Blog Entrevista Professor Cândido Moura de Ubatuba
Olá
leitor!
Já
faz um tempo, é verdade, que não seguimos com a série de entrevistas com personalidades
brasileiras que fazem as atividades educativas, científicas e tecnológicas na
área espacial no Brasil.
Assim
sendo, trago agora para você uma entrevista realizada pelo blog com uma pessoa
que consideramos um grande educador, um professor que além da teoria utiliza-se
da prática no ensino das ciências através da Matemática em
uma pequena escola de ensino fundamental e médio da cidade de Ubatuba no
litoral paulista.
Trata-se
do Professor Cândido Moura, físico formado pela UNITAU de Taubaté (SP), que
após ler na Revista Superinteressante que uma empresa americana estava vendendo
kits de Picossatélites (Tubesats) a preços acessíveis, teve a visão de engajar
seus alunos do ensino fundamental num projeto que hoje é reconhecido pela NASA,
pela JAXA japonesa, entre outros players e agências espaciais do mundo.
Evidentemente
que nem sempre uma ideia é posta em prática com facilidade, porém com perseverança,
seriedade, planejamento, atitude e inteligência, coisas que parecem fazer parte
do dia-dia deste professor, a trajetória para se alcançar objetivos tornar-se
evidentemente menor, sendo o exemplo do Professor Candido Moura algo a ser
seguido pelos verdadeiros educadores desse país, e quem sabe um dia pelos políticos
que militam nos bastidores de nossa obscura capital federal.
Convido
você leitor a ler com atenção essa entrevista com o Professor Cândido, onde o mesmo uma
vez mais responde as nossas perguntas com entusiasmo, além de divulgar
informações interessantes desconhecidas do blog, e que podem interessar aos educadores
e players envolvidos nas atividades espaciais no país. Boa leitura a todos.
Duda
Falcão
O Prof. Cândido e seus alunos em visita ao Laboratório de Integração e Testes (LIT) do INPE. |
BRAZILIAN
SPACE: Professor Cândido, para aqueles leitores que ainda não o conhecem nos
fale um pouco sobre o senhor. Sua idade, formação, onde nasceu, trajetória
profissional e desde quando o senhor trabalha na Escola Municipal Tancredo
Neves de Ubatuba?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Eu
tenho uma graduação em Física pela Unitau – Universidade de Taubaté - dou aula
no Tancredo desde que me formei. Até uns 12 anos atrás, o Tancredo era
exclusivamente uma escola de ensino médio integrado a cursos técnicos na área
de gestão, cursos como contabilidade, administração de empresas. Eu dei aulas
de processamento de dados e ainda hoje dou aula de administração financeira
para os alunos do curso de administração, eu tenho uma especialização nesta
área. Mais ou menos há uns doze anos houve uma cisão do curso de ensino
fundamental de outra escola do município, a Padre Anchieta, e os alunos de
quinta a oitava série do Anchieta passaram a estudar no Tancredo. Há sete anos
eu passei a dar aulas de matemática para alunos da quinta e sexta série do
ensino fundamental
BRAZILIAN
SPACE: Relembrando resumidamente professor Cândido, como surgiu à idéia da criação
desse projeto e o que lhe estimulou a realizá-lo?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Eu sempre tive a
preocupação de que o aluno tivesse contato com a ciência e uma ideia correta a
respeito do trabalho de um pesquisador. Acho a forma como tradicionalmente se
ensina ciência no Brasil totalmente inadequada e atribuo a isto os resultados
pífios que o país tem na área. Como então eu passei a ser professor de matemática,
comecei em conjunto com colegas que davam aulas de ciências a fazer alguns
projetos com este objetivo, mas foram coisas pontuais e que não tinham força
para gerar os resultados que desejávamos. Nessa ocasião li uma nota na revista
Superinteressante falando do projeto da Interorbital e achei que seria uma
oportunidade para engajarmos os alunos num projeto que teria um impacto
significativo sobre eles.
