Avanços na Teoria das Supercordas
Olá leitor!
Segue abaixo uma entrevista realizada pela Agência FAPESP com o físico naturalizado brasileiro, Nathan Berkovits, professor titular do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-UNESP), postada ontem (02/02) no site da “Agência
FAPESP”.
Duda Falcão
Entrevista
Avanços na Teoria das Supercordas
Por José Tadeu Arantes
02/02/2015
(Imagem:
Andrew J. Hanson/Wikimedia Commons)
Seção bidimensional de um espaço hexadimensional por
vezes usado na descrição da "compactificação" das
seis dimensões extras do espaço-tempo .
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Agência
FAPESP – Todas as
experiências em física de altas energias realizadas nas últimas décadas
confirmaram o chamado “Modelo Padrão de Partículas”, uma construção teórica que
descreve a estrutura e o comportamento da matéria nas escalas atômica e
subatômica.
Vários cientistas
que contribuíram para o desenvolvimento do modelo foram contemplados com o
prêmio Nobel de Física, inclusive o britânico Peter Higgs, propositor do famoso
Bóson de Higgs – premiado, com o belga François Englert, em 2013.
Tal sucesso
não deixa de constituir, porém, um impasse, pois no Modelo Padrão importantes
questões permanecem sem solução.
A mais
importante dessas questões, tantas vezes mencionada, é a impossibilidade de
unificar em um quadro único as quatro interações fundamentais da natureza (gravitacional,
eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte), devido à incompatibilidade
entre a teoria geral da relatividade (que descreve a interação gravitacional) e
a teoria quântica (que descreve as outras três interações).
Por isso,
físicos das novas gerações vêm buscando alternativas ao Modelo Padrão. Várias
propostas já foram apresentadas, mas a que se tem mostrado mais duradoura e
promissora é a teoria das supercordas, que substitui a noção de partículas
pontuais do Modelo Padrão pela noção de diminutas cordas em vibração. As
diferentes vibrações ou “modos de excitação” das cordas originariam os vários
tipos de partículas.
Essa teoria já
passou por várias reformulações desde que foi proposta pela primeira vez, no
início dos anos 1970. Um dos pesquisadores que tem contribuído ativamente para
o seu desenvolvimento é o norte-americano naturalizado brasileiro Nathan
Berkovits, professor titular do Instituto de Física Teórica da Universidade
Estadual Paulista (IFT-UNESP).
Berkovits
recebeu em 2009 o prêmio anual de física da The World Academy of Sciences
(TWAS) por sua pesquisa com supercordas. Desde 2011, dirige o ICTP South
American Institute for Fundamental Research (ICTP-SAIFR), criado em parceria
pelo Abdus Salam International Centre for Theoretical Physics (ICTP), de
Trieste (Itália), a UNESP e a FAPESP.
Coordena
atualmente o Projeto Temático “ICTP Instituto Sul-Americano
para Pesquisa Fundamental: um centro regional para física teórica”,
apoiado pela FAPESP, e concluiu, em 2014, outro Temático, intitulado “Pesquisa e ensino em teoria
de cordas”.
Em entrevista
à Agência FAPESP, Berkovits apresenta o estado da arte no estudo das
supercordas e descreve suas principais contribuições nesse campo teórico.
Agência
FAPESP – Por que é
tão importante construir uma teoria capaz de superar a contradição entre a
relatividade geral e a mecânica quântica?
Nathan
Berkovits – Embora a
relatividade geral seja utilizada na descrição do macrocosmo, em escalas
interestelares e intergalácticas, e a mecânica quântica seja utilizada na
descrição do microcosmo, em escalas atômicas e subatômicas, a compatibilização
de ambas não é irrelevante, principalmente quando pretendemos entender o
universo primordial. Segundo a teoria do Big Bang, o universo tinha tamanho
subatômico nas frações de segundo que se seguiram ao instante inicial. A escala
em que a mecânica quântica afeta a interação gravitacional é tão pequena que nem
podemos sonhar em construir aceleradores capazes de detectá-la, mas informações
poderão eventualmente ser obtidas a partir de observações cosmológicas sobre o
universo jovem.
Agência
FAPESP – E a
teoria das supercordas seria uma alternativa promissora na superação dessa
contradição?
