Os Benefícios Inestimáveis do Sensoriamento Remoto
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo escrito pelo Dr. José
Monserrat Filho e postado dia (20/02) pelo companheiro André Mileski em seu "Blog Panorama Espacial".
Duda Falcão
Os Benefícios Inestimáveis
do Sensoriamento Remoto
“The non-right answer thesis, understood as a moral
claim,
is deeply unpersuasive in morality as in law.” Ronald
Dworkin1
José Monserrat Filho*
20/02/2015
A Reunião Anual da Associação
Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), realizada em San Jose, Califórnia,
de 12 a 16 de fevereiro, teve como tema central três palavras: “Inovação,
Informação e Imageamento”. O imageamento gerado pelas atividades de sensoriamento
remoto foi colocado no mesmo nível de importância da inovação e da informação –
mais que nunca indispensáveis no mundo contemporâneo2. Os países e os povos já
não podem viver sem gerar imagens para atender a mil e uma utilidades e
necessidades essenciais.
Eis aqui um bom e novo exemplo.
Dois arqueólogos – David Mattingly, da Universidade de Leicester, e José
Iriarte, da Universidade de Exeter, ambas no Reino Unido, revelaram na Reunião
da AAAS que a tecnologia de sensoriamento remoto via satélite e drones,
ajudou-os a descobrir vestígios de antigas civilizações na região Amazônica e
no deserto do Saara, que já não estavam à vista de ninguém. A história está
contada na revista Science3, editada pela AAAS, por Lizzie Wade, na matéria
divulgada em 13 de fevereiro, que traz dados interessantíssimos.
David Mattingly está estudando
a cultura dos Garamantes, que começaram a construir uma rede de cidades,
fortalezas e lavouras em torno de oásis no Saara do sul da Líbia por volta de
1000 anos antes de Cristo. Ele explica que essa civilização atingiu o seu auge
nos primeiros séculos da nossa era e seu declínio só começou 700 anos depois de
Cristo, possivelmente porque usou toda a água subterrânea da região – uma
amarga experiência bastante instrutiva para o Brasil de hoje.
Muitas estruturas dos
Garamantes, de um modo ou de outro, continuam de pé até agora, mas foram bem
pouco visitadas pelos arqueólogos. Não é nada fácil fazer trabalho de campo num
Sahara quente, seco e remoto, lembra o pesquisador. "E a relativa ausência
de marcas de pés no chão leva à falta de evidências" sobre os Garamantes e
outras culturas que podem ter prosperado na região antes da conquista
islâmica.”
Muitos lugares dos Garamantes
não foram destruídos nem soterrados. Por isso, “aparecem em detalhes
impressionantes nas imagens de satélite”, afirma Mattingly. Ele analisou essas
imagens e disse: “Em área de cerca de 2500 km², localizamos 158 assentamentos
centrais, 184 cemitérios, 30 km² de campos, além de variados sistemas de
irrigação". O arqueólogo e sua equipe selecionaram os lugares mais
promissores para o trabalho de campo e usaram imagens para reconstruir os
vestígios dos Garamantes, algo muito difícil de fazer por meio de uma escavação
local de cada vez.
José Iriarte, por sua vez, usou
um drone em vez de satélites para realizar o sensoriamento remoto da floresta
amazônica, onde a vegetação espessa impede a visão do solo e, assim, esconde a
maioria dos sinais das antigas povoações. Ali, o drone – aparelho teleguiado
que voa no espaço aéreo – é considerado bem mais eficiente para localizar as civilizações
perdidas da região.
O drone de Iriarte mapeia o
solo como que “furando” a copa das árvores e revela as regiões onde no passado
foram feitas terraplanagens para enriquecer a terra. Daí que para os
arqueólogos, pelo menos parte da floresta deve ter servido para a implantação
de grandes assentamentos agrícolas. Agora, com os dados do sensoriamento
remoto, “é hora de começar a quantificar o impacto humano sobre diferentes
partes da Amazônia no passado", confia Iriarte.