Os alunos no laboratório do INPE. |
BRAZILIAN
SPACE: Bom Prof. Cândido, é sabido que o picosatélite “Tancredo 1” já se
encontra pronto para lançamento, mas ainda não existe uma resposta positivada da
empresa americana Interorbital Systems de quando ele poderá ser lançado. Diante
deste impasse já existe um “Plano B” para o lançamento do Tancredo 1?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Nós qualificamos a equipe e
montamos os modelos de teste, mas não integramos o modelo de voo exatamente
pelo atraso no desenvolvimento do foguete da Interorbital e porque os testes
finais dependem da definição do veículo lançador. Nós descobrimos, no processo,
que podemos montar o modelo de voo em um curto espaço de tempo e achamos que
não faz sentido montar para deixar o satélite no armário. Nós estamos
procurando alternativas de lançamento e temos algumas possibilidades em análise,
mas não temos ainda uma definição. O problema é que um voo comercial num
foguete homologado é muito caro e não é fácil levantar o recurso. Este ano nós
tivemos contato com o governo federal, além daquele que temos com o INPE desde
o início do projeto, uma porta aberta pela nova administração de Ubatuba, nossa
viagem ao Japão foi paga pela UNESCO e foi o ministro da educação quem
conseguiu isso, eles, ao que parece, estão empenhados em nos ajudar, temos uma
reunião agendada na AEB para tratarmos disso, mas ainda não temos uma
definição. Estamos também tentando um patrocinador privado.
Alunos no laboratório da Escola Tancredo Neves em Ubatuba. |
BRAZILIAN
SPACE: Professor, quantas crianças e professores participaram do
desenvolvimento do Tancrêdo-1?
PROF. CÂNDIDO MOURA: A equipe qualificada para
construir o Tancredo I é de doze alunos e trabalham diretamente no treinamento
deles quatro professores, mas nós já treinamos mais de duzentos alunos em
eletrônica e temos hoje em torno de cento e trinta em treinamento.
BRAZILIAN
SPACE: Professor Cândido, quem mais participou de todo o processo,
colaboradores, patrocinadores etc?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Esta é a pergunta mais
difícil de responder, muita gente de uma forma ou de outra vem contribuindo, o
projeto é bem amplo e tem varias atividades dentro dele; não é somente a
construção do satélite, que, aliás, atualmente já são dois, tem todo o
treinamento em eletrônica e robótica tem as pesquisas que deram origem aos artigos como o que eles escreveram e
apresentaram no Japão e uma série de outras atividades e em cada uma delas há
um número grande de pessoas colaborando de modo que se fossemos citar
nominalmente todos, daria umas duas páginas e, com certeza, estaria cometendo a
injustiça de deixar alguém de fora. Nós temos na escola seis professores
envolvidos de forma mais direta, mas vários outros contribuem em pontos
específicos, temos o INPE onde uma equipe de pesquisadores está pessoalmente
engajada, temos a equipe gestora da escola e a Secretaria de Educação da
Prefeitura de Ubatuba, temos mais recentemente o governo federal com o
Ministério da Educação e da Ciência e Tecnologia, a UNESCO, os nossos
patrocinadores, um monte de gente que fez e vem fazendo trabalho voluntario.
