Lixo Espacial: Mitigar ou Remover?
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado hoje (01/02) pelo companheiro André Mileski em seu no
Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Lixo Espacial: Mitigar ou Remover?
José Monserrat Filho*
Mais vale prevenir do que remediar, tanto na
Terra como no céu.” Dito popular adaptado
O lixo espacial é a questão mais crítica em matéria de
proteção e segurança no espaço. Só perde para o perigo da instalação de armas
em órbitas da Terra, que pode transformá-las em campos de batalha. Mais de 50
anos de atividades espaciais – que se tornaram vitais ao cotidiano na Terra –
criaram incrível quantidade de detritos que se multiplicam e perpetuam, e podem
acabar inutilizando o uso do espaço, em especial nas órbitas baixas. Tal lixo
varia de fragmentos de menos de um milímetro de diâmetro até naves de muitos
metros de diâmetro. São satélites desativados, corpos e restos de foguetes,
sobras e cacos de colisões e até objetos como luvas, ferramentas etc.
Hoje, claramente, há duas formas de enfrentar o desafio
do crescente lixo espacial:
1) Impedindo que as atividades espaciais continuem a
produzir detritos em órbitas, como recomendam as Diretrizes para a Redução dos
Detritos Espaciais, aprovadas pelo Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico
do Espaço Exterior (COPUOS, na sigla em inglês) e endossadas pela Assembleia
Geral da ONU, em dezembro de 20071; e
2) Removendo as maiores monturos, para impedir as colisões que, pelo efeito
cascata, pulverizam o lixo existente e geram novos detritos. Urge, pois, limpar
o espaço da grande sujeira.
Em recente artigo, Darren McKnight, engenheiro
norte-americano, afirma com razão que a primeira ação já não garante a
sustentabilidade das atividades espaciais. A remoção do lixo também é
necessária, acrescenta ele.2
Segundo McKnight, o limite crítico da acumulação de
grandes objetos in órbitas baixas já foi ultrapassado. Isso pode provocar a
Síndrome Kessler3, ou seja, uma reação em cadeia de colisões auto sustentada,
cujo ritmo de choques é incerto devido a sua natureza aleatória.
Ainda segundo McKnight, a média de tempo entre as
colisões é atualmente estimada em cerca de quatro anos, mas esse intervalo
varia – a colisão pode ocorrer tanto hoje ou quanto na próxima década. E não há
certeza de como ela será. Poderá ser um golpe de raspão entre dois objetos de
tamanho moderado, uma colisão frontal entre dois objetos de grande massa ou
algum cenário intermediário. Por exemplo, há uma chance em 4.000 por ano de
dois corpos abandonados de foguetes de 9.000 kg colidirem entre si, o que
poderia duplicar o número de detritos catalogados e adicionar mais de meio
milhão de fragmentos letais não rastreáveis.
McKnight está seguro de que as operações de remoção ativa
de detritos (Active Debris Removal – ADR) levarão décadas para acumular
benefícios. Estudos da NASA sobre a eficácia da ADR indicam que seriam
necessárias de 30 a 50 remoções para, estatisticamente, prevenir uma única
colisão. Assim, removendo de cinco a 10 objetos maciços por ano, seriam
precisos de três a 10 anos para impedir apenas uma colisão, segundo as
estatísticas. O custo da remoção de cada objeto ainda não foi determinado, mas
os valores estimados variam de US$ 10 milhões a $ 50 milhões por objeto. Daí
que cada colisão evitada poderá custar de US$ 300 milhões a 2,5 milhões.
Mas o pior da história é que a remoção de objetos maciços perdidos no
espaço não elimina todos os riscos; ela simplesmente transforma o risco de
destruir satélites ativos em risco de atingir pessoas e bens em solo após a
reentrada na atmosfera. A urgência também é acentuada pelo fato de que um
sistema operacional ADR pode ficar disponível apenas de cinco a 15 anos.
A remoção, claro, busca retirar do espaço todo o lixo de
dimensão avantajada, anos ou até décadas antes que ele possa colidir e criar
mais lixo. Mas, pergunta McKnight, o que fazer quando é iminente um choque
entre dois enormes detritos? E ele próprio responde: hoje, só nos resta cruzar
os dedos e esperar o melhor.
