Físico da UnB José Leonardo Ferreira - Entrevista


Olá leitor!

Estamos chegando ao fim de mais um ano onde os avanços dentro do PEB em minha opinião continuam deixando a desejar. É verdade que houve alguns avanços, não resta dúvida, mais no conjunto da obra, muito pouca coisa foi realizada, tanto no campo tecnológico quanto no campo organizacional, esse uma verdadeira bagunça. Muitos eventos foram realizados, muita conversa de ordem política ocorreu onde deveria ocorrer, mas de concreto nada foi feito, nem pelo poder legislativo, nem pelo poder executivo, esse inclusive cometendo erros que futuramente poderão gerar um prejuízo enorme nos cofres públicos e o que é pior, com o capitulo final ainda por acontecer. Para que o leitor possa fazer uma avaliação melhor, segue abaixo uma entrevista postada dia 08/02/2008 no site da “Universidade de Brasília (UnB)” com o professor José Leonardo Ferreira, do Instituto de Física (IF) da UnB que foi o coordenador chefe da equipe de pesquisadores da universidade que desenvolveram o propulsor iônico (a plasma) Phall-01 para satélites, através de recursos liberados pelo “Programa Uniespaço” da AEB. A fase dois desse projeto, ou seja, o desenvolvimento do Plall-02 aguarda a divulgação pela AEB do resultado do “Programa Uniespaço” que foi adiado, para então saber se terá como continuar com o projeto.

O professor Ferreira que também faz parte da equipe do proposto Projeto ASTER (veja aqui a nota Projeto Aster é Proposto no IWAE. Será Realizado?) fala com propriedade nesta entrevista sobre o programa espacial brasileiro, seus problemas, faz um balanço dos maiores avanços em 50 anos de exploração espacial no mundo e comenta as possibilidades do turismo nesta área.

Importante notar leitor que esta entrevista do professor Ferreira foi dada há quase dois anos e de lá pra cá pouca coisa mudou com relação ao PEB, apesar de ter havido muito bla-blá-blá político nesse período. Recentemente o "Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara Federal" realizou um seminário para discutir a “Política Espacial Brasileira” (veja aqui a nota Vídeo do Seminário Sobre o PEB na Câmara Federal) onde foram apontados pelos participantes os diversos problemas que dificultam a operacionalidade do PEB.

Os problemas todos nós conhecemos, sejam eles básicos ou mesmo o mais complexos. No entanto, se fala muito e não se faz nada para contorná-los e isso além de ser frustrante demonstra a incompetência daqueles que tem por responsabilidade política de contornar e administrar esses problemas. Está tudo errado leitor e quando as coisas estão erradas, só resta um caminho, mudar.

Duda Falcão

“Sem o Programa Espacial, não Monitoramos a Amazônia”

Rodolfo Borges
08/02/2008


Roberto Fleury/UnB Agência

A recente polêmica em torno do desmatamento da Amazônia seria menor se o Brasil tivesse dado mais atenção ao seu programa espacial. As dúvidas acerca do tamanho do estrago feito na região até agora não existiriam se o país possuísse um bom sistema de satélites para monitorar a área, de acordo com o professor José Leonardo Ferreira, do Instituto de Física (IF) da Universidade de Brasília (UnB). “Para nós, o programa espacial não é opção. O atual governo está dando alguns passos para melhorar, mas ainda está muito longe de chegar onde está a Índia, por exemplo”, critica o físico. Segundo Ferreira, o programa espacial brasileiro não se desenvolveu como os de outros países porque faltou continuidade aos investimentos.

Na entrevista a seguir, o professor explica por que o Brasil ainda não conseguiu lançar satélites ao espaço por conta própria, ao contrário da China, classificada por ele como a nova potência espacial do mundo. Além disso, o físico faz um balanço dos maiores avanços em 50 anos de exploração espacial, e comenta as possibilidades do turismo na área: “isso é o prenúncio de investimento privados, e pode contribuir para os avanços na tecnologia espacial”.

O acordo de cooperação em ciência e tecnologia aeroespacial entre a UnB e a Universidade Dnipropetrovs´k, da Ucrânia, foi assinado hoje pelos reitores de ambas as instituições. Com a confirmação da parceria, a UnB irá receber o apoio de cientistas ucranianos na criação de uma pós-graduação na área, além de abrir espaço para o intercâmbio de professores, alunos e de conhecimento entre as universidades.

