BLOG Entrevista o Responsável Pelo Hardware do Cubesat AESP-14 do ITA

Olá leitor!

Mais uma vez cumprido a nossa função de bem informar aos nossos leitores sobre as atividades espaciais brasileiras, trazemos agora para você leitor uma outra entrevista da série “Personalidades do Programa Espacial Brasileiro (PEB)”.

Desta vez devido a aproximação do lançamento do Cubesat AESP-14 do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) , trazemos uma entrevista com o responsável pelo desenvolvimento do hardware deste cubesat desenvolvido no Brasil , ou seja, o jovem Engenheiro Eletricista,  Mestrando em Ciências e Tecnologias Espaciais e Professor Colaborador do Curso de Engenharia Aeroespacial do ITA, Cleber Toss Hoffmann.

Nesta segunda entrevista realizada com um dos integrantes da equipe do AESP-14 (a primeira foi com o Coordenador do Projeto, o Dr. Pedro Texeira Lacava - veja aqui) o jovem Eng. Cleber nos faz um relato das atividades do AESP-14  e do seu lançamento previsto para dezembro próximo (09/12), além de falar sobre as possibilidades da continuidade das atividades com cubesats no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Vale a pena dar uma conferida.

O Blog BRAZILIAN SPACE aproveita para agradecer ao jovem engenheiro Cleber Toss Hoffmann, ao Dr. Pedro Teixeira Lacava, ao jovem Eng. Mecânico Eduardo Escobar Bürger e a todos integrantes da equipe que desenvolveu este cubesat, pela atenção dispensada ao nosso BLOG, e desde já desejamos sucesso ao AESP-14.

Duda Falcão

Eng. Eletricista Cleber Toss Hoffmann
BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber Toss Hoffmann, para aqueles leitores que não o conhecem e ao seu trabalho, nos fale sobre o senhor, sua idade, formação, onde nasceu, sua função no projeto e desde quando está envolvido com o projeto do cubesat AESP-14?

CLEBER TOSS HOFFMANN: Eu tenho 32 anos e nasci em Canela no estado do Rio Grande do Sul. Sou engenheiro eletricista formado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) em São Leopoldo em 2012. Mestrando em Ciências e Tecnologias Espaciais pelo Instituto Tecnológico de Aeronautica - ITA. Sou professor colaborador do curso de Engenharia Aeroespacial do ITA e também sou responsável pelo desenvolvimento do hardware do cubesat desenvolvido no Brasil AESP 14.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, como surgiu à ideia de desenvolver o cubesat AESP-14?

CLEBER TOSS HOFFMANN: No ITA o desenvolvimento de cubesats com interesse acadêmico nasceu com a criação do curso de Engenharia Aeroespacial em março de 2010. O plano político pedagógico do curso estava em elaboração e incluía a realização de um projeto SISTEMA que cobria os três anos do curso e que seria realizado ao longo de seis disciplinas semestrais. No semestre 1 define-se a missão do sistema espacial. No semestre 2 define-se os requisitos do sistema a ser desenvolvido. No semestre 3 desenvolve-se o projeto detalhado do sistema. No semestre 4 ocorre a manufatura dos subsistemas. No semestre 5 a montagem, integração e testes. No semestre 6 ocorre o lançamento e operação. Essa sequencia segue um novo paradigma de ensino de engenharia, desenvolvido no MIT e chamado de CDIO (Conceive, Design, Implement and Operate). CDIO permite que os alunos experimentem desde a concepção de um sistema até a sua operação.

A turma que se formou em 2012 no ITA desenvolveu um CANSAT, uma estação terrena e um pequeno foguete balístico. A turma que se formou em 2013 desenvolveu uma nova versão do trabalho da turma 2012. A turma 2014 desenvolve o Cubesat AESP14. Esses projetos tiveram apoio e coordenação do Dr. Geilson Loureiro, Pesquisador do INPE e Professor Colaborador dos cursos de Eng. Aeroespacial e Eng. Aeronáutica. Na ocasião o Dr. Geilson Loureiro escreveu um projeto do CNPq para então desenvolver esta plataforma, ensinando assim as principais atividades de engenharia de sistemas ao longo do desenvolvimento do projeto, neste contexto os alunos da turma de 2014 do curso de aeroespacial participaram de maneira ativa das atividades marcos do projeto, como análise de missão, engenharia de sistemas, as revisões de projeto (PDR,CDR, etc..), ensaios ambientais, lançamento e operação,  conforme é apresentada na figura 1.

Figura 1: Envolvimento dos alunos no projeto AESP14.