Berkovits – Sim, porque, nela, as diferentes
vibrações das cordas descrevem partículas diferentes. Isso possibilita que a
teoria das supercordas não apenas unifique a interação gravitacional com as
outras interações, como unifique também todas as partículas. A teoria das
supercordas está bem longe de poder ser verificada experimentalmente, mas já
deu origem a várias ideias que têm sido úteis em outras áreas da física e da
matemática. Uma dessas ideias é o conceito de supersimetria.
Agência
FAPESP – Poderia
falar sobre esse conceito?
Berkovits – O conceito de supersimetria relaciona partículas fermiônicas, que constituem
a matéria, com as partículas bosônicas, que transmitem as
interações ou as forças entre os constituintes da matéria. Embora os férmions e
os bósons sejam bem diferentes, existe a possibilidade de relacionar esses dois
tipos de partículas por meio do conceito de supersimetria. Ela prevê que, para
cada férmion, deva existir um bóson correspondente, isto é, uma partícula
supersimétrica. E vice-versa. Esse conceito surgiu nos anos 1970, na teoria de
cordas, e, por isso, elas passaram a ser chamadas de supercordas. Uma
propriedade importante das teorias com supersimetria é que nelas as
divergências com a mecânica quântica são atenuadas, devido à possibilidade de
um cancelamento entre partículas fermiônicas e partículas bosônicas. Por isso,
mesmo os físicos que não trabalham com supercordas passaram a se interessar
fortemente por supersimetria. Os pesquisadores do LHC [Large Hadron Collider
ou Grande Colisor de Hádrons], em Genebra, estão procurando ativamente
evidências de supersimetria, que se mostrou um conceito aplicável a várias
áreas da física e da matemática.
Agência
FAPESP – Uma
dificuldade que a teoria das supercordas apresenta é a necessidade de um espaço
com muitas dimensões para descrevê-la.
Berkovits – De fato. O formalismo matemático da
teoria de supercordas utiliza um espaço de dez dimensões. Surge, então, a
pergunta: por que observamos apenas quatro dessas dez dimensões? Há ao menos
duas respostas para isso. Uma é dizer que as outras seis dimensões são tão
pequenas que não podemos detectá-las. O modelo que afirma isso é chamado de
compactificação. Uma outra resposta é dizer que a matéria não pode ocupar todas
as dimensões do Universo, mas apenas sua superfície. O Universo seria um objeto
decadimensional com uma superfície tetradimensional, e partículas como os
elétrons e os fótons estariam confinados a essa superfície. Apenas o gráviton,
o transmissor da interação gravitacional, estaria livre para se deslocar pelo
Universo inteiro. Tal superfície recebe o nome de brana, por analogia com a
membrana, que é a superfície bidimensional de um objeto tridimensional. E há,
então, toda uma teoria de branas.
Agência
FAPESP – Que
evoluções ocorridas na teoria de supercordas nas últimas décadas o senhor
destaca?
Berkovits – Uma evolução importante foi o conceito
de “dualidade”, que consiste em relacionar duas teorias bem diferentes
utilizadas para descrever a mesma coisa. O exemplo mais importante de
“dualidade” é a correspondência AdS-CFT, que relaciona uma teoria de gravitação
quântica com uma teoria de campo. Essa correspondência foi conjecturada em 1997
pelo físico argentino Juan Maldacena (do Instituto de Estudos Avançados em
Princeton, nos Estados Unidos), que, depois, ao mesmo tempo que outros
pesquisadores, reuniu várias evidências para comprová-la. Trata-se da
correspondência entre uma teoria de gravitação quântica em um espaço anti-de-Sitter (AdS) e uma
teoria de campo do tipo Yang-Mills supersimétrica (que é um exemplo de conformal
field theory ou CFT). A correspondência AdS-CFT é um dos assuntos mais
ativos em física teórica de altas energias dos últimos 15 anos, e gerou
aplicações em outras áreas, como a física de íons pesados e a física de
supercondutividade.
Agência
FAPESP – E houve
também sua contribuição, não é mesmo?
Berkovits – Minha pesquisa já tem cerca de 25 anos.
Concentrei-me no entendimento da supersimetria na teoria de supercordas e na
aplicação desse entendimento no estudo da correspondência AdS-CFT. O formalismo
convencional para as supercordas, o RNS (sigla formada pelas letras iniciais
dos sobrenomes dos pesquisadores Pierre Ramond, Andre Neveu e John Schwarz),
foi desenvolvido nos anos 1970. Mas a supersimetria estava escondida nele. Nos
anos 1980, Michael Green e John Schwarz desenvolveram um formalismo alternativo,
o GS (sigla formada pelas letras iniciais de seus sobrenomes), mas sua
quantização era complicada. O problema ficou em aberto até o ano 2000, quando
propus um novo formalismo, com supersimetria manifesta e quantização simples.