O Direito Internacional e o Direito Espacial,
considerando a possibilidade de uso das técnicas de remoção de detritos como
arma antissatélite, podem desestimular e até barrar o desenvolvimento dessas
técnicas. Para McKnight, essa insegurança já está retardando a formulação de
uma política que autorize a remoção dos maiores entulhos.
Em vista de tudo isso, McKnight propõe três ações
imediatas:
1) Intensificar os esforços de redução de detritos, via
aplicação mais rigorosa das diretrizes existentes (por exemplo, conceder menos
benefícios a operadores inadimplentes) ou criação de diretrizes mais rigorosas
(talvez alterar a regra de 25 anos para 15 anos). Essas diretrizes de mitigação
podem ser melhor satisfeitas com a instalação de sistemas “deorbit” nos
satélites antes de seu lançamento. Isso permitiria testar parte do sistema ADR,
sem ter que lidar com um objeto desamparado em órbita. Isso poderá ser até mais
confiável do que planejar uma manobra de propulsão de fim de vida de um
satélite, economizando combustível para prolongar sua vida útil.
2) Lograr acordo para acelerar
o desenvolvimento, os testes e a implantação de protótipos de operações de
remoção. O primeiro passo lógico seria planejar e executar algumas
demonstrações de tecnologias da ADR para saber mais sobre como melhorar a
eficiência e os custos das operações. Há programas de testes orbitais com
vários componentes previstos para os próximos anos, mas ainda não há
experimentos em grande escala reconhecidos publicamente.
3) Estudar outras abordagens
mais táticas e ágeis para prevenir colisões capazes de impedir uma colisão
iminente. Tal solução em potencial, já em discussão, poderá evitar uma colisão
a tempo, como um sopro de ar levado por um lançamento balístico para desviar
monturos do caminho do mal. Essa abordagem eliminaria a necessidade de capturar
objetos maciços, evitando qualquer risco de reentrada, mas deixando-os em
órbita. A prevenção de colisão a tempo alavancaria soluções de foguetes
confiáveis e baratos existentes, mas exigiria ampliar a capacidade de prever a
localização antecipada de objetos abandonados. E, mais importante ainda: isso
engendraria uma capacidade de intervenção rápida, não obstrutiva e não
destrutiva para evitar uma colisão iminente entre dois enormes objetos
perdidos.
Knight sabe que a prevenção de
colisões ainda deve superar desafios técnicos, mas considera que com ela
tenta-se aumentar as possibilidades de remediar o problema dos detritos. E faz
um apelo à comunidade para que crie conceitos mais eficientes em custo e em
tempo de ação. A seu ver, hoje mais que nunca, há que inovar e prevenir: “Se o
volume do lixo evoluir mais rapidamente do que sugere a média das previsões,
não queremos ser pegos de surpresa, nem sermos incapazes de reagir em tempo
hábil.”
Ele julga temerosa a ideia de
criar um acordo operacional internacional para impedir o aumento do número de
detritos espaciais e, ao mesmo tempo, remover os enormes objetos abandonados.
Mas considera ainda mais desafiador, técnica e financeiramente, esperar até que
grandes colisões nos obriguem a iniciar para valer o trabalho de remoção. Ou
seja, é melhor prevenir do que remediar – até o mundo mineral sabe disso, como
diz o indefectível Mino Carta. E não esquecer a função responsavelmente
preventiva do direito internacional pós-bomba nuclear.
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de
Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Este artigo reflete
apenas a opinião do autor.
Referências
(1) Resolução 62/217 de 22 de
dezembro de 2007
(2) McKnight, Darren, Orbital Debris Remediation: A Risk Management
Problem, Space News, 28/01/2015. O autor é
diretor técnico da Integrity Applications Inc., empresa de serviços de
engenharia e software, em Chantilly, Virginia, EUA.
(3) Ver .
A síndrome de Kessler, proposta por Donald J. Kessler, consultor da NASA, é um
conjunto de características inseridas desordenadamente no meio ambiente
espacial, cuja a tendência é causar colisões e reações em cadeia, envolvendo
satélites, ativos ou não, e outros situados objetos em órbitas do planeta.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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