Blog Entrevista Professor da UnB Sobre o Projeto do Motor Hibrido de Reentrada da Futura SARA Orbital
Olá leitor!
Com o intuito de continuar mantendo você sempre bem informado sobre as
atividades espaciais em curso no Brasil, trazemos mais uma entrevista da série “Personalidades do Programa Espacial
Brasileiro (PEB)”.
O leitor poderá conferir desta vez uma interessantíssima entrevista
com o Prof. Artur Bertoldi, do Curso
de Engenharia Aeroespacial da Universidade de Brasília (UnB), responsável
pelo banco de testes do “Laboratório de
Propulsão Química” da Faculdade UnB Gama.
Nesta
entrevista o Prof. Bertoldi nos fala
um pouco sobre a sua carreira e os projetos espaciais em curso neste
laboratório, mais especificamente, sobre o andamento do projeto do motor de reentrada atmosférica híbrido para
a futura Plataforma SARA Orbital, projeto este do Grupo de Propulsão Híbrida da UnB (Hybrid Propulsion Team), entre
outros. Vale a pena conferir.
Desde já Blog BRAZILIAN SPACE
agradece a atenção dispensada pelo Prof.
Artur Bertoldi, pelo Dr. Carlos
Gurgel (AEB) e pela Universidade de
Brasília (UnB) desde o nosso primeiro contato. Muito obrigado e sucesso
sempre a todos vocês.
Duda Falcão
Prof. Artur Bertoldi (UnB) |
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur
Bertoldi, para os leitores que ainda não o conhecem nos fale sobre o senhor, sua
idade, formação, onde nasceu, trajetória profissional, etc...
PROF. ARTUR BERTOLDI: Eu tenho 34 anos, nasci
na cidade de Uberaba (MG) onde morei até entrar no curso de graduação em Física
na Universidade Federal de São Carlos (SP). No meio do ano de 2004 me mudei
para Brasília (DF) com o objetivo de cursar o mestrado em Ciências Mecânicas,
curso vinculado ao Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de
Brasília (UnB). Foi em uma das minhas visitas à UnB que conheci o Prof. Dr.
Carlos Alberto Gurgel Veras que trabalhava em propulsão híbrida e eu gostei
muito do tema e resolvi estudar e trabalhar com propulsão de foguetes.
No
ano de 2008, eu trabalhei na iniciativa privada, para a empresa SANGARI do
Brasil (atualmente Abramundo), paralelamente ministrei aulas em uma
universidade privada do Distrito Federal. Em 2009 eu passei no concurso para
professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Campus Jataí, no sudoeste goiano, onde fiquei entre 2010 e 2011.
Nos meus anos no IFG continuei o contato com o grupo liderado pelo prof. Carlos
Gurgel, participando de alguns projetos, e orientei alunos do curso de
Engenharia Elétrica do IFG em estudos teóricos sobre propulsão.
Quando
o campus do Gama da Universidade de Brasília abriu o curso de Engenharia
Aeroespacial vi a possibilidade de voltar a trabalhar com propulsão, que é
minha aspiração desde criança, e fui aprovado no concurso para Prof. Assistente
no curso de engenharia aeroespacial do Campus
do Gama no final de 2011. Atualmente, desenvolvo as atividades de ensino, lecionando
a disciplina de Ciências Aeroespaciais e estou no meio do curso de doutorado,
cujo tema versa sobre instabilidade de combustão em motores de foguete híbrido.
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur,
segundo nos foi informado o senhor atualmente é o responsável pelo banco de testes do Laboratório de Propulsão
Química da Faculdade UnB Gama, laboratório este onde são conduzidas as
atividades espaciais do Grupo de Propulsão
Hibrida da UnB (Hybrid Team). Atualmente Prof. Artur quais são os
projetos deste Grupo em curso em seu laboratório?