“A importância desse acordo é tal que já está se pensando em criar uma área de engenharia espacial a partir de 2011 na UnB”, afirma o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior. Na opinião do reitor, a parceria irá possibilitar que a UnB participe de ações estratégicas no desenvolvimento aeroespacial brasileiro.

UnB AGÊNCIA - No Brasil, a exploração espacial parece um luxo. Ela, de fato, é?

JOSÉ LEONARDO FERREIRA - Não. O Brasil depende do programa espacial. Sem ele, nós não monitoramos a Amazônia. Esse acompanhamento depende da área espacial, e isso, para nós, não é opção. Tem que existir. O atual governo está dando alguns passos para melhorar, mas ainda está muito longe de chegar onde está a Índia, por exemplo. Há alguns programas pontuais da Agência Espacial Brasileira (AEB), como o Uniespaço e os satélites Cbers (em parceria com a China). Eu sou otimista. Como o país precisa, ele vai acabar fazendo. Mas o tempo está passando, e as coisas precisam acontecer.

Roberto Fleury/UnB Agência
“O programa espacial brasileiro
tem muitos problemas”

UnB AGÊNCIA - Como o senhor avalia o programa espacial brasileiro?

FERREIRA - O programa tem muitos problemas. Ele é quase tão velho quanto os dos Estados Unidos e da Rússia (é preciso lembrar que a tecnologia da Alemanha nazista foi rateada entre americanos e soviéticos depois da Segunda Guerra Mundial). No Brasil, a Comissão Nacional de Atividades Espaciais foi criada em 1961. A da França é mais ou menos da mesma época, e a da Índia é posterior – e é aqui que eu identifico uma falha no nosso programa. O Brasil nunca manteve seus investimentos na área. Houve picos de investimento, mas problemas políticos impediram avanços. Só que outros países também têm problemas políticos e conseguiram tocar seus programas. Em 1985, o programa espacial brasileiro chegou ao seu ápice, com quase US$ 200 milhões de investimento anual. O investimento atual da Índia já é de US$ 700 milhões anuais. O da China deve passar de US$ 1 bilhão, e é bem menor do que o dos Estados Unidos. O programa é uma opção. O Brasil não quis e, por isso, não tem. Mas precisa dele.

UnB AGÊNCIA - O envio do primeiro brasileiro ao espaço, em 2006, mudou em algo essa situação?

FERREIRA - Foi bom mandá-lo, porque esse tipo de iniciativa tem uma simbologia importante para o país. Mas mesmo esse tipo de missão tem problemas. Até hoje, o país não domina a tecnologia para lançar satélites, apesar de termos um bom conhecimento acerca deles. Há 50 anos, Estados Unidos e Rússia competiam para ver quem conseguia lançar o primeiro satélite ao espaço. Hoje, além deles, França, Índia, China, Japão e Coréia do Norte têm essa tecnologia, mas o Brasil, não. Não adianta mandar astronautas ao espaço sem ter isso. Outro problema é que não houve uma sintonia muito grande entre as pesquisas que são feitas no Brasil como um todo e o trabalho do astronauta. Ele realizou experimentos de algumas universidades, mas, ao longo do seu treinamento, não teve uma equipe de médicos o acompanhando, por exemplo. A missão poderia ter sido muito mais bem aproveitada. Prova disso é que não há um segundo astronauta. Não há continuidade.

UnB AGÊNCIA - Que países têm condições de competir na área espacial com Estados Unidos e Rússia atualmente?

FERREIRA - Alguns países que estavam resolvendo problemas básicos tornaram-se centros de grande desenvolvimento. Exemplos são os Tigres Asiáticos, como Cingapura, e a China. Esta já é, de fato, uma grande potência do mundo, e isso lhe possibilitou reforçar seus programas espaciais. O programa chinês tem quase a mesma idade que o do Brasil, porém eles investiram muito mais. É difícil comparar, mas a verdade é que a China virou uma potência espacial. Ela tem seus próprios satélites, conduzidos por seus próprios foguetes. Tem autonomia, domina toda a tecnologia, e, recentemente, conseguiu colocar astronautas no espaço. Só três países conseguiram fazer isso com seus próprios meios – e os outros dois são Estados Unidos e Rússia. Além disso, neste ano, ela conseguiu colocar uma sonda na órbita da Lua. Isso a torna um dos países competidores na área espacial.

