Estudo do INPE Quantifica o Papel do Desmatamento e da Degradação Florestal nas Emissões de CO2 até 2050
Olá leitor!
Segue abaixo uma nota postada hoje (29/10) no site do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), destacando que estudo
do instituto quantifica o papel do desmatamento e da degradação florestal nas
emissões de CO2 até 2050.
Duda Falcão
Estudo do INPE Quantifica o Papel do
Desmatamento e da Degradação Florestal
nas Emissões de CO2 até 2050
Desmatamento e da Degradação Florestal
nas Emissões de CO2 até 2050
Quinta-feira, 29 de Outubro de 2015
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apresenta cenários
de uso da terra e emissões de gases do efeito estufa atualizados para a
Amazônia Brasileira. Combinando elementos qualitativos e quantitativos, o
estudo acaba de ser publicado por pesquisadores do Centro de Ciência do Sistema
Terrestre (CCST/INPE). Clique aqui para versão on-line do artigo.
O trabalho ajuda a elucidar o potencial e limitações das metas
propostas pelo Brasil na iNDC (intended Nationally
Determined Contribution), subsidiando as discussões para a COP21 em Paris.
Ana Paula Aguiar, pesquisadora do CCST/INPE e uma das líderes do
estudo, explica que a necessidade de elaboração de novos cenários surgiu das
mudanças observadas na região na última década. "Muitos estudos discutiram
o futuro da Amazônia nos anos 2000, com foco principal na questão do
desmatamento. Porém, aqueles estudos foram desenvolvidos com base num contexto
socioeconômico e institucional de total falta de controle do desmatamento – e
mesmo seus cenários mais otimistas seriam considerados hoje muito pessimistas.
A situação mudou e com ela houve a necessidade de atualizar os cenários. Porém,
o futuro da região continua muito incerto. Por exemplo, embora as taxas de desmatamento
na Amazônia tenham caído desde 2004, elas estabilizaram em torno de 6.000
km2/ano nos últimos cinco anos. As taxas vão cair mais, estabilizar ou subir
novamente? O Código florestal será cumprido? Como o passivo ambiental será
regularizado? Os altos índices de degradação florestal atuais serão revertidos?
As respostas dependem de uma série de fatores, externos e internos - em
especial, do modo como os governos e a sociedade irão lidar com a demanda por
terra e commodities nas próximas décadas. Mas os novos cenários que propomos
não se limitam às questões de recursos naturais e uso da terra. Eles são
abrangentes, incluindo explicitamente a dimensão social como eixo de discussão.
Temas bastante importantes, tais como a urbanização caótica e a desigualdade de
acesso aos recursos na região também foram abordados", ressalta a
pesquisadora.
Neste contexto, narrativas contrastantes sobre o futuro foram
construídas de modo participativo, através de workshops com representantes da
sociedade civil e governo, no âmbito do projeto AMAZALERT,
em parceria com a Embrapa, Museu Emilio Goeldi e diversas outras organizações.
Elementos destas narrativas, relativos ao uso dos recursos naturais, foram
quantificados através de modelos computacionais capazes de estimar o balanço
regional de CO2, considerando trajetórias alternativas de desmatamento, da dinâmica da vegetação
secundária e também da degradação florestal.
"É o primeiro trabalho que inclui esses três processos no balanço
de carbono da região de modo espacialmente explícito. Os cenários representam
histórias contrastantes, porém factíveis, e incluem uma série de premissas
sobre políticas para região – em especial sobre o cumprimento ou não do Código
Florestal", diz Jean Ometto, chefe do CCST/INPE e um dos líderes da
pesquisa.
Este estudo integra dados produzidos pelos sistemas de monitoramento do
INPE (PRODES,
DEGRAD e TerraClass) e utiliza as ferramentas de modelagem de
código aberto LuccME e INPE-EM, também desenvolvidas pelo INPE.