Alunos de pós graduação e professores (onde me incluo) desenvolveram atividades de criação, desenvolvimento e montagem dos subsistemas. (Digo isso pois esta plataforma foi desenvolvida no Brasil com apenas a aquisição de componentes eletrônicos do exterior). Também não posso deixar de citar outras pessoas que fizeram parte deste desenvolvimento: Eduardo Escobar Bürger como engenheiro mecânico e de AIT (Montagem, Integração e Teste), que foi responsável pela criação e desenvolvimento da estrutura, equipamentos de suporte de solo mecânico, criação do plano de montagem integração e testes realizado neste projeto. Mateus Oliveira Pereira como engenheiro de software, que foi responsável pela criação e desenvolvimento de todos os softwares embarcados no Cubesat, além dos softwares de equipamentos de suporte de solo elétrico (software 100% nacional). Hernán Zambrano Carrera que foi responsável pela gerencia deste projeto e suporte à documentação gerada. Dr. Geilson Loureiro pela motivação de desenvolver esta nova capacidade no país. Lidia H. Shibuya (ITASAT) pelo apoio em todas as atividades de compras do projeto. Pedro Texeira Lacava pelo apoio das atividades gerenciais do programa AESP. Douglas Soares Santos e pelo GDE-LABRE pelo apoio nas atividades relacionadas com a alocação do espectro de frequência junto a IARU (International Amateur Radio Union).

Créditos: LIT/INPE
Figura 2: Alunos de graduação do curso de
Eng. Aeroespacial do ITA e Alunos de pós graduação
ITA/INPE no ensaio de EMC na câmara anecóica do LIT/INPE.

BRAZILIAN SPACE: Sr.. Cleber quais foram os objetivos para o desenvolvimento deste cubesat?

CLEBER TOSS HOFFMANN: Conforme comentado os objetivos são acadêmicos, ou seja, que os alunos coloquem em prática os conhecimentos adquiridos no curso de Eng. Aeroespacial por meio de um projeto que é executado gradativamente ao longo do curso.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, quantos pesquisadores (alunos e professores) fizeram parte do desenvolvimento deste projeto?

CLEBER TOSS HOFFMANN São 4 alunos de graduação do curso de Engenharia Aeroespacial, três alunos de mestrado, um aluno de doutorado, um pós-doutor, dois professores e a comunidade de radio amadores (nesse último com a criação de uma lista de discussão de rastreio de cubesat edusats-br@yahoogrupos.com.br onde também tive participação na criação junto com o Grupo de Gestão e Defesa Espectral da Liga de Amadores Brasileiros de Radioemissão ((GDE-LABRE, http://www.radioamadores.org) por intermédio do radioamador e engenheiro Edson Pereira, PY2SDR).

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, alguma outra instituição que não o ITA teve alguma participação no desenvolvimento do cubesat AESP-14?

CLEBER TOSS HOFFMANN: Contamos com apoio do INPE, não apenas para o projeto, mas também para participação de seus pesquisadores como professores colaboradores. Também contamos com as instituições de fomentos, como AEB por meio da Fundação LSI-Tec e CNPq.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, quais são as dimensões e características deste cubesat? Haverá alguma carga útil abordo?

CLEBER TOSS HOFFMANN: O AESP-14 é um cubesat 1U (10x10x10cm útil) e a missão principal é qualificar a primeira plataforma de cubesat desenvolvida no Brasil. Teremos também um experimento radioamadorístico que foi desenvolvido em conjunto com o CRAM (Clube de Radioamadores de Americana) que consiste em transmitir 100 sequencias aleatórias (strings MD5) armazenadas na memória do satélite. As sequências serão usadas em uma forma de conteste entre as estações receptoras e também como uma espécie de álbum de figurinhas. As sequências serão transmitidas aleatoriamente para o solo e as estações que receberem as mesmas poderão usa-las como chaves para “abrir” as imagens, como um álbum de figurinhas online. As imagens serão escolhidas de forma que sejam relevantes para as áreas de ensino STEM em projetos sendo desenvolvidos entre radioamadores e instituições de ensino. Logo esta primeira versão não possui carga útil científico, pois a intenção é qualificar no espaço esta a plataforma, para que nas próximas missões o escopo do esforço de desenvolvimento seja em carga úteis.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, como e quando o cubesat AESP-14 deverá ser lançado ao espaço?

