Gestão do Tráfico Espacial: Novos Debates
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo sobre “Gestão de Tráfico Espacial”
escrito pelo Sr. José Monserrat Filho e postado pelo companheiro André Mileski
dia (23/12) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Gestão do Tráfico Espacial: Novos Debates
José Monserrat Filho *
Blog Panorama
Espacial
23/12/2014
Lubos Perek deve ser o pioneiro deste tema. Ao longo de
seus 95 anos, o renomado astrônomo tcheco tornou-se perito em Direito Espacial
sem deixar de ser astrônomo. É uma pessoa modesta, silenciosa e culta. Tive o
privilégio de conversar com ele em vários eventos internacionais. Distinguido
membro da Academia de Ciências da República Tcheca e da União Astronômica
Internacional, Lubos Perek é nome do asteroide 2900, descoberto em 1972 por
outro reconhecido astrônomo tcheco, Lubos Kohoutek.
Dez anos após, em 1982, Perek apresentou, no Colóquio
Anual do Instituto Internacional de Direito Espacial, o ensaio intitulado
“Regras de Tráfico para o Espaço Exterior”, peça obrigatória na bibliografia do
assunto – hoje mais atual que nunca.
Perek nos dá clara noção da utilidade da gestão do
tráfico espacial: Saber exatamente onde se encontra cada satélite ou nave
espacial, no espaço aéreo ou no espaço exterior, de onde ele vem e para onde
ele está indo, o que ele está fazendo e como está funcionando em dado momento,
tendo em vista garantir a segurança das atividades espaciais, prevenindo
colisões e interferências danosas, bem como proteger o meio ambiente da Terra e
do espaço exterior.¹
Em 2006, a Academia Internacional de Astronáutica (IAA,
na sigla em inglês) lançou o “Estudo Cósmico” sobre “Gestão do Tráfico
Espacial”, produzido por um grupo de seus membros (inclusive Lubos Perek). O
trabalho define o termo “Gestão do tráfego espacial” como “o conjunto de regras
técnicas e normativas para promover acesso seguro ao espaço exterior, as
operações no espaço exterior e o retorno do espaço à Terra livre de
interferência física ou de rádio frequência.”
Essa definição confirma o princípio do livre acesso ao
espaço consagrado pelo Tratado do Espaço de 1967. Sua ideia central é a de que
os países, para lograrem o bem comum no espaço, devem obedecer a normas
específicas, criadas em seu próprio interesse.
Hoje, oito anos depois, a IAA volta a convocar uma equipe
para rever e atualizar o tema da gestão do tráfico espacial. O plano de agora
abandona “a imagem inicial de abstração visionária” e assume “o potencial de
lidar de forma efetiva com os desafios correntes e emergentes de manter as
atividades espaciais protegidas e seguras, sem interferir no que fazem todos os
seus atores e ações presentes e futuras”, como frisa o primeiro comunicado da
nova equipe de estudos da IAA, datado de 15 de dezembro de 2014.
O grupo, presidido por Kai-Uwe Schrogel, da Agência
Espacial Europeia, tem dois anos para concluir a missão. O novo estudo deve ser
lançado em 2016, ano do 10º aniversário do primeiro texto. A nova equipe tem
composição ainda mais diversificada que a de 2006. Reúne cientistas, cientistas
políticos, juristas, engenheiros, gestores, membros de órgãos governamentais,
de organizações internacionais, de ONGs e da indústria. São, ao todo, 30
pessoas, de 17 países, entre as quais tive a honra de ser incluído.
Perek desta vez não está presente. Talvez por sua idade
avançada.
Nosso mais recente encontro ocorreu durante o Congresso
Internacional de Astronáutica de Nápoles, Itália, em 2012, onde ele apresentou
excelente trabalho sobre “A situação atual da órbita geoestacionária”, mostrando
o crescente congestionamento ali de lixo espacial e os perigos que isso implica
para a população da Terra. Segundo apurou Perek, em 2011 havia na órbita
geoestacionária 406 satélites ativos e 900 inativos devidamente catalogados. Ou
seja, o número de satélites inativos era mais que o dobro do número de ativos.
Isso sem falar na quantidade de detritos espaciais não catalogados – em geral
com menos de 10cm –, que pode ser apenas estimada.
Indiretamente, Perek demonstrava, uma vez mais, o
imperativo da gestão do tráfico espacial, que tem no lixo espacial um de suas
maiores obstáculos a superar. Quando fui cumprimentá-lo pela apresentação, ele
me confessou, com um sorriso meio triste: “Para mim, está ficando cada vez mais
difícil e cansativo pesquisar e escrever trabalhos como esse.”
Mas as sementes plantadas por Perek e outros
pesquisadores do tema têm tudo para dar frutos ainda mais majestosos e
proveitosos. Se o estudo de 2006 fixou os conceitos básicos, o de 2016 deverá
ir adiante e propor um plano concreto para pôr em prática a gestão do tráfico
espacial.
Em 2017, o Tratado do Espaço de 1967 comemora 50 anos,
como o código maior das atividades espaciais, ratificado por 103 países e
assinado por 25, além de aceito como costume por todos os demais países – portanto,
uma unanimidade global.
Por isso, o estudo de 2016 sobre a Gestão do Tráfico
Espacial não poderia deixar de incluir em sua agenda a discussão do futuro do
Tratado do Espaço e de toda a regulamentação das atividades espaciais – cada
vez mais intensas e indispensáveis no mundo inteiro.
Se a gestão do tráfico aéreo é tão importante quanto
complexa na Terra, que dizer da gestão do tráfico no espaço?!
O ordenamento do tráfico espacial, se realizado para o
bem e no interesse de todos os países, como reza o Tratado do Espaço,
contribuirá em muito para elevar a conquista espacial a novo patamar de
segurança, confiança, solidariedade e civilização.
Quem anda pelo espaço, carrega consigo toda a evolução da
Terra.
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Espacial (SBDA). Diretor Honorário do
Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia
Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação
Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Referências
1)
Perek, Lubos, Traffic Rules for Outer Space, Proceedings of the 25th Colloquium
on the Law of Outer Space, AIAA, 1983, pp. 37-42
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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