O sensoriamento remoto feito
pelo drone está equipado para analisar a distribuição das próprias plantas. Se
as culturas antigas "criaram" a floresta tropical implantando
culturas úteis em lugares específicos, suas práticas puderam determinar os
lugares onde ainda hoje cresce cada espécie. Isso poderia mudar a maneira como
pensamos a conservação na Amazônia. "A própria biodiversidade que
procuramos hoje salvaguardar pode ser, ela própria, um legado de séculos ou
milênios de intervenção humana", estima Iriarte.
"As novas tecnologias
apenas há pouco abriram essas regiões para nós", diz Mattingly. Mas o
tempo agora urge. Tanto na Amazônia quanto no Sahara, o desenvolvimento moderno
provoca mudanças que alteram 0 meio ambiente e, não raro, seus responsáveis e
executores não entendem a importância arqueológica daquilo que estão
destruindo. O sensoriamento remoto pode ser o único modo de coletar e guardar
imagens dos locais históricos antes que desapareçam para sempre.
O grande problema da atividade
de sensoriamento remoto é que, embora tenha se desenvolvido vertiginosamente
nos últimos 30 anos, continua sub-regulamentada. A resolução 41/65 contendo os
“Princípios sobre Sensoriamento Remoto a partir do Espaço Exterior”4, aprovada
pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1986, ainda é o único documento
internacional que trata da matéria e ainda assim com caráter meramente
recomendativo. Todas as tentativas (inclusive do Brasil em 2001) de elaborar, a
partir da resolução, um acordo obrigatório, mais amplo e atualizado, esbarraram
na oposição de grandes potências que dominam as tecnologias e o mercado das
atividades de sensoriamento remoto. As tecnologias de sensoriamento remoto –
antes de uso exclusivo das forças armadas – estão hoje ao alcance de qualquer
pessoa, empresa ou agrupamento, independente de seus objetivos.
O Princípio II da resolução
repete, em boa parte, o Art. 1º, § 1, do Tratado do Espaço de 1967, o código
maior das atividades espaciais: “As atividades de sensoriamento remoto deverão
ter em mira o bem e o interesse de todos os Estados, qualquer que seja o
estágio de seu desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico,
levando em especial consideração as necessidades dos países em
desenvolvimento.”
Em complementação, o Princípio
IV afirma que as atividades de sensoriamento remoto “não poderão ser efetuadas
de modo a prejudicar os direitos e interesses dos países sensoriados”.
Os países sensoriados, ao longo
dos muitos anos em que os Princípios foram discutidos no Subcomitê Jurídico do
Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (UNCOPUOS),
resistiram em concordar com a liberdade total de sensoriar qualquer região da
Terra, que acabou sendo adotada para gáudio da maioria das potências espaciais5.
O livre sensoriamento remoto do planeta é considerado como “a maior conquista”
da resolução 41/65e, provavelmente, é sua única regra efetivamente em vigor.
É muito positivo que se possa
sensoriar livremente qualquer parte do globo, sem a licença prévia proposta
pelos países em desenvolvimento. Mas essa liberdade total bem que poderia ser
contrabalanceada e recompensada por uma regulamentação detalhada e segura sobre
as atividades de sensoriamento remoto capazes de “prejudicar os direitos e
interesses dos países sensoriados”, que em geral ainda não dominam tal
tecnologia, nem podem se defender dos ilícitos praticados por meio de seu uso.
Essa regulamentação até hoje
não existe e segue sendo uma das flagrantes e lamentáveis lacunas do Direito
Espacial Internacional.
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação
Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Este artigo reflete apenas
a opinião do autor.
Referências
(1) Dworkin, Ronald (1931-2013), Law's Empire, USA: 1986, p. IX. Filósofo do Direito norte-americano, Dworkin (1931-2013)
foi professor de Teoria Geral do Direito na University College London e na New
York University School of Law, e deixou extensa bibliografia. Tradução livre do
epígrafe deste artigo: “A tese da resposta pelo caminho do não-direito,
entendida como demanda moral, é profundamente não convincente, tanto na
moralidade como no direito”.
(2) Olivo, Mikhail Vieira
Cancelier de, Sensoriamento Remoto e Direito Espacial, Florianópolis, SC: Lagoa
Editora, 2010.
(3) Ver alerts@aaas-science.org.
(4) Ver textos no site www.sbda.org.br.
(5) Monserrat Filho, José, Por
que não há uma convenção internacional sobre Sensoriamento Remoto?, 2001,
publicado no site.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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