PROF. ARTUR BERTOLDI: O principal projeto
atualmente desenvolvido no laboratório é a condução dos testes do projeto que
temos financiado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) – projeto Uniespaço –
intitulado: “Projeto
e fabricação de um sistema propulsivo que atenda aos requisitos do sistema de
reentrada da plataforma SARA utilizando propelentes híbridos” que
inclusive, já foi divulgado no BRAZILIAN SPACE. Atualmente, finalizamos os
testes do sistema de ignição do protótipo motor. Nosso grupo trabalha junto à
uma empresa nacional para o desenvolvimento de um sistema de ignição
pirotécnico, sendo que na primeira fase de testes do motor SARA, esse sistema
de ignição forneceu resultados promissores e, conjuntamente com a empresa,
estamos implementando pequenas modificações no ignitor para adequar o seu tempo
de queima à nossa aplicação. Paralelamente, estamos fazendo melhorias no banco
de testes para a finalização do projeto, prevista para março de 2016, mas que
está bastante avançada.
O laboratório está implementando
um pequeno motor híbrido de empuxo entre 100 e 200 newtons, para dar suporte às
disciplinas de propulsão química do curso de graduação.
Em nível internacional, temos
acordos de pesquisa com a Airbus Defence
and Space e, mais recentemente, com o Institute
of Aviation da Polônia (Warsaw). Estamos também procurando parcerias
nacionais para futuros projetos.
No âmbito do curso de engenharia
aeroespacial da Faculdade UnB do Gama (FGA) e dos cursos de engenharia da
Faculdade de Tecnologia (FT) do Campus
do Darcy Ribeiro, nós reestruturamos as atividades de pesquisa dentro da área
aeroespacial da UnB e fundamos o LAICA (Laboratório de Aplicação e Inovação em
Ciências Aeroespaciais) que concentra as atividades de pesquisa em ciências
aeroespaciais de vários grupos da UnB.
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur é de conhecimento daqueles que
acompanham com interesse as atividades espaciais do país de que entre os
projetos desenvolvidos pelo Hybrid Team está em curso o desenvolvimento de um
motor hibrido para o sistema de reentrada atmosférica da futura e tão aguardada
Plataforma SARA Orbital. Em que fase se encontra o desenvolvimento deste
projeto?
PROF. ARTUR BERTOLDI: O projeto proposto pela UnB é de um modelo de engenharia (protótipo) de
um motor híbrido que atenda os requisitos propulsivos para indução de reentrada
da plataforma SARA. O modelo de engenharia já foi projetado, manufaturado e
realizamos testes de ignição com tempo de queima entre 10 e 20 segundos.
Atualmente, estamos realizando testes de partes específicas do motor. A
perspectiva é que o modelo de engenharia do motor, com todos os requisitos
propulsivos qualificados, esteja pronto até março de 2016. O coordenador deste
projeto dentro do LAICA é o Prof. Dr. Olexiy Shynkarenko.
Teste de ignição do protótipo do Modelo de
Engenharia
do Motor Híbrido do SARA Orbital
BRAZILIAN SPACE: Prof. Artur, já existe
discussões ou mesmo um acerto junto ao Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE)
para que esse motor hibrido de reentrada venha a ser utilizado no Projeto do
SARA Orbital?
PROF. ARTUR BERTOLDI: Não, não houve nenhuma conversa ainda a esse respeito. Esperamos provar a
viabilidade da propulsão híbrida para esse propósito e em seguida trabalhar em
um modelo de voo. Para isso, será necessário um aporte financeiro para compra, em
especial, de tanques de oxidante qualificados para aplicação espacial e para a
construção do modelo de voo do motor, com otimização de peso, uma vez que nosso
projeto Uniespaço propôs o modelo de engenharia do motor (protótipo).