Síntese dos Cenários
O cenário mais otimista (Cenário A - Sustentabilidade)
representa um futuro com avanços significativos nas dimensões socioeconômica e
ambiental. Neste cenário, as medidas de Restauração e Conservação previstas no
Código Florestal são, não apenas cumpridas, mas superadas. A região se tornaria
um sumidouro de carbono após 2020, devido ao fim do desmatamento por corte raso
e do processo de degradação florestal, aliado a um aumento da área de vegetação
secundária (e do seu tempo de permanência), levando a um processo de Transição
Florestal.
O cenário oposto, bastante pessimista (Cenário
C - Fragmentação), parte da premissa de um retrocesso nos
avanços ambientais e sociais da última década, com uma volta a maiores taxas de
desmatamento e desrespeito ao Código Florestal, aliados a um processo de
urbanização caótico e acirramento dos problemas sociais.
Finalmente, um cenário intermediário (Cenário
B, Meio do Caminho), combina premissas dos dois cenários mais
extremos. Este cenário também considera o cumprimento do Código Florestal, com
taxas de desmatamento legais em torno de 4.000 km2/ano após 2020. As reservas
legais são regularizadas principalmente através do mecanismo de compensação no
mesmo bioma e a vegetação secundária mantém a mesma dinâmica atual, de abandono
e corte cíclico nas áreas menos consolidadas. Neste cenário, talvez o mais
plausível, a região continua sendo emissora de CO2.
Figura 1: (a) Desflorestamento total em 2050; (b) Área de
vegetação
secundária em 2050; (c) Estimativas de emissões líquidas por década.
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Sobre a plausibilidade dos cenários, os autores do trabalho advertem:
"Cenários não são previsões. Afirmar que a Amazônia vai virar um sumidouro
de carbono, como no cenário A, sem esclarecer todas as premissas subjacentes,
seria equivocado. Cenários são apenas histórias internamente consistentes sobre
como o futuro pode se desenvolver. Técnicas de cenários são aplicadas
justamente quando as incertezas sobre o futuro são muito grandes. Por outro
lado, o futuro depende das nossas ações hoje. Se ele será mais próximo do
cenário A ou C irá depender da organização da sociedade em uma direção ou
outra. Fomentar esta discussão é o objetivo principal do método proposto".
Os Cenários e a iNDC do Brasil
No setor florestal e de mudança do uso da terra, a iNDC prevê, entre outros pontos: "fortalecer políticas e medidas com
vistas a alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030
e a compensação das emissões de gases de efeito de estufa provenientes da
supressão legal da vegetação até 2030". Ou seja, o Brasil está
propondo zerar as emissões líquidas por desmatamento até 2030 – numa situação
entre os cenários A e B descritos acima. Alguns aspectos do trabalho do
CCST/INPE podem ajudar na análise dos desafios destas metas:
1. Desmatamento ilegal zero – O que significa?
Diversos trabalhos recentes publicados na literatura científica estimaram a
área passível de ser desmatada legalmente de acordo com o Código Florestal,
obtendo valores de 86.000 km2 a 290.000 km2 (Martini et al., 2015; Soares-Filho et al., 2014; Sparovek et al., 2015). O cenário B em
Aguiar et al. (2015) considera uma taxa de
desmatamento (legal) em torno de 4.000 km2/ano após 2020 (isto é, uma perda de
aproximadamente 140.000 km2 no período 2015 a 2050). Uma fonte importante de
incerteza consiste em como estes estudos consideraram as terras públicas sem destinação, sobretudo, no Estado
do Amazonas. As opções em relação à estas áreas são (i) a criação de áreas
protegidas ou (ii) destinar para produção agrícola. A criação de áreas
protegidas nestas áreas poderia diminuir substancialmente o potencial de
desmatamento legal. Por outro lado, a literatura indica (o que também foi sido
bastante discutido no processo participativo de construção dos cenários) a
fragilidade das áreas protegidas existentes, incluindo unidades de conservação
não consolidadas e a pressão sobre terras indígenas (Ferreira et al., 2014). Por fim, cabe
ressaltar ainda que as taxas de desmatamento caíram significativamente após
2004, mas estabilizaram em 6,000 km2 nos últimos anos. Logo, a manutenção e aprimoramento do conjunto
de ações dos PPCDAM (Plano de Prevenção e
Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) e o fortalecimento dos arcabouços
institucionais (para evitar retrocessos) são essenciais para que, no máximo, as
taxas permaneçam dentro dos limites legais - e não voltem a subir na direção do
Cenário C (a Tabela S1.1 do material suplementar do artigo
apresenta uma síntese de ações necessárias, resultante do processo
participativo de construção dos cenários).