Roberto Fleury/UnB Agência
“Até hoje o Brasil não domina a
tecnologia para lançar satélites”

UnB AGÊNCIA - A atuação da China na área espacial lembra um pouco as aspirações hegemônicas de Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria, não?

FERREIRA - De fato, é semelhante ao que Estados Unidos e Rússia fizeram durante a Guerra Fria, mas sem a corrida armamentista. É claro que, no caso da China, há interesses militares – que é difícil de ser separado dos programas espaciais. Recentemente, a China destruiu um satélite, e isso alarmou os norte-americanos. Mas não é isso que chama atenção no programa chinês. A meu ver, sua grande motivação é o desenvolvimento tecnológico. Além disso, os programas espaciais têm contribuído para a auto-estima dos povos. Com certeza, os chineses sentem-se mais orgulhosos da sua nação depois das conquistas do país na área espacial. Além das missões não-tripuladas, a China planeja uma estação espacial e uma base na Lua. Daqui a pouco, vai pensar também em enviar naves a Marte, como o Japão já tentou. A próxima é a Índia, que se prepara para mandar uma sonda à Lua. Esses estudos vão repetir, em parte, o que os Estados Unidos já fizeram, mas vão descobrir coisas que não foram estudadas ainda.

UnB AGÊNCIA - Se esses países vão repetir descobertas que já foram feitas, é certo considerar as conquistas espaciais como vitórias de toda a humanidade?

FERREIRA - Considero que qualquer conquista espacial seja conquista da humanidade. A ida do homem à Lua está no mesmo campo da primeira circunavegação do globo. Espanhóis e portugueses eram os donos dos mares há 500 anos. Esse conhecimento vai passando para o resto da humanidade. O mesmo acontecerá com o conhecimento espacial.

UnB AGÊNCIA - Mas, pelo que o senhor disse, o conhecimento não está sendo compartilhado.

FERREIRA - Não de forma natural. De fato, atualmente, quem tem o domínio da tecnologia espacial não a transmite. O Brasil continua tendo grandes dificuldades para criar o seu próprio foguete devido a restrições de importação de tecnologia. Mas isso faz parte do jogo, e os países precisam investir. A Índia e a China investiram muito em educação. Essa é uma palavra-chave. Eu estive nos Estados Unidos na década de 1980 e vi chineses patrocinados pelo Estado para se capacitar e voltar para o país. A China utilizou isso muito bem, e aliou a estratégia a um plano educacional interno muito forte.

UnB AGÊNCIA - A Estação Espacial Internacional, que vem sendo montada desde 1998 e deve estar pronta até 2010, pode mudar alguma coisa nessa lógica de competição? O senhor enxerga boas perspectivas para a iniciativa?

FERREIRA - A estação já demorou mais do que devia, muito por causa dos acidentes com os ônibus espaciais. Além disso, o custo estimado da estação aumentou várias vezes. É difícil julgar, mas não ficou muito claro para a comunidade científica quais seriam os objetivos da estação. Eu sempre achei uma iniciativa muito interessante, porque os investimentos no espaço são altos, e o melhor é que todos os países juntem-se para fazer o mesmo projeto. Se fosse possível fazer isso com as missões à Lua, sem o mesmo tipo de filosofia da Guerra Fria, seria muito interessante para a humanidade e tornaria as conquistas realmente mundiais.

Roberto Fleury/UnB Agência
“A presença da China no espaço tem objetivos
Semelhantes aos de EUA e Rússia durante a
Guerra Fria, mas sem a corrida armamentista”

UnB AGÊNCIA - Já existem algumas empresas investindo no turismo espacial. A Virgin Galactic é uma das mais adiantadas no ramo e promete, para o ano que vem, viagens tripuladas ao espaço. Quais são as suas expectativas em relação ao futuro dessas empresas?

FERREIRA - Mandar turistas ao espaço é um grande feito. Isso é o prenúncio de investimento privados, que podem contribuir para os avanços na tecnologia espacial. É preciso que alguém comece e crie o caminho para as grandes empresas que virão. O projeto é muito interessante, mas eu não sei se um ano é um prazo razoável. Existem turistas que foram à estação espacial, mas ela não foi construída para isso. Por enquanto, foi feito apenas um vôo de teste com essa nave de turismo. O fator segurança é, de longe, o mais importante. Essa atividade vai ter que atender aos regulamentos. Eu diria que podemos esperar surpresas para os próximos cinco anos.