BRAZILIAN SPACE:
Prof. Artur, diante da atual situação do PEB
e do país, está claro que não há como ter qualquer certeza de que o projeto
SARA realmente sofrerá continuidade (com o dinamismo necessário para um projeto
como este) após o teste em novembro próximo de sua primeira etapa de
desenvolvimento (SARA Suborbital-1). Diante disto, existe um Plano-B para o
teste do modelo de voo deste motor hibrido de reentrada, já que o primeiro
teste de voo orbital do SARA (se realmente ocorrer) poderá ainda levar anos ou
mesmo uma década ou mais?
PROF. ARTUR BERTOLDI: Nossa equipe, como pesquisadores que trabalham no Brasil, somos otimistas
para que o projeto da plataforma SARA realmente prossiga e, citando suas
palavras, com o dinamismo necessário. Nós gostamos de pensar que estamos
contribuindo para o programa espacial brasileiro, pois nos vários players do
mercado espacial, as universidades têm uma importância fundamental, não só para
a formação de pessoal, como no desenvolvimento dos projetos. Posso citar por
exemplo, o caso da Universidade de Stanford e o NASA Ames Research Center, e acredito que essa barreira
deva ser quebrada no Brasil. Nossa equipe acredita que o projeto SARA tem tudo para ser bem-sucedido e
se a plataforma reentrar com o motor projetado pela nossa equipe, logicamente,
ficaremos muito orgulhosos.
Naturalmente, existem parceiros
que podem se interessar pelo nosso conceito, caso não haja possibilidade de
aplicação dentro do contexto do SARA. Mas naturalmente, preferirmos que a
aplicação seja realizada no país.
BRAZILIAN SPACE: Prof. Artur, na época em que o
Prof. Carlos Gurgel atuava como coordenador do Grupo de Propulsão Hibrida da
UnB (hoje ele esta da AEB) os projetos em curso mais difundidos na mídia eram
os projetos dos foguetes híbridos SD-1 e SD-2
(Santos Dumont 1 e 2). Esses projetos sofreram continuidade?
PROF. ARTUR BERTOLDI: Esses
projetos ficaram parados por algum tempo, acredito que por falta de aporte
financeiro. Atualmente, existe a ideia de modernizar alguns sistemas do SD-2
com a ajuda dos alunos do curso de engenharia aeroespacial e engenharia
mecânica da UnB. Com o nosso grupo foi sinalizado, por enquanto, a
possibilidade de teste do motor do SD-2 na Universidade. Entretanto, as pessoas
mais indicadas para fornecer o atual estágio desse processo são o Sr. Pedro
Kaled e o Dr. Carlos Gurgel.
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur
existe a pretensão do Grupo em representar o Brasil com um foguete hibrido em
2016 nos EUA durante a realização da competição universitária de foguetes do “Intercollegiate Rocket Engineering Competition (IREC)?
PROF. ARTUR BERTOLDI: Nós estamos reestruturando a equipe de
foguete-modelismo da FGA para esse fim. No contexto educacional voltado para competições,
esse é o nosso grande objetivo. No entanto, com a redução do orçamento das
universidades para o ano de 2016, a participação no momento está incerta.
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur
foi divulgado também na mesma época do Prof. Carlos Gurgel de que o grupo
estava participando da competição internacional N-PRIZE. Essa participação
continua?
PROF. ARTUR BERTOLDI: O nosso
laboratório não está envolvido em nenhuma atividade relacionada com o N-PRIZE
no presente momento.
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur é de conhecimento de que o Grupo
da Propulsão Hibrida da UnB está participando do projeto da “Competição Brasileira Universitária de Foguetes (COBRUF)”. Como esta se sucedendo esta participação?
PROF. ARTUR BERTOLDI: A
participação dos alunos da UnB no COBRUF é no contexto da Hybrid. Atualmente, temos
alunos da FGA atuando junto à Hybrid no desenvolvimento da plataforma de
lançamento do COBRUF.
Hybrid Propulsion Team (Grupo de Propulsão Hibrida) da Universidade de Brasília (UnB) |
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur,
qual é a sua opinião sobre a atual Política Espacial Brasileira, isto é, se é
que podemos denominá-la dessa forma?