Este novo aparato foi chamado de “formalismo de spinores puros”, porque envolve
não apenas variáveis vetoriais que, descrevem o espaço-tempo, mas também
variáveis spinoriais.
Agência
FAPESP – O que é
um spinor?
Berkovits – É uma ferramenta matemática, que talvez
se torne mais compreensível se a compararmos com outra ferramenta matemática, o
vetor. Para descrever qualquer ponto do espaço-tempo, usamos um vetor de quatro
dimensões, três para o espaço (por exemplo, comprimento, largura e altura) e
uma para o tempo. Podemos pensar em uma realidade com número maior de
dimensões. E o vetor terá tantos componentes quanto forem as dimensões. O
spinor permite descrever outras grandezas além da posição no espaço-tempo. Por
exemplo, se considerarmos um elétron, não basta saber apenas em que ponto ele
está no espaço-tempo, mas também em qual eixo ele está girando, isto é, qual é
o seu spin. E o spinor fornece essa descrição. Ou seja, ele carrega mais
informação do que o vetor.
Agência
FAPESP – Qual foi
a repercussão de seu novo formalismo?
Berkovits – No ano 2000, logo no início do meu
primeiro Projeto Temático
apoiado pela FAPESP], escrevi um artigo intitulado Super-Poincaré covariant
quantization of the superstring, que foi publicado no Journal of High
Energy Physics (JHEP). Esse artigo já gerou mais de 400 citações. Vários
grupos de pesquisadores do mundo todo estão trabalhando agora com o formalismo
dos spinores puros.
Agência
FAPESP – Explique
a vantagem dos spinores puros.
Berkovits – Uma maneira de estudar as supercordas é
calcular amplitudes de espalhamento dos grávitons, que são as partículas que
transmitem a interação gravitacional. Quando as energias dos grávitons são
baixas, essas amplitudes podem ser calculadas por meio da teoria clássica da
relatividade geral. Mas, quando as energias são altas, é necessário fazer
correções quânticas no cálculo das amplitudes. Então, surge o problema das
incompatibilidades entre a relatividade geral e a mecânica quântica, que
procuramos contornar por meio da teoria das supercordas. Ocorre, porém, que, no
formalismo convencional RNS, o cálculo das correções quânticas é muito difícil,
pelo fato de a supersimetria estar escondida. Já no formalismo dos spinores
puros, elas são muito mais fáceis de calcular. E eu mostrei, em 2004, que essas
correções quânticas são finitas, como se esperava.
Agência
FAPESP – Quais
foram as aplicações ou desenvolvimentos posteriores de seu formalismo?
Berkovits – Em 2006, meu então aluno de doutorado
Carlos Mafra e eu calculamos, pela primeira vez, as correções quânticas de
segunda ordem nas amplitudes de espalhamento de bósons e férmions. Entre 2007 e
2009, Nikita Nekrasov [do Institut des Hautes Études Scientifiques, na
França], Michael Green [da Cambridge University, no Reino Unido] e
eu provamos vários teoremas relacionados com outras correções. Em 2013, Carlos
Mafra e outro ex-aluno, Humberto Gomez, calcularam pela primeira vez correções
quânticas de terceira ordem. E, no ano passado, em 2014, Edward Witten [do
Instituto de Estudos Avançados em Princeton, nos Estados Unidos] e eu
empregamos o formalismo para calcular os efeitos quânticos responsáveis pela
quebra de supersimetria.
Agência
FAPESP – Como o
senhor aplicou o seu formalismo no estudo da correspondência AdS-CFT?
Berkovits – O formalismo convencional RNS é incapaz
de descrever o background do espaço anti-de-Sitter (AdS) que aparece na
correspondência AdS-CFT de Juan Maldacena. Por essa razão, uma aplicação
importante do formalismo de spinores puros é o estudo da supercorda neste
background. Em 2005, usei esse formalismo para provar a consistência quântica
do background AdS. E, em 2008, Cumrun Vafa (da Harvard University, nos Estados
Unidos) e eu empregamos o formalismo para descrever o background quando a
curvatura do espaço anti-de-Sitter é grande. Nesse mesmo ano, trabalhei com
Maldacena e, juntos, achamos uma nova simetria do background chamada “dualidade
T fermiônica”, usada depois para entender a relação entre as supercordas e a
teoria de Yang-Mills supersimétrica. No ano seguinte, simplifiquei o formalismo
no background AdS. E, em 2013 e 2014, com a colaboração de meus alunos de
doutorado Thiago Fleury e Thales Azevedo, mostramos como calcular amplitudes de
espalhamento neste background.