UnB AGÊNCIA - Um satélite norte-americano que orbita a Terra está para cair entre os meses de fevereiro e março. Outros dispositivos espaciais já caíram na superfície terrestre sem causar estragos notáveis, mas o satélite espião norte-americano carrega um combustível tóxico, e ainda não é possível saber onde ele vai cair exatamente. Como esse tipo de atividade é regulado?

FERREIRA - Qualquer país pode lançar um satélite. Não há impedimento em relação a isso. Mas existe, de fato, um conselho internacional que regulamenta as atividades espaciais. O Comitê para uso Pacífico do Espaço Sideral (Copuos) é uma organização que está ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) e regula o uso do espaço. Há o caso de um satélite russo que caiu no Canadá. Isso foi para o tribunal e a Rússia pagou uma indenização. Se o satélite norte-americano causar algum dano, aquelas pessoas que se sentirem lesadas têm uma entidade para buscar seus direitos.

UnB AGÊNCIA - O senhor acredita que a queda desse satélite norte-americano pode causar grandes danos?

FERREIRA - Não. Esse combustível que ele carrega, a hidrazina, é altamente volátil. Ela explode muito fácil. Quando o satélite entra no planeta, ele se aquece tanto que o recipiente do combustível vai explodir bem antes de chegar. O perigoso são as cargas nucleares, que são feitas de material radioativo e, por isso, resistem. É o caso daquele satélite russo. Atualmente, inclusive, há uma movimentação para instituir uma regra que proíba artefatos nucleares no espaço, mas que ainda não colou, principalmente por causa dos Estados Unidos. A maior probabilidade, contudo, é de que esses objetos caiam no mar. Além disso, a maior parte dos satélites é pequena. Eventualmente, quando é grande (como a Mir), ele de fato cai. Mas muitos vão ficar lá eternamente, como lixo espacial. Os satélites-espiões são mais problemáticos, porque têm uma órbita mais baixa (em geral, 700 km).

Roberto Fleury/UnB Agência
“Qualquer conquista espacial
é uma conquista da humanidade”

UnB AGÊNCIA - Em 2007, os russos comemoraram os 50 anos de lançamento do primeiro satélite artificial da Terra. Como o senhor avalia este primeiro meio século de exploração espacial?

FERREIRA - O ponto alto foi mesmo o lançamento do Sputnik. Mas o lançamento do Explorer One, meses depois, pelos Estados Unidos, tem um lado muito importante, porque foi esse satélite que descobriu o cinturão de Van Allen, dando a visão que nós temos hoje de uma parte importante da atmosfera externa da Terra, a magnetosfera. Essa descoberta, inclusive, valeu um Prêmio Nobel aos autores. Outros destaques são o envio do primeiro homem ao espaço, em abril de 1961, e a chegada do homem à Lua, oito anos depois.

UnB AGÊNCIA - Quase 40 anos depois de o homem pisar pela primeira vez na Lua, ainda existem pessoas que não acreditam no feito – talvez porque a proeza não foi repetida desde então. O ser humano avançou o quanto poderia nesses 50 anos de exploração espacial ou, com o final da Guerra Fria, a área perdeu prestígio?

FERREIRA - Houve avanços bastante significativos durante esse tempo. Hoje, nós temos robôs e satélites estudando a possibilidade de colonizar Marte, a nave Cassini desvendando o sistema de Saturno (encontrando luas com condições semelhantes às que a Terra tinha há bilhões de anos) e várias espaçonaves em Mercúrio, Plutão, etc. Além disso, o telescópio Hubble revolucionou as teorias de evolução do universo. Contudo, o programa tripulado ficou estacionado em função do desaparecimento da corrida armamentista. Ele ficou muito aquém do que se esperava. De acordo com os planos da Nasa, atualmente, nós já deveríamos ter uma colônia na Lua. Essa exploração ficou tão cara, que acabou sendo abandonada. Houve várias missões à Lua, a um custo altíssimo. Tão alto que, em um determinado momento, o Senado norte-americano cortou o dinheiro para esse tipo de viagem. A Guerra Fria já estava no final, o que tinha para se provar já fora provado, e não se via mais nenhum tipo de ganho tecnológico naquilo. As prioridades eram outras.


Fonte: Site da Universidade de Brasília (UnB)

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