CLEBER TOSS HOFFMANN: A Agência Espacial Brasileira - AEB contratou a empresa Japan Manned Space Systems Corporation - JAMSS como agenciadora do lançamento de cubesats a partir do dispositivo Small Satellite Orbital Deployer - J-SSOD, da Agência Espacial Japonesa – JAXA. A campanha de lançamento é dividida em dois marcos importantes. No primeiro o cubesat é enviado para a Estação Espacial Internacional – ISS por um cargueiro autônomo. A previsão inicial era voar pelo Antares em outubro (que infelizmente falhou), porém mudou-se para dezembro (9/12) próximo utilizando o lançador Falcon 9 da empresa Space-X. Ao chegar à Estação Espacial Internacional - ISS, o cubesat fica cerca de 2 meses até ser ejetado em órbita pelo braço robô japonês KIBO localizado no módulo experimental japonês (http://iss.jaxa.jp/en/kiboexp/jssod/).

Salientamos que esta escolha de lançamento pela Estação Espacial Internacional - ISS trouxe muitos frutos positivos ao projeto AESP14. Por se tratar de um projeto acadêmico (o foco é o ensino) para que um cubesat seja embarcado na Estação Espacial Internacional - ISS, todo o projeto foi exaustivamente revisado pela Japan Manned Space Systems Corporation - JAMSS e Agência Espacial Japonesa – JAXA, para garantir que o cubesat não coloque em risco a tripulação da Estação Espacial Internacional - ISS. Para isso, fizemos diversos testes adicionais, reuniões, revisões, centenas de emails técnicos e dezenas de documentos entre os grupos envolvidos no lançamento, que permitiram uma melhoria no nosso projeto e um grande ganho de experiência.

Além disso, participamos ativamente da Revisão SAR – Safety Assessment Review (entre Japan Manned Space Systems Corporation - JAMSS e Agência Espacial Japonesa – JAXA) (http://www.aeb.gov.br/projeto-de-nanossatelite-nacional-passa-por-revisao-no-japao/) assim como da integração do CubeSat na interface J-SSOD (http://www.aeb.gov.br/primeiro-cubesat-nacional-pronto-para-lancamento-nos-estados-unidos/).

Um dos resultados dessas melhorias, é a atual utilização do subsistema de potência do AESP14 em outros projetos de cubesat.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, recentemente a Agência Espacial Brasileira (AEB) postou uma nota em seu site citando o AESP-14 como o Primeiro Cubesat Brasileiro. Este título não pertenceria ao NanosatC-Br1 do INPE/UFSM? Qual é a sua visão sobre o assunto?

CLEBER TOSS HOFFMANNMera questão de semântica em relação a palavra “desenvolvimento”. Entendemos que ter um cubesat “desenvolvido no Brasil” significa que o projeto contempla etapas de criação, desenvolvimento, montagem integração e testes realizadas por brasileiros, sejam elas: requisitos, especificações, projeto dos subsistemas, manufatura dos subsistemas, montagem dos subsistemas e sistema, montagem integração e testes do sistema.

No projeto do NanosatC-BR1, a plataforma com todos os subsistemas foram adquiridos da empresa Holandesa ISIS conforme apresentado na sua nota (http://brazilianspace.blogspot.com.br/2011/02/isis-cubesat-for-inpe-and-ufsm.html) e também a nota (http://www.brasil.gov.br/ciencia-e-tecnologia/2014/01/nanossatelite-nacional-sera-lancado-no-primeiro-semestre-de-2014). Portanto o primeiro cubesat Brasileiro é o NanosatC-Br1 e o primeiro cubesat criado/desenvolvido no Brasil é o AESP14. Com isso não se quer dizer que um projeto seja melhor do que outro, mas sim que cada um tem sua importância e filosofia de projeto, e ambos contribuem para formação de recursos humanos para o setor espacial brasileiro que é de extrema importância para o país. A equipe do projeto NanosatC-BR1 está focada na carga útil. A equipe do AESP-14 está focada na plataforma, e esperamos que no futuro seja possível embarcar a carga útil desenvolvida pela equipe do NanosatC-BR1 em uma plataforma desenvolvida pela equipe do AESP.

Sobre a nota postada no site da AEB, salientamos que na primeira notícia tivemos o cuidado de colocar “Primeiro Cubesat desenvolvido no Brasil”, que é diferente de “Primeiro Cubesat brasileiro”, visto que neste último caso o NANOSATC-BR1 foi o primeiro.

Devido a uma reivindicação da equipe do NanosatC-BR1, nos foi solicitado a alteração da nota no site da Agencia Espacial Brasileira. O novo título diz “Primeira Plataforma Cubesat Nacional..” (http://www.brasil.gov.br/ciencia-e-tecnologia/2014/01/nanossatelite-nacional-sera-lancado-no-primeiro-semestre-de-2014).

