Odylio Aguiar e o “Som do Universo”
Olá leitor!
Trago agora para você uma interessante entrevista com pesquisador
Odylio Denys de Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que fala sobre
a colaboração de uma equipe do instituto com a pesquisa internacional que
detectou recentemente as Ondas Gravitacionais, entrevista esta postada na
edição de maio do “Jornal do SindCT”.
Duda Falcão
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Odylio Aguiar e o “Som do Universo”
Equipe do INPE colabora na pesquisa internacional
das ondas gravitacionais
Antonio Biondi
Jornal do SindCT
Edição nº 47
Maio de 2016
Fotos: INPE
Pesquisador e colegas participam do Projeto LIGO, um
observatório que reúne mais de 1.000 cientistas no mundo todo e que anunciou,
em fevereiro de 2016, a detecção de ondas gravitacionais. No último dia 2 de
maio, uma edição especial do Prêmio Breakthrough 2016 em Física Fundamental
veio reconhecer uma longa trajetória de dedicação de um cientista brasileiro.
“Tomei a decisão de estudar essa questão no cursinho, 44 anos atrás!”, conta o
pesquisador Odylio Denys de Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE). A questão que inquietou o jovem estudante eram as ondas gravitacionais
— afirmadas por Albert Einstein 100 anos atrás — as quais ele chama de som do
Universo.
“Antes de conseguirmos detectá- las, é como se
estivéssemos assistindo a um filme mudo que não foi elaborado para tal”,
explica nesta entrevista ao Jornal do SindCT. A saudável obsessão com as ondas
gravitacionais fez com que o jovem cientista, ainda na década de 1980,
escrevesse cartas a pesquisadores estrangeiros, trocando experiências sobre o
tema. Os contatos o levaram a buscar uma bolsa nos Estados Unidos e lá realizar
o seu doutorado.
Desde então, vem trabalhando na pesquisa do tema, e desde
2011 integrou-se aos esforços que convergem no Projeto LIGO (Laser
Interferometer Gravitational-wave Observatory), que reúne mais de 1.000
pesquisadores de todo o mundo. Para Odylio, a detecção das ondas terá efeitos
revolucionários: “Elas irão mudar a forma de se ver o universo”.
Atualmente, o detector de ondas construído pelo grupo de
Odylio no Brasil está sendo transferido da Universidade de São Paulo (USP) para
o INPE. Registramos nesta entrevista parte da dedicação de Aguiar e de seus
colegas na empreitada: Allan Douglas dos Santos Silva, César Augusto Costa,
Elvis Camilo Ferreira, Márcio Constâncio Júnior e Marcos André Okada (todos do
instituto).
Conte-nos um pouco de sua trajetória.
Comecei a me interessar pela área em que hoje me encontro
muito tempo atrás. Aconteceu durante meu cursinho no Rio de Janeiro para entrar
na faculdade. Isso em 1972. Foi quando decidi fazer algo relacionado à Física.
No vestibular, minha opção principal era pela engenharia
no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica, de São José dos Campos]. Coloquei
também a opção por engenharia no Instituto de Matemática e Estatística
(IME-USP), e Física na PUC-RJ. Levei muito a sério o cursinho, tinha uma boa
base do Colégio Militar, e o resultado é que passei em todos. Decidi pelo ITA.
No quarto ano do ITA, eu havia me interessado pelo INPE,
e acabei fazendo iniciação científica com o pesquisador Dr. Walter Gonzalez,
desenvolvendo experimentos relacionados com gravitação e astronomia de raios-X.
Entre os projetos que acompanhamos, havia um com balões, de iniciativa
francesa, voltado a estudar os raios-X de buracos negros.
O pesquisador me orientou em um trabalho para detectar os
raios. Quando minha pesquisa estava para terminar, o projeto francês acabou. E,
por um grande azar, o experimento do projeto caiu dentro do rio Paraíba do Sul!
Foi tudo perdido. O pesquisador Dr. Inácio Malmonge Martin [chefe da Divisão de
Astrofísica do INPE], por recomendação do Dr. Gonzalez, resolveu pedir a minha
contratação ao diretor do INPE como assistente de pesquisa em 1979, como
celetista. O INPE contava com um pesquisador francês, Dr. Daniel Nordemann, e
fiz então o mestrado em astronomia de radiação gama com ele. Terminei o
mestrado em 1983.
Os funcionários do INPE faziam o mestrado em cerca de
quatro anos: só podíamos cursar duas disciplinas por trimestre. Desde 1982, eu
já enviava cartas para pesquisadores de renome, afirmando que desejava estudar
o tema de ondas gravitacionais por meio de campos eletromagnéticos. Escrevi
cartas para todos os centros do mundo que pesquisavam a questão, estabelecendo
contatos, referências, tomando conhecimento do custo de detectores etc. Comecei
a fazer doutorado no CBPF [Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas], no Rio de
Janeiro, orientado pelo professor Mario Novelo.