BRAZILIAN
SPACE: Professor é sabido que em junho desse ano o senhor e seus alunos
estiveram participando no Japão do “Simpósio Internacional de Ciência e Tecnologia Espacial” que
é patrocinado pela JAXA (Agência Espacial Japonesa). O que o senhor pode nos
contar dessa experiência e como surgiu essa oportunidade?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Eu e três
pesquisadores do INPE escrevemos um artigo e o apresentamos no 28th ISTS em
2011, e então surgiu a ideia de que nossos alunos escrevessem um artigo para o
congresso de 2013. No ano passado, montamos um grupo e orientamos uma pesquisa
para medir se e como o Projeto Ubtubasat vem impactando os alunos do sexto ano
do ensino fundamental do nosso município, seu público alvo. De forma mais
direta trabalharam com os alunos, na orientação da pesquisa, as professoras
Rozemara de Carvalho e Maria Diniz da Unitau, as pedagogas Renata Martins e
Claudia Sigaud da PMU, a professora Mariana Cesar do Tancredo, o Dr. Walter
Abrahão do Inpe e o Rogério S. Bueno do Tancredo fizeram a revisão do artigo. O artigo foi
submetido no final do ano passado e em março deste ano tivemos a confirmação da
sua aceitação, além disso, recebemos o convite para expor o projeto na
exposição, O ISTS Exhibition, que ocorre paralelamente ao congresso. Nesse
momento entrou em campo o desafio de levantar os recursos para custear tudo
isto. A prefeitura de Ubatuba se empenhou muito no processo, o atual prefeito
Mauricio Moromizato e o então chefe de gabinete hoje secretário de educação
Marcelo Ângelo se envolveram pessoalmente e, em tempo recorde, eles conseguiram
que o ministro da educação arrumasse com a UNESCO a parte aérea da viagem. A
prefeitura de Ubatuba bancou a parte terrestre e assim doze alunos e quatro
professores desembarcaram em Nagoya. No segundo dia do congresso, a Bruna, uma
das alunas, fez a apresentação do artigo que ela e outros onze colegas
escreveram. Foi muito emocionante, cito
duas passagens que foram marcantes, logo nos primeiros slides ela colocou uma
foto dela com alguns colegas no laboratório da nossa escola aos dez anos de
idade e disse: “Quando eu comecei no projeto Ubatubasat eu ainda era bem jovem”
e seguiu apresentando os resultados da pesquisa que haviam realizado, mas não
fomos só nós que ficamos impressionados com a performance da nossa veterana de
quatorze anos de idade. Quando ela terminou sua apresentação o chair abriu para
perguntas e comentários, um pesquisador indiano pediu a palavra e disse: “Vocês
são os verdadeiros cientistas, pois construíram algo que vai para o espaço,
enquanto nós só fazemos papel”. Nosso stand foi um dos mais visitados na feira
inclusive por mais de dez pesquisadores e por um diretor da JAXA, o que nos
rendeu um convite para conhecermos o Tsukuba Space Center o principal centro de
desenvolvimento da JAXA. Lá eles preparam duas palestras, uma do cientista
chefe da principal equipe de desenvolvimento de satélites deles e outra do
pessoal que trabalha com observação da terra e trabalha em conjunto com o INPE,
além de visitas a laboratórios e outras instalações. Estas e outras cenas estão
no documentário sobre o projeto que dois cineastas da Explore Midia gravaram e
em breve deverá ser exibido na televisão e o Brasil inteiro vai poder ver.
O stand da equipe no "ISTS Exhibition" no Japão recebe a visita de pesquisador do JPL NASA |
Equipe de alunos posa em frente ao stand do "ISTS Exhibition" no Japão. |
A aluna veterana de 14 anos, Bruna Sakamoto, palestrando para os participantes do Simpósio Internacional de Ciência e Tecnologia Espacial” no Japão. |
BRAZILIAN
SPACE: Professor também é sabido que em setembro do ano passado foi iniciado
pelo senhor um novo projeto de satélite (Picosatélite/Tubesat “Tancredo II”) com
alunos de 10 anos de idade do 6° ano da
Escola Municipal Tancredo Neves. Como anda esse projeto?
PROF. CÂNDIDO MOURA: É verdade, nós
iniciamos o treinamento da nova equipe, temos hoje mais de 120 alunos alocados
neste projeto, e estamos definindo detalhes do satélite a ser construído. Provavelmente
o Tancredo II será um cubesat controlado por um Arduino e terá um experimento
científico como carga útil, mas ainda estamos discutindo tudo isto com o INPE e
nossos outros parceiros. Se conseguirmos lançar o Tancredo I por outro lançador,
o voo que temos contratado com a Interorbital será destinado ao lançamento do
Tancredo II.
BRAZILIAN
SPACE: Professor quantos alunos e professores estarão participando desse novo
projeto?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Em torno de cento e vinte
alunos estão em treinamento atualmente, uma das coisas que pensamos é em
convidar a equipe do Tancredo I para montar a carga útil e a equipe de
professores é a mesma, muito especialmente a Marilea D’Angelo a Patrícia
Patural, o Marcelo De Mario e o Rogério S. Bueno que dão o treinamento no
laboratório para os alunos.
BRAZILIAN
SPACE: Professor voltando ao “Tancredo I”, é sabido que esse picosatélite
transmitirá uma mensagem do espaço para ser capitada pela estação que vocês
montarão. Qual será exatamente essa mensagem e onde será montada esta estação?