2. Compensação das emissões provenientes do
desmatamento legal: (a) Papel da vegetação secundária no balanço de carbono:
Uma das formas de compensar as emissões por desmatamento legal na Amazônia
seria a absorção de CO2 através da regeneração da vegetação secundária. De
acordo com o sistema TerraClass, em 2008 foram observados cerca de 150,000 km2
de vegetação secundária em áreas previamente desmatadas. Esta área vem
aumentando nos levantamentos mais recentes do sistema. O processo de
crescimento da vegetação secundária poderia, potencialmente, compensar as
emissões por corte raso. Porém, os dados da literatura e do próprio TerraClass
mostram que parte considerável desta vegetação é
ciclicamente cortada (por exemplo, cerca de 25% da área
identificada em 2008 havia sido cortada em 2012). Os novos cenários discutem o
papel potencial da vegetação secundária no balanço de carbono no futuro,
através de modelos que representam a dinâmica de abandono, crescimento e corte
cíclico nas áreas desmatadas. Os resultados do cenário B mostram que, mantida a
dinâmica atual, as emissões continuariam positivas (ver Figura 1). É importante
notar que a vegetação secundária existente na região foi produzida pelo
processo histórico de ocupação da região (pecuária extensiva, falta de
assistência técnica, agricultura itinerante, especulação fundiária, etc.),
inicialmente dissociado da questão mais recente da regularização do passivo
ambiental pelo Código Florestal. Medidas que visem utilizar estas áreas para
fim de regularização das reservas legais deverão incluir - além de sistemas de
monitoramento adequados e de legislação específica que norteie a necessidade de
sua supressão cíclica - a disponibilização de alternativas tecnológicas para
que a vegetação secundária possa fazer parte do sistema produtivo aos
agricultores da região, como por exemplo, sistemas que integram
pastagem/agricultura e floresta. (b) Regularização das
Reservas Legais (RL). Os trabalhos mencionados acima (Martini et al., 2015; Soares-Filho et al., 2014; Sparovek et al., 2015) também estimam a área
de Reserva Legal a ser restaurada (passivo ambiental) caso as regras do novo
Código Florestal venham a ser cumpridas de fato. O trabalho de Soares-Filho et al. (2014), por exemplo, estima
cerca de 80.000 km2 de passivo ambiental. O Código Florestal oferece dois
mecanismos principais de regularização: efetiva restauração da reserva legal
dentro da propriedade rural ou compensação em outra área do bioma (através de
Cotas de Reserva Ambiental - CRA). Existe muita incerteza em relação a qual
mecanismo será adotado por diferentes atores. Em todos estes trabalhos a área
de passivo ambiental é consideravelmente menor do que o ativo (área legalmente
disponível para conversão), em muitos casos, menos da metade. O mecanismo de
compensação pode proteger áreas de floresta primária (diminuindo o ativo),
enquanto o mecanismo de restauração pode favorecer o aumento das áreas de
florestas secundárias. Existe, portanto, a
necessidade de uma ampla discussão sobre os mecanismos de regularização das RL
mais apropriados em diferentes contextos – considerando não apenas as emissões
líquidas de carbono, mas a perda de biodiversidade, a provisão de serviços
ecossistêmicos e os impactos nos atores envolvidos. Os resultados
em Aguiar et al (2015) indicam que, em termos
de emissões, mesmo no caso de que a regularização dos 80.000 km2 de passivo
viesse a ocorrer pelo mecanismo de restauração (pouco provável no entender dos
autores, pois implicaria, em muitos casos, no abandono de áreas em produção),
as emissões continuariam positivas – devido ao balanço entre as áreas passiveis
a serem legalmente desmatadas (ativo) e à curva de crescimento da vegetação nas
áreas de restauração. Por outro lado, os resultados da simulação B* mostram que
seria necessária a regeneração de uma área superior a 150 mil km2 para zerar as
emissões líquidas em 2030. Portanto, apenas o
cumprimento do código dificilmente será capaz de zerar as emissões na Amazônia
em 2030, independente do mecanismo de regularização das RL utilizado pelos
diferentes atores. Serão necessárias medidas complementares que mantenham as
taxas de desmatamento por corte-raso abaixo dos níveis "legais".