Em agosto de 1984, obtive finalmente uma bolsa nos EUA,
na Louisiana State University, e a priorizei, a fim de poder trabalhar mais o
campo instrumental de pesquisas. Nessa época não existia no INPE uma linha de
pesquisa em ondas gravitacionais. Fui para os EUA com salário, com esse direito
assegurado por quatro anos. Mas o doutorado pleno em Louisiana levava seis
anos. Pedi licença não remunerada e segui mais dois anos na universidade.
Terminei o doutorado em 1990, tendo por base um detector de barra, mas já tendo
começado a estudar um detector esférico.
E após terminar o doutorado?
Em 1991, iniciamos uma nova linha de pesquisa no INPE, em
Cosmologia e Gravitação, junto com os pesquisadores Thyrso Villela e Carlos
Alexandre Wuensche de Souza (que compunham anteriormente a linha de pesquisa em
Cosmologia). Comecei a batalhar recursos para a construção de um detector
esférico no Brasil. Inicialmente, projetamos um detector de 3 metros de
diâmetro, a um custo de US$ 7 milhões. Em 1997 buscamos esse montante junto ao
então MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia], que afirmou não ser possível
disponibilizar tal valor.
Projetamos então uma esfera de 65 cm de diâmetro, pesando
1.150 kg e a um custo de US$ 1 milhão. Com isso, teríamos um detector tão ou
mais sensível que a barra com a qual fazia os experimentos em Louisiana, de
2.300 kg. A proposta foi submetida à Fapesp em novembro de 1998, e a aprovação
viria somente em abril de 2000.
Somente em 2000?
Foram consultados vários assessores nacionais e
internacionais pela Fapesp antes de a decisão ser tomada. Por outro lado,
o INPE não possuía infraestrutura para hélio líquido para o detector, de modo
que conseguimos aprovar o projeto na USP, no laboratório em que o professor Nei
Fernandes de Oliveira Jr. desenvolvia suas pesquisas. Em 2002, eu e o
pesquisador dr. José Carlos Neves de Araújo iniciamos a linha de Astrofísica de
Ondas Gravitacionais no INPE, que passou a contar em 2004 com o dr. Oswaldo
Duarte Miranda. E, em 2006, tivemos o primeiro funcionamento completo do
detector, ainda com baixa sensibilidade. Apresentamos outro projeto para a
Fapesp, voltado a aprimorar o aparelho e sua sensibilidade, que foi de 2007 até
2013.
Em 2008, notamos a importância de aprimorar os sensores e
começamos a priorizar esse desenvolvimento dos transdutores — equipamento que
transforma uma forma de energia em outra: por exemplo, mecânica em elétrica —
no INPE. Chegamos a uma sensibilidade muito boa, única em todo o mundo para
detectores esféricos. Nesse meio tempo, passamos a colaborar em 2011 com o
LIGO. Desde 2008, um dos nossos ex-estudantes, César Augusto Costa, já havia
ido para o LIGO da Louisiana, com o nosso apoio, para fazer um pós-doc, tendo
retornado em 2012, quando passamos a contar com seis pesquisadores na
colaboração.
Em maio de 2015, o Instituto de Física da USP disse que
não queria mais ficar com o detector.
Foi uma pressão muito grande, mas a chefe do departamento
conseguiu prorrogar por mais alguns meses. Argumentamos que seria necessária
uma corrida no final de 2015 para tentar atingir a sensibilidade desejada.
Colocamos todas as nossas cartas nessa empreitada e conseguimos descobrir o que
tínhamos que saber para atingir a sensibilidade do projeto. Realizamos em 2015,
enfim, essa corrida com o detector brasileiro.
E a colaboração LIGO detectou ondas gravitacionais em 14
de setembro de 2015. Nos dois dias seguintes já sabíamos — César no dia 15 e o
resto do grupo no dia 16. Estamos trabalhando para publicar os estudos sobre a
nossa última corrida, que devem sair no Physical Review Letter, a mesma
publicação em que foi registrado o anúncio da detecção.
O anúncio veio alguns meses depois.
O anúncio da detecção foi feito em 11 de fevereiro de
2016. Ele abre uma nova janela para se estudar o universo, a partir das ondas
gravitacionais.
O experimento ficará definitivamente no INPE? Quais os
impactos dessa mudança?
Estamos desmontando toda a aparelhagem na USP e trazendo
para o INPE. Já temos o hélio líquido e todo o maquinário necessário. E já
sabemos como montar e evitar os ruídos. Agora que temos a infra-estrutura para
hélio líquido aqui, realmente o ideal é estar no INPE. Por outro lado,
desmontar e montar vai dar um grande trabalho. Vamos perder cerca de dois anos
nisso.