PROF. ARTUR BERTOLDI: Acredito
que de uma forma geral o país está se esforçando para desenvolver mais material
humano no campo aeroespacial, haja vista que até pouco tempo atrás não tínhamos
nenhum curso de engenharia aeroespacial (apenas aeronáutica), e agora temos alguns
cursos desenvolvendo atividades nas mais diferentes áreas.
Naturalmente, a área aeronáutica
se desenvolveu mais acentuadamente sobre a tutela da necessidade de pessoal
capacitado para atender a indústria liderada pela Embraer, que no meu ponto de
vista é um orgulho para o Brasil e deve servir de exemplo para o programa
espacial brasileiro.
No Laboratório de Propulsão
Química da Faculdade do Gama da UnB, nós nos inspiramos e buscamos desenvolver
pesquisa científica relacionada à problemas que acreditamos serem relevantes
para a indústria aeroespacial, sempre que possível, e com o objetivo de ter um
produto no final do processo. Obviamente, não somos uma empresa, logo abordamos
também áreas mais teóricas, na linha puramente acadêmica.
Encontramos na Embraer outro
exemplo, que é o de mostrar a importância da inserção da universidade dentro do
desenvolvimento de produtos para a indústria. Hoje a Embraer tem projetos com
universidades, inclusive tem cursos de mestrado profissionalizante, conseguindo
ser um dos mais importantes players em uma das atividades empresariais mais
predatórias que existe, no meu ponto de vista.
Acredito que o programa espacial
brasileiro, inclusive, deveria se inspirar no pioneirismo da Embraer. O país
tem que incentivar a criação de empresas na área espacial, através de
financiamentos e isenções fiscais, para que os projetos não fiquem apenas sobre
o ombro de organizações governamentais.
Obviamente, com a verba que o
país destina para as atividades espaciais, as possibilidades se limitam.
Desenvolver um programa espacial custa caro, mas o retorno também é alto e afeta
áreas que não estão diretamente ligadas apenas a pesquisa espacial, como a
indústria eletrônica, a de processos e produção de materiais dentre outras.
BRAZILIAN
SPACE: Prof. Artur,
o senhor teria algo mais que gostaria de acrescentar para os nossos leitores?
PROF. ARTUR BERTOLDI: Acredito que um programa espacial bem-sucedido não
se faz só com dinheiro, isso é pré-requisito. O importante é ter claras quais
suas limitações e suas aspirações. Devemos pensar grande, pois creio que o
Brasil mesmo sendo um país em desenvolvimento pode ter um programa espacial
relevante. Mas, precisamos como nação definir objetivos claros e iniciar e terminar
os projetos que propomos. Temos dois excelentes sítios de lançamentos, temos
uma indústria relativamente moderna, entendemos de forma geral e atuamos no
desenvolvimento e construção de satélites. Logo, precisamos começar e
principalmente, terminar os projetos que iniciamos.
Hoje temos universidades e
centros de pesquisas capazes de ajudar nesse processo, formando mão de obra
qualificada, sejam nos cursos de graduação ou pós-graduação, e acredito que o
próximo passo é dar incentivo para a criação e apoio de empresas privadas
brasileiras que atuem na área aeroespacial. Incentivando a iniciativa privada a
trabalhar junto as instituições governamentais e acadêmicas, dando a elas o aporte financeiro e, principalmente, desburocratizando o
setor para dar agilidade a essas empresas.
Para os estudantes que são
leitores do seu site, quero mandar um recado: se o seu sonho é trabalhar com
satélites, foguetes, sondas espaciais e embarcar nessa aventura que é ser
cientista, aposte nisso. O futuro do nosso programa espacial são vocês, sejam
otimistas e, principalmente, sonhem grande. Tomando emprestado as palavras do
Dr. Robert H. Goddard: “É difícil dizer o que é impossível, pois a fantasia de
ontem é a esperança de hoje e a realidade de amanhã”.
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