PROF. CÂNDIDO MOURA: A estação será montada e
operada na escola Tancredo. Quanto à mensagem, a ideia original era fazer um
concurso aqui na nossa escola, mas no processo de arrumar um outro voo para o
lançamento do Tancredo I, em função do atraso no desenvolvimento, do foguete
Netuno da Interorbital, surgiu a proposta de nacionalizar o concurso que seria
feito pelo ministério da educação entre alunos de todo o Brasil do ensino
fundamental e médio. O governo federal parece estar empenhado em mudar o ensino
de ciências, eles fizeram o programa ciência sem fronteiras para o ensino
superior e estão desenhando um programa de iniciação científica para o ensino
médio, estão falando em distribuir 30 mil bolsas de iniciação científica, e o
concurso poderia ser usado como uma sensibilização dos alunos de todo o Brasil
para o programa e para a ciência. Penso que poder de alguma forma participar de
um projeto em que alunos ainda no ensino fundamental colocaram um satélite em órbita
seria muito inspirador para todos os alunos brasileiros e daria uma grande
visibilidade ao programa do governo. De todas as possibilidades que estão em
estudo para conseguirmos lançar nosso satélite é a que eu mais torço para que
dê certo, pois seria muito animador poder atingir muito mais jovens e crianças
em todo o Brasil. E espero que o governo realmente leve este programa e outras
iniciativas como esta adiante, pois é, a meu ver, o único modo de deixarmos de
ser um país que exporta babás e entregadores de pizza e importa médicos e
engenheiros.
Fotos da visita da equipe ao Tsukuba Space Center da JAXA japonesa. |
BRAZILIAN
SPACE: Professor Cândido, a mensagem transmitida pelo “Tancredo I” poderá ser
também captada por radioamadores?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Sim, nós escolhemos trabalhar
nesta frequência exatamente para permitir isto. A ideia sempre foi a de atingir
o maior número de pessoas. Além dos radioamadores, outras escolas poderiam
montar estações, algo relativamente simples e barato e também participar do
projeto. Pretendemos colocar um tutorial no nosso site ensinando a fazer isto.
BRAZILIAN
SPACE: Professor Cândido, existiria interesse do senhor em realizar uma missão
educacional conjunta que envolvesse um satélite/foguete ou um balão/sonda caso
lhe fosse oferecida esta oportunidade?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Sem dúvida, qualquer
iniciativa que possa melhorar o ensino dos nossos alunos e represente uma
oportunidade deles se envolverem diretamente com a ciência e a tecnologia tem
para nos a máxima prioridade.
BRAZILIAN
SPACE: Professor Cândido em nossa opinião a sua iniciativa inovadora deve
servir de exemplo para instituições educacionais de todo o País. Diante disto,
o senhor estaria disposto a realizar palestras sobre a sua experiência caso
existam instituições educacionais interessadas, e em caso positivo, o que essas
instituições devem fazer para entrar em contato com o senhor?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Eu estou à disposição, já
tive a oportunidade de fazer uma palestra para alunos de uma escola em Campinas
e para os alunos da USP em São Carlos, além de outras para empresas como Coca
Cola e o Itaú. O telefone da nossa escola é 12-38326221 e o meu email é candidomoura3@gmail.com.
BRAZILIAN
SPACE: Finalizando professor, o senhor teria algo a mais a acrescentar para nossos
leitores?
PROF. CÂNDIDO MOURA: Mais uma vez eu
gostaria de agradecer a atenção e apoio que temos recebido. Estou convencido
que o Brasil pode dar a todas as crianças e jovens uma educação de nível igual
ou superior ao que existe de melhor no mundo e, se me permite faltar com a
modéstia, eu acho que os nossos alunos provaram isto. É uma questão de vontade
e dedicação e uma responsabilidade de todos, muito especialmente de nós,
professores.
Bem, no Brasil essa iniciativa é revolucionária. Espero que hajam mais incentivos desse tipo em nossas instituições e que se deixe de ensinar as utopias da cartilha maxista pelo que realmente pode melhorar o país.
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