O detector brasileiro com o hélio líquido chega a -269oC,
correto?
Queremos uma temperatura até mais baixa que isso. A
dificuldade é operacional.
Quanto mais próximo de -273oC, melhor?
Exatamente. Queremos -273oC e uns quebrados. O máximo —
ou seja, mínimo — é -273,16 oC. Nessa temperatura, não existe mais calor
térmico nas coisas. Toda a energia dos átomos passa a ser de origem quântica,
não está mais no campo da termodinâmica. Isso diminui o ruído térmico e aumenta
ainda mais a sensibilidade. Há um momento, porém, no qual se iguala o calor que
o refrigerador consegue retirar e o que é produzido e recebido a partir do
ambiente.
Estamos falando de ondas gravitacionais relativas a
bilhões de anos de história, correto?
As ondas gravitacionais conseguem atravessar o universo
todo. E só perdem intensidade devido à distância. Essas que foram detectadas
vieram de 1,3 bilhão de anosluz atrás.
É incrível, também, que essa detecção verificada em
2016 confirme o que Albert Einstein afirmou e previu 100 anos atrás.
Einstein lançou a Teoria da Relatividade Geral em 1915.
Em 1916 ele afirmou a existência das ondas gravitacionais. Coincidentemente,
essa confirmação acontece 100 anos depois. É realmente admirável.
Qual momento mais o marcou ao longo de todos esses
anos?
Certamente, o dia em que soube que as ondas foram detectadas,
em setembro de 2015, foi marcante. A data do anúncio em 2016 igualmente. Quando
soubemos que poderíamos iniciar a construção do detector no Brasil, em 2000,
também... Foram vários momentos muito marcantes.
Qual significado essa detecção das ondas possui?
Abre uma janela para a ciência que pode permitir uma
verdadeira revolução. Situação semelhante à de Galileu 400 anos atrás. Dizia-se
à época que tudo girava em torno da Terra. Mas, com um telescópio, Galileu
começou a concluir que os astros giravam em torno do Sol, confirmando que
Copérnico estava correto. Todo conhecimento que temos de astronomia vem do
desenvolvimento de novos telescópios.
A olho nu, não se consegue ver coisas vistas com um
telescópio. As ondas gravitacionais também farão isso: vão mudar a forma de se
ver o universo. A ciência possuía quase certeza de que os buracos negros
existem, a partir de grandes concentrações de massa identificadas em áreas
relativamente pequenas, mas eles não emitem luz. Sem a detecção dessas ondas,
não teríamos nem sabido da existência desses dois buracos negros que se
chocaram há 1,3 bilhão de anos.
Mesmo com os telescópios mais potentes, não se consegue
enxergar esse fenômeno. As ondas gravitacionais detectadas mostraram a fusão
dos dois buracos negros, o momento que se tocaram, e o tamanho deles. Isso vai
ocorrer com muitos outros fenômenos, que só poderão ser conhecidos e estudados
devido às ondas.
As ondas gravitacionais se propagam no espaço-tempo na
velocidade da luz, a velocidade máxima. Se dois foguetes seguem um em direção
ao outro, ambos na velocidade da luz, a soma da velocidade ainda assim será a
velocidade da luz. Para conseguir tal mágica, o tempo e o espaço têm que ser
flexíveis — e o que acontece em um mexe no outro.
Um irmão gêmeo que viaja na velocidade da luz, ao
retornar à Terra depois de anos, volta quase sem envelhecer, pois para ele
aqueles anos não se passaram, ao passo que para o outro, que ficou, os anos
geraram envelhecimento efetivo. O espaço e tempo formam, portanto, uma coisa só,
o espaço-tempo. Einstein chegou à conclusão de que esse espaço-tempo encurvado
é responsável pela gravitação. As massas dos astros encurvam o espaço-tempo e
esse espaço-tempo encurvado causa efeitos nas massas.
As ondas gravitacionais são a propagação dessas
deformações no espaço-tempo viajando na velocidade da luz no próprio
espaço-tempo. As ondas gravitacionais são, assim, uma espécie de som do
universo. Elas devem gerar uma revolução. Novas leis físicas poderão ser
afirmadas graças a essa detecção, que pode levar até mesmo a algum tipo de
reconsideração a respeito das leis já consagradas. É até difícil imaginarmos
como essas descobertas poderão ser aplicadas, gerando grandes inovações.
Mais detalhes das questões aqui registradas podem
ser lidos no volume II do livro “A História da Astronomia no Brasil”, no
capítulo 8, escrito pelo professor (http://www.mast.br/HAB2013).
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 47ª - Maio de 2016
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