Agência
FAPESP – Há uma
relação entre o formalismo dos spinores puros e outras descrições das
supercordas?
Berkovits – Nos anos 1970, Roger Penrose [da
Oxford University, no Reino Unido] desenvolveu uma nova descrição do
espaço-tempo usando variáveis spinoriais que ele chamou twistores. A
relação dos twistores com as supercordas começou a ser entendida depois que
Edward Witten introduziu uma nova supercorda com variáveis twistorias em 2003.
No ano seguinte, eu simplifiquei essa supercorda, e com Witten, mostramos que a
supercorda twistorial simplificada e aquela que ele havia proposto antes eram
equivalentes. Em 2010, achei uma relação entre os twistores e spinores puros.
E, em 2012 e 2014, mostrei que o formalismo de spinores puros pode ser
interpretado em termos de uma supercorda twistorial. Todos esses passos estão registrados
nos artigos que
publiquei ao longo destes anos de pesquisa.
Agência
FAPESP – Seus
trabalhos parecem evoluir no sentido de uma simplificação cada vez maior.
Berkovits – As pessoas que trabalham na área
acreditam que haja algo ainda mais fundamental do que as supercordas. Isso fica
claro, por exemplo, quando se fala em correspondência AdS-CFT. O que está por
trás ou para além dessa dualidade? O meu trabalho busca essa descrição mais
fundamental. E um dos ingredientes para isso é a supersimetria. A supersimetria
rearranja o formalismo das cordas, vamos dizer assim.
NOTAS
A ordem de
grandeza das supostas cordas corresponde ao chamado “comprimento de
Planck”, igual a 1,61619926 x 10-35 metros. Para efeito de
comparação, o diâmetro do próton é estimado em 0,877 x 10-15 metros.
Isso significa que o diâmetro do próton seria 1020 vezes maior do
que o comprimento das cordas.
As partículas
fermiônicas, ou férmions, que constituem a matéria, são os elétrons, os
quarks e os neutrinos. As partículas bosônicas, ou bósons, que transmitem as
interações ou forças entre os constituintes da matéria, são os grávitons
(responsáveis pela interação gravitacional), os fótons (responsáveis pela
interação eletromagnética), os Ws e os Zs (responsáveis pela interação nuclear
fraca), os glúons (responsáveis pela interação nuclear forte) e os bósons de
Higgs (que confeririam massa às demais partículas).
O “espaço
de De Sitter”, proposto pelo matemático, físico e astrônomo holandês Willem
de Sitter (1872 –1934), é o análogo tetradimensional de uma esfera. Apresenta o
máximo de simetria com curvatura constante e positiva. O espaço anti-de-Sitter
apresenta curvatura constante negativa. É o análogo tetradimensional de uma
superfície hiperbólica. A ideia por trás da correspondência AdS/CFT é a de que
é possível descrever uma força da teoria de campos (como a força
eletromagnética, a força nuclear fraca ou a força nuclear forte) em um certo
número de dimensões (por exemplo, quatro) por meio de uma teoria de corda, na
qual a corda exista em um espaço anti-de-Sitter com uma dimensão a mais (no
caso, cinco).
Para descrever
os bósons, as variáveis vetoriais são suficientes. Mas, para descrever os
férmions, os spinores são necessários. Nos anos 1930, o matemático francês Élie
Cartan (1869 –1951) descreveu as propriedades de um tipo especial de spinor
chamado “spinor puro”. Um spinor puro é uma versão decadimensional do
twistor, usado pelo matemático Roger Penrose e seus colaboradores nos anos 1970
para construir uma nova descrição do universo na qual as trajetórias dos fótons
são mais fundamentais do que os pontos do espaço-tempo.
(Imagem: TV UNESP)
O pesquisador Nathan Berkovits, professor
do Instituto de
Física Teórica da UNESP.
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Fonte: Site da Agência FAPESP
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