Coordenador da CEA Destaca o Desmembramento do Satélite LATTES em Duas Missões
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante entrevista (por sinal bem
esclarecedora em alguns pontos ainda desconhecidos pelo Blog) com o coordenador
da área de Ciências Espaciais e Atmosféricas (CEA) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Dr. Oswaldo
Duarte Miranda, publicada no número 03 do Informativo do INPE de 22/10, tendo
como destaque o desmembramento do projeto do Satélite LATTES em duas missões de
satélites menores entre outros assuntos. Esta é a primeira entrevista de uma
série que abordará as ações no novo Plano Diretor do INPE. Vale a pena dar
uma conferida.
Duda Falcão
Série de entrevistas aborda o novo Plano Diretor
Coordenador da CEA Destaca o
Desmembramento do Satélite
LATTES em Duas Missões
Informativo INPE
Número 03
22/10/2015
Coordenador da CEA, Dr. Oswaldo Miranda.
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Em setembro do ano passado, as diversas áreas do INPE,
sob a orientação da Coordenação de Planejamento Estratégico e Avaliação (CPA),
iniciaram um processo de discussão sobre o futuro de suas atividades. O
resultado desse esforço, que durou cerca de um ano, será divulgado em breve no
Plano Diretor 2016-2019. A partir desta edição do INPE
Informa, serão publicadas entrevistas com coordenadores do
Instituto nas quais comentam como foram planejadas as atividades de suas áreas
para esse período.
Para abrir a série de entrevistas, a preferência foi dada
às Ciências Espaciais e Atmosféricas (CEA), que iniciaram as atividades do INPE
no início dos anos 1960. Seu atual coordenador, Oswaldo Miranda, há mais de
quatro anos no cargo, destacou a estratégia de se desenvolver projetos
agregadores, reunindo competências entre as divisões da CEA e também entre estas
e outras áreas do INPE.
Comentou também a implementação de um novo conceito de
gestão e avaliação de projetos que a Coordenação vem utilizando nos últimos
anos, gerando bons resultados não somente científicos e tecnológicos, mas
também do ponto de vista administrativo.
Um dos pontos de maior mudança no planejamento da CEA,
destaca Miranda, foi a reorientação da missão do satélite científico LATTES,
desmembrado nos projetos EQUARS e MIRAX. Ele comenta ainda como essa
readequação de missões irá reativar o Setor de Lançamento de Balões. Antes,
porém, faz um balanço do período coberto pelo último Plano Diretor, que se
encerra neste ano.
- Qual é a sua avaliação das
atividades da CEA inseridas no Plano Diretor passado, que se encerra agora?
Oswaldo Miranda
- De 2011 a 2015, conseguimos manter o foco na pesquisa básica, que é a nossa
locomotiva. Tivemos um bom desenvolvimento de instrumentação de solo;
conseguimos fechar o Brazilian Decimetric Array
(BDA), o primeiro rádio interferômetro abaixo da linha do Equador
destinado ao estudo do Sol. Não conheço outro instrumento do porte do BDA, para
estudo do Sol, que esteja situado no Hemisfério Sul. Ele se aplica a obter
parâmetros importantes tanto para o Programa de Clima Espacial como para a
pesquisa básica, para o entendimento dos processos de geração de energia
envolvidos com as erupções solares. Por outro lado, ele é um instrumento de
banda larga e pode ser usado para estudo do espaço profundo e de objetos no
contexto astrofísico. De dia será possível observar o Sol e de noite, outros
objetos do Cosmos. Portanto, um marco que considero importante nesse período de
2011 e 2015, é o fechamento da fase de desenvolvimento do BDA.
Instalações do Brazilian Decimetric Array,
no INPE de
Cachoeira Paulista.
