O Relógio do Apocalipse e as Atividades Espaciais
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado ontem (26/01) pelo companheiro André Mileski em seu no
Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
O
Relógio do Apocalipse
e as Atividades Espaciais
José Monserrat Filho*
“O mundo não esta
suficientemente preparado para um ambiente
de risco cada vez mais complexo.” Relatório de 2015 sobre “Riscos Globais”,
Fórum Econômico
Mundial, Davos, Suiça1
O que as atividades espaciais,
hoje indispensáveis à vida no planeta, podem fazer para deter e atrasar o
Relógio do Apocalipse (Doomsday Clock)? Que relações se podem estabelecer entre
a exploração e o uso do espaço exterior e as advertências do relógio?
Em 19 de janeiro de 2015, esse
indicador sui generis passou a marcar 23:57h, três minutos para a meia-noite –
a hora da catástrofe global capaz de extinguir a espécie humana que habita a
Terra há muitos milhares de anos. A decisão de adiantar o relógio em dois
minutos foi tomada após consultas a especialistas, inclusive 17 laureados com o
Prêmio Nobel, entre os quais três famosos físicos, o britânico Stephen Hawking,
o japonês pioneiro no estudo dos neutrinos Masatoshi Koshiba e o norte-americano
Leon Lederman.
A análise do Boletim dos
Cientistas Atômicos2, através de sua Diretoria de Ciência e Segurança, dirigida
“aos líderes e cidadãos do mundo”, afirma, em síntese:
“Em 2015, a mudança climática
não checada, a modernização de armas nucleares globais e os exagerados arsenais
de armas nucleares representam ameaças extraordinárias e inegáveis à
continuidade da existência da humanidade, e os líderes mundiais falharam ao não
agir com a velocidade ou na escala necessárias para proteger os cidadãos da
potencial catástrofe. Essas falhas de liderança política põem em perigo cada
pessoa na Terra.”
O Relógio do Apocalipse, criado
em 1947 para alertar contra o perigo das armas nucleares, foi iniciativa da
citada Diretoria do Boletim dos Cientistas Atômicos, revista norte-americana
fundada em 1945 por cientistas, engenheiros e técnicos da Universidade de
Chicago, ex-participantes do projeto Manhattan, que deu ao mundo a primeira
bomba atômica – “essa relíquia histórica” que confirmou o pré-aviso de seus
criadores ao ser lançada em agosto do mesmo ano (1945) sobre Hiroshima e
Nagasaki, no Japão, matando mais de 100 mil pessoas já no primeiro dia dos dois
bombardeios e mais outro tanto nos meses que se seguiram.
Em 1947, vale notar, começava a
Guerra Fria entre EUA e ex-União Soviética (URSS).
Nestes 68 anos, o Relógio do
Apocalipse foi reajustado apenas 22 vezes.
Seu pior momento ocorreu em
1953, provocado pelos testes dos EUA e URSS com armas de hidrogênio, quando
marcou 23,58h, ou seja, dois minutos para a meia-noite,
E o melhor momento deu-se em
1991, com a assinatura entre EUA e URSS, em 31 de julho, do Tratado de Redução
de Armas Estratégicas (START I), que restringia o desenvolvimento de arsenais
nucleares, quando marcou 23,43h, isto é, 17 minutos para a meia-noite.
De 1953 a 1960, o quadro
melhorou, graças ao aumento de cooperação científica entre as duas potências,
ao entendimento público dos perigos das armas nucleares e às ações políticas
destinadas a evitar a "retaliação maciça", com EUA e URSS evitando o
confronto direto em conflitos regionais, como no caso da Crise de Suez em 1956,
e acertando não levar para o espaço exterior sua rivalidade na Terra3. E mais:
o Ano Geofísico Internacional (01/07/1957-31/12/1958) reuniu cerca de 60 mil
pesquisadores de 66 países, inclusive EUA e URSS e seus aliados, para conhecer
melhor e mais profundamente os fenômenos do planeta. E surgiram as Conferências
Pugwash sobre ciência e questões estratégicas mundiais, permitindo a interação
entre cientistas norte-americanos e soviéticos. Tudo isso fez o relógio recuar
e marcar sete para a meia-noite.