O AESP-14 foi desenvolvido na sua totalidade no ITA e INPE, como pode ver na figura 3, 4 e 5. A primeira apresenta o ambiente de desenvolvimento do AESP-14 com todos seus subsistemas, a segunda mostra o subsistema de comunicação com o solo, onde o transceptor (peça metálica) foi adquirido e a placa de circuito impresso desenvolvida por nós. A terceira foto mostra o modelo de voo totalmente montado e integrado (reportagem de capa da revista FAPESP). Todas as placas de circuito impresso possuem o logo do projeto e foram desenvolvidas por nós, assim como o software embarcado nelas. Temos muito orgulho disso, pois evidencia nosso pioneirismo no desenvolvimento da primeira plataforma de cubesat nacional.

Acredito que com esta explicação possamos finalizar esta discussão.

Créditos:AESP-14 team
Figura 3: 1- Subsistema de Telemetria e Telecomando TT&C,
2- Subsistema de Computação de Bordo OBDH e
3- Subsistema de Suprimento de Energia EPS.

Figura 4.
Figura 5.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, com o lançamento do AESP-14 existe a pretensão de se dar continuidade ao projeto, ou seja, haverá um AESP-14 - 2?

CLEBER TOSS HOFFMANN: Como do ponto de vista acadêmico, focado na formação de recursos humanos para o setor espacial, o projeto vem gerando bons frutos e a ideia seria sim de continuar. Estamos estudando um novo projeto chamado de AESP 16. Contudo, esse tipo de iniciativa, onde o aprendizado está baseado em atividades “hands on”, tão comum em instituições americanas por exemplo, torna-se bastante complicado aqui no Brasil, especialmente em instituições públicas como o ITA. Mesmo uma iniciativa como o AESP 14 ser totalmente possível de ser encampada por recursos institucionais, no que se refere aos valores necessários para execução, na prática a burocracia para o uso dos recursos públicos inviabiliza. Aí dependemos das instituições públicas de fomento a esse tipo de iniciativa e ficamos no aguardo de oportunidades. Na prática, isso gera interrupções entre a continuidade dos projetos e na transferência do conhecimento entre uma equipe e outra.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, recentemente a mídia internacional tem divulgado o interesse de grupos internacionais no uso da tecnologia de cubesats e nanossatélites na exploração espacial em órbita da Terra, Lunar e no espaço profundo.  É de interesse do ITA em desenvolver no futuro (em parceria com outras instituições ou não) um projeto de exploração dessa envergadura utilizando-se da experiência adquirida com o AESP-14 e seus derivados?

CLEBER TOSS HOFFMANN: O AESP-14 é um embrião, estamos aprendendo e depois de lançarmos estaremos aprendendo muito mais com o comportamento dele em órbita. Precisamos primeiro fazer os temas de casa. Iniciar com projetos simples (como o AESP-14) nos gerará uma base sólida, mesmo o AESP-14 não possuindo carga útil cientifica um projeto deste gênero envolve multidisciplinaridade como balanço de energia, link de RF, balanço térmico. Após dominarmos por completo estas atividades poderemos pensar então em desenvolver projetos mais complexos, como incorporar um controle de atitude ativo. Mesmo este projeto sendo “simples” possibilitou adquirir conhecimentos que hoje auxiliam outros projetos cubesats.

BRAZILIAN SPACE: Sr. Cleber, como o senhor avaliaria o atual estágio de desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro?

CLEBER TOSS HOFFMANN: Minha sensação é que o Programa Espacial Brasileiro teve seu ponto máximo na MECB, porém devido às dificuldades em projetos espaciais muitos pesquisadores acabam se desmotivado e também a burocracia, que faz com que muitas vezes a política prevaleça em relação à técnica.

BRAZILIAN SPACE: Finalizando Sr. Cleber, o senhor teria algo a mais a dizer para os nossos leitores?

CLEBER TOSS HOFFMANN: Projetos desta natureza incentivam muito os alunos a exercitarem atividades intelecutais e práticas ao longo do curso profissionalizante. Gostaria de agradecer a Agência Espacial Brasileira – AEB forneceu recursos financeiros e que foi gerenciado pela Fundação LSI-tec/USP, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq que por meio do Edital 33/2010 proporcionou bolsas de desenvolvimento e agradecer antecipadamente a LABRE e aos nossos colegas radioamadores que serão uma peça chave no rastreio do AESP-14 após o lançamento. Gostaria de deixar também um convite aos leitores para assistirem  abaixo o vídeo da integração do AESP-14, e visitarem  a página ainda em construção (http://www.aer.ita.br/~aesp14) onde em breve iremos adicionar informações do decodificador de telemetria.

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