3. Outros pontos relevantes: (a) Emissões por
degradação florestal. O trabalho apresenta a quantificação das
emissões provenientes do processo de degradação florestal – um componente
importante do balanço regional de carbono não considerado na elaboração das
metas. Utilizando dados do Sistema DEGRAD do INPE, o trabalho estima que as
emissões brutas por degradação no período foram, em média, cercade 47% das
emissões por desmatamento corte-raso. Por outro lado, o processo de regeneração
pós-distúrbio pode compensar, em parte, essas emissões. (b) Emissões nos outros biomas.
A iNDC se refere apenas ao bioma Amazônia. Porém, tanto trabalhos de modelagem
econômica (Dalla-Nora 2014), quanto a estimativa da área passível de ser
legalmente desmatada de acordo com o Código Florestal no Cerrado (cerca de
400.000 km2 de acordo com Soares-Filho et al. 2014)
apontam para altas taxas de desmatamento neste bioma nas próximas décadas,
devido ao seu potencial produtivo para a agricultura e menor grau de proteção.
Caso apenas o cumprimento do Código Florestal seja o balizador de ações para proteger
o Cerrado, podemos antever impactos consideráveis nas emissões nacionais e em
termos de perda de biodiversidade. Já o bioma Caatinga, embora também apresente
um ativo elevado (cerca de 258.000 km2, de acordo com Soares-Filho et al. (2014)), não apresenta
condições edafoclimáticas para a expansão da agricultura de grãos. Este bioma
está, no entanto, sujeito a outros vetores de desmatamento, em especial a
exploração predatória para satisfazer demandas por carvão vegetal e lenha para
fins energéticos.
Inovação tecnológica
Do ponto de vista tecnológico, o trabalho traz uma série de avanços
incorporados aos sistemas INPE-EM (de modelagem de emissões) e LuccME
(modelagem de mudanças de uso da terra) para representação dos processos de
desmatamento, vegetação secundária e degradação florestal. O aprimoramento das
ferramentas LuccME e INPE-EM está sendo financiado pelo projeto do INPE junto
ao Fundo Amazônia (MSA/BNDES – Componente 6).
Referências
Aguiar APD, Vieira IC, Assis, T, Dalla-Nora E, Toledo, P, Santos-Junior
R, Batistella M, Coelho A, Savaget E, Aragão LE, Nobre C, Ometto, JP (2015). Land use change emission scenarios:
anticipating a forest transition process in the Brazilian Amazon?" Global
Change Biology (accepted).
Dalla-Nora, E.L., 2014.
MODELING THE INTERPLAY BETWEEN GLOBAL AND REGIONAL DRIVERS ON AMAZON
DEFORESTATION. INPE. Available at:
Ferreira, J. et al., 2014.
Brazil's environmental leadership at risk. Science , 346 (6210 ), pp.706–707. Available
at:
Martini, D. Z., Moreira, M. A., Aragão, L. E. O. C., Formaggio, A. R.,
& Dalla-Nora, E. L. (2015). Potential
land availability for agricultural expansion in the Brazilian Amazon. Land
Use Policy.
Soares-Filho, B., Rajão, R., Macedo, M., Carneiro, A., Costa, W., Coe,
M., … Alencar, A. (2014). Cracking
Brazil's Forest Code. Science , 344 (6182 ), 363–364.
doi:10.1126/science.1246663
Sparovek, G., Barretto, A. G. de O. P., Matsumoto, M., & Berndes,
G. (2015). Effects of Governance on
Availability of Land for Agriculture and Conservation in Brazil. Environmental
Science & Technology, 49(17), 10285–10293.
doi:10.1021/acs.est.5b01300
Fonte: Site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
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