Em Janeiro de 2007, porém, ele
foi adiantado em cinco minutos, passando a indicar cinco para a meia-noite, em
vista de duas calamidades em potencial: 1) as ameaças de 27 mil armas
nucleares, duas mil delas prontas para serem lançadas em minutos; e 2) a
destruição do habitat dos seres humanos causada pela mudança climática.
O relógio fatídico tornou-se
referência universal reconhecida de possíveis catástrofes globais decorrentes
do uso de armas nucleares, das mudanças climáticas e das novas tecnologias baseadas
nas ciências da vida.
Agora em 19 de janeiro,
adiantado em dois minutos, ele passou a marcar três minutos para a meia-noite.
Em vista de “falhas governamentais fantásticas”, que “puseram em perigo a
civilização em escala global”, os diretores de Ciência e Segurança do Boletim
dos Cientistas Atômicos decidiram instar os cidadãos do mundo a exigir de seus
líderes, entre outras coisas, que:
1) “Reduzam drasticamente os
gastos propostos para os programas de modernização das armas nucleares. EUA e
Rússia têm lançado planos para reconstruir, no essencial, todas as suas tríades
nucleares [bombardeiros, mísseis balísticos lançados de solo e submarinos
lançadores de mísseis balísticos] nas próximas décadas, e outros países dotados
de armas nucleares seguem seu exemplo. O custo projetado das
"melhorias" dos arsenais nucleares é indefensável e põe em cheque o
processo de desarmamento global.”
2) “Retomem de forma enérgica o
processo de desarmamento, focado em resultados. EUA e Rússia, em particular,
devem iniciar negociações para diminuir seus arsenais nucleares estratégicos e
táticos. O mundo pode ser mais seguro com arsenais nucleares bem menores que os
existentes hoje, se os líderes políticos estiverem de fato interessados em
proteger de danos os seus cidadãos.”
3) “Criem instituições
especialmente designadas para analisar e combater os usos maléficos e
potencialmente catastróficos das novas tecnologias. O avanço científico pode
prover a sociedade de grandes benefícios, mas o uso indevido em potencial de
novas e poderosas tecnologias é real, a menos que lideranças governamentais,
científicas e empresariais tomem medidas adequadas para analisar e combater
possíveis efeitos devastadores dessas tecnologias ainda no início de seu
desenvolvimento.”4
Todas estas exigências são
também aplicáveis ao espaço exterior.
É preciso discutir a proibição
da passagem pelo espaço de mísseis balísticos com armas nucleares na ogiva. O
Artigo 4º do Tratado do Espaço de 1967 veda a colocação de armas de destruição
em massa em órbitas da Terra e nos corpos celestes, a começar pela Lua. E
determina também “a não colocação de tais armas, de nenhuma maneira, no espaço
cósmico”. Passar pelo espaço, sem entrar em órbita, não parece significar
colocar tais armas em órbitas da Terra ou no espaço cósmico. Por isso, o
trânsito delas pelo espaço não está proibido. Logo, está permitido. Por que não
mudar essa situação? O nosso planeta e o próprio espaço certamente ficarão bem
mais seguros, se os arsenais nucleares não puderem cruzar o espaço para atingir
seus alvos na Terra.
Quanto ao ponto 2, é hora de
retomar decididamente o processo de desarmamento nuclear na Terra e também o
desarmamento no espaço, impedindo a instalação nele de qualquer tipo de
armamento. Isso poderá evitar a transformação do espaço em novo teatro de
guerra, pois isso é capaz de provocar um colapso nos sistemas de satélites
ativos e nos serviços de primeira necessidade que prestam aos povos, países e
organizações internacionais públicas e privadas.