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O Plano Diretor anterior teve alguns pontos fracos nas
metas propostas, porque a gente acabou acreditando que a instituição teria
pernas para desenvolver instrumentação científica embarcada em plataformas
orbitais, em satélites científicos. Colocamos no Plano Diretor anterior
satélites de pequeno porte que não passaram de um estudo inicial porque não
houve “pernas” suficientes nem dentro das Ciências Espaciais, nem dentro da
Coordenação de Engenharia e Tecnologia Espacial do Instituto, a ETE. Isso foi
algo que ficou a desejar, embora tenha tido algum sucesso para as atividades do
CRS (Centro Regional Sul), no desenvolvimento de nanossatélites.
O Nanossat BR1 foi lançado e carregava um magnetômetro,
um instrumento que teve a colaboração da Geofísica Espacial da CEA. A concepção
do satélite LATTES foi um erro, na nossa visão, porque juntou duas missões da
área de Ciências Espaciais e Atmosféricas completamente opostas. Em 2002-2003,
a missão EQUARS já estava andando bem, era um satélite de órbita equatorial
para estudo da alta atmosfera terrestre e da ionosfera terrestre. Tinha uma
colaboração importante, não só dentro da CEA, mas uma colaboração internacional
centrada no INPE. Havia diversos parceiros internacionais e uma configuração
com nove instrumentos científicos.
Havia também uma proposta, um conceito que estava
nascendo, que era um satélite imageador de Raios X e Gama, na área de
astrofísica, também dentro da área de Ciências Espaciais, mas esse satélite
deveria vir bem depois porque, em 2004 e 2005, o EQUARS já estava em fase
avançada. Havia uma arquitetura de missão que já estava caminhando bem e esse
satélite poderia ter sido lançado até 2010. A ideia era que esse satélite fosse
lançado de carona em um foguete indiano. Não teria custo de lançamento.
Mas aí mudou a gestão do INPE e houve um entendimento de
que deveria se usar a Plataforma Multimissão (PMM). O EQUARS ia utilizar uma
plataforma franco-brasileira, uma plataforma de menor porte, de até 150 quilos.
A PMM era um projeto que nasceu na AEB e o Instituto achou que seria uma
plataforma realmente multimissão e que todas as missões deveriam ser desenhadas
para essa plataforma. Em um dado momento, se fundiu a missão MIRAX, que era um
conceito, com a missão EQUARS, que estava bem estabelecida, criando a missão do
satélite LATTES.
Na minha opinião esse foi o maior erro que esse Instituto
já cometeu na área de Ciências Espaciais. Porque o EQUARS era para ser de
órbita equatorial, para estudo da alta atmosfera e da ionosfera terrestre. O
MIRAX era para imagear o centro da galáxia em busca de fontes de Raios X e
Gama. São instrumentos e ciências completamente diferentes. Elucubraram-se
configurações que nunca saíram do papel, que nunca avançaram. Isso, na minha
opinião, foi um erro estratégico. Quando o Perondi assumiu a direção – ele é
oriundo da Engenharia, e como Coordenador da ETE foi quem deu um passo
importante que levou ao desenvolvimento dos satélites CBERS 2B, 3 e 4–,
percebeu de imediato que o natural seria retomar a configuração de duas missões
separadas. Mais que isso, teve a visão estratégica de que o Instituto deveria
se engajar no desenvolvimento de uma plataforma de menor porte para satélites científicos
e tecnológicos.
O MIRAX continuaria como um estudo conceitual, tanto é
que agora a parte científica e de desenvolvimento da instrumentação do MIRAX
entrou no caminho correto. Serão feitos dois voos com balão estratosférico para
testar o conceito da câmara imageadora. Se atender satisfatoriamente os
requisitos do que deve ter um instrumento para o monitoramento de fontes de
Raios X e Gama, aí se passa para a fase seguinte, que é o desenvolvimento do
satélite no conceito do experimento que terá voado em balão com sucesso. Está
previsto um lançamento para 2017 e um segundo em 2018, para balão
estratosférico.
E o EQUