte substancial de seus custos corresponderia ao tempo trabalhado por seus pesquisadores. Mas entre os itens financiáveis por projetos do PIPE não está previsto o pagamento de salários, apenas de bolsas. A solução foi recorrer a um convênio existente entre a FAPESP e a Finep, que mantém o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPPE). “Após alguns meses de negociação com a FINEP lançamos o edital”, diz Douglas Zampieri. “A qualidade dos projetos para a construção do Sirius foi muito boa.” Das 13 empresas que apresentaram propostas, oito foram selecionadas.

O envolvimento de empresas na construção de grandes instalações científicas é prática comum na Europa e nos Estados Unidos. “Seria ótimo se, depois da fonte Sirius, conseguíssemos mobilizar empresas para lidar com desafios de outros projetos científicos, criando um mercado como o que existe na Europa e nos Estados Unidos”, diz José Roque. A OMNISYS, empresa com sede em São Bernardo do Campo (SP) que desenvolve componentes eletrônicos de armamentos, satélites e radares, é responsável por quatro projetos aprovados. Fundada em 1997 por três engenheiros eletrônicos, a empresa passou, em 2006, para o controle da multinacional francesa Thales, da área de defesa, aeroespacial e de transportes. Seus 70 técnicos e engenheiros no Brasil vão se dedicar a desafios como a fabricação, a montagem e os testes de três tipos de placas eletrônicas, utilizadas pelo sistema de medida de posição de feixe de elétrons. O projeto prevê o fornecimento de 12 protótipos de cada tipo de placa. Outra meta é desenvolver componentes eletrônicos para os detectores de posição de fótons nas estações experimentais. A empresa também se propôs a desenvolver fontes de corrente de alta potência, usadas na alimentação dos ímãs.

A OMNISYS busca ainda criar módulos de regulação digital de fonte. Trata-se do único desafio que foi assumido por duas empresas. A Macnica DHW, distribuidora de componentes eletrônicos, também está debruçada sobre essa tarefa. Uma fonte de luz síncrotron necessita de campos magnéticos estáveis, que dependem de fontes de corrente altamente confiáveis. O desafio é substituir o sistema analógico usado pela fonte em operação por outro, digital. A Omnisys e a Macnica DHW vão usar componentes diferentes e se comprometeram a entregar algumas dezenas de protótipos para testes. A equipe do LNLS também desenvolveu a tecnologia necessária, mas acredita que as empresas podem fornecer um produto melhor. “Serão mais de 1,3 mil reguladores que precisarão trabalhar em harmonia. É algo tão crítico para o desempenho da fonte que selecionamos duas empresas para o desafio”, diz Regis Neuenschwander, vice-gerente da Divisão de Engenharia do LNLS.

Parte dos desafios envolve tecnologias no campo da óptica. A Luxtec Sistemas Ópticos, de Campinas, vai desenvolver protótipos de componentes para reflexão de raios X. “Não se trata de uma lente convencional, mas de um tubo de vidro em forma elíptica capaz de direcionar os raios X”, explica Cícero Omegna de Souza Filho, responsável pelo projeto. A Luxtec montará um conjunto de três máquinas para produzir esse tipo de tubo. Sua experiência com fibras ópticas habilitou-a a participar do desafio. “As lentes têm o tamanho de uma caneta, com 1 centímetro de diâmetro por 25 centímetros de comprimento, e se assemelham à fibra óptica antes de ser afinada”, explica.

© LÉO RAMOS
Sala de metrologia do LNLS: análise de protótipos dos
magnetos que serão utilizados na nova fonte de luz.

Espelho

A Opto Eletrônica, de São Carlos, pretende desenvolver o processo de fabricação e caracterização de espelhos de altíssima qualidade, de rugosidade na ordem de poucos nanômetros, para aplicação em sistemas de focalização de luz síncrotron. “Poucos países do mundo dominam o processo de polimento para gerar esse tipo de espelho”, diz Rafael Alves de Souza Ribeiro, físico responsável pelo projeto. “O domínio dessa técnica e o posicionamento estratégico do Brasil como fornecedor de componentes ópticos para aplicação em luz síncrotron geraria demandas nos mercados interno e externo. Se conseguirmos dominar a técnica, abriremos portas enormes em frentes de pesquisa fundamental e aplicada, como desenvolvimentos de equipamentos para raios X, sistemas ópticos para câmeras de satélites e aplicações em astronomia.” A empresa, que fornece lasers para a área médica, equipamentos para a defesa e câmeras para satélites, promete entregar para o LNLS oito protótipos de espelhos planos com formato retangular, com cerca de 40 centímetros de dimensão cada um.

A FAPESP e a FINEP planejam utilizar o mesmo formato de edital para envolver empresas em outros desafios tecnológicos. Uma nova chamada para o desenvolvimento de tecnologias para a fonte Sirius e uma seleção de propostas para empresas de tecnologia nas áreas aeroespacial e de defesa devem ser lançados em breve. No caso do Sirius, os desafios propostos relacionam-se a tecnologias e processos dos quais o início de operação da fonte de luz não depende diretamente. Um deles é criar softwares para robôs que determinem os pontos no solo em que equipamentos deverão ser fixados. Outro é criar a eletrônica para um trem de monitoramento, dotado de sensores e câmeras, que percorrerá o anel para detectar eventuais problemas de funcionamento. “Podemos começar a funcionar sem esse sistema de monitoramento operando plenamente, mas uma hora teremos de instalá-lo”, diz Regis Neuenschwander, do LNLS. Ele acredita que empresas brasileiras que fabricam drones poderão ter interesse em desenvolver softwares para o trem de monitoramento.


Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 234 - Agosto de 2015

Comentário: Projeto simplesmente fantástico e de fundamental importância para o setor de Ciência e Tecnologia do Brasil e aí incluído a área espacial. Espero e torço sinceramente para que não venha se tornar em mais um engodo do desgoverno da “DebiOgra”.

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