É importante igualmente, como
frisa o ponto 3, criar centros de estudos para examinar e condenar, quando for
o caso, o emprego potencialmente catastrófico das novas tecnologias. O avanço
científico e tecnológico traz benefícios sem conta, mas o mau uso dessas
conquistas é, mais do que nunca, uma possibilidade real. Urgem medidas
consistentes para eliminar essa desastrosa possibilidade, também no espaço.
Tais ações estariam em perfeita
sintonia com o esforço de criar um conjunto de “Diretrizes Relativas à
Sustentabilidade a Longo Prazo das Atividades Espaciais”, em elaboração pelo
Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (UNCOPUOS, na
sigla em inglês), através de seu Subcomitê Técnico-Científico. Trata-se de um
sinal dos tempos atuais com guerras e conflitos em alta, capazes de afetar o
espaço. Um Grupo de Trabalho especialmente designado pelo Subcomitê para
estudar o assunto elaborou um documento5 que atualiza as propostas de
diretrizes já apresentadas. E que será apreciado pelo próprio Subcomitê
Técnico-Científico, em sua reunião de 2 a 13 de fevereiro de 2015, em Viena,
Áustria.
O documento afirma, em seu
ponto 18: “Na conquista do objetivo de assegurar a sustentabilidade a longo
prazo das atividades espaciais, os Estados e as organizações internacionais
devem se abster de realizar, deliberadamente ou não, atos e práticas, bem como
de utilizar meios e métodos capazes de afetar ou danificar, de alguma forma,
violando normas e princípios do direito internacional, os bens que se encontram
no espaço, e de criar situações que tornem impraticável, por razões de
segurança nacional, a aplicação plena e efetiva das diretrizes”.
Eis um bom exemplo de diretriz
bem redigida: ela formula uma recomendação clara e objetiva, além de justa e
fundamental. Trata-se, nada menos, de prevenir qualquer tipo de conflitos no
espaço, intencionais ou não. Impossível assegurar a sustentabilidade das atividades
espaciais sem essa regra básica, que, por isso mesmo, deveria ser obrigatória.
Acontece que as diretrizes, de
acordo com seu ponto 13, “são de caráter voluntário e não vinculantes
legalmente sob o direito internacional”, uma insuficiência difícil de
subestimar.
Tanto que o seu ponto 14
enfatiza: “A aplicação das diretrizes é considerada medida prudente e
necessária para preservar o meio ambiente espacial para as gerações futuras. Os
Estados, as organizações intergovernamentais internacionais, as organizações
não-governamentais nacionais e internacionais e as entidades do setor privado
devem adotá-las de modo voluntário, mediante seus próprios mecanismos de
execução, para garantir a aplicação das diretrizes na maior extensão possível,
dentro do viável e do factível”.
Ora, se a aplicação das
diretrizes é considerada medida prudente e necessária para algo tão relevante
quanto preservar o ambiente espacial para as gerações futuras, por que permitir
que os Estados e tão amplo e variado leque de organizações internacionais e
nacionais, públicas, sociais e privadas, apliquem as diretrizes segundo seus
próprios mecanismos e critérios, e de maneira tão imprecisa e subjetiva quanto
“na maior extensão possível” e “dentro do viável e do factível”? Assim, quem
senão a própria organização/entidade interessada quantificará, com base em seus
interesses específicos, a “maior extensão possível”, e definirá o “viável” e o
“factível”?
Será prudente deixar a
preservação do espaço para as futuras gerações na dependência de decisões
unilaterais e subjetivas?
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de
Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Este artigo
reflete apenas a opinião do autor.
Referências
2) Ver http://thebulletin.org/.
3) Resolução 1472 (XIV) da
Assembleia Geral das Nações Unidas, de 12/12/1959.
4) Ver http://thebulletin.org/.
Doc. A/AC.105/ C.1/L.340, de
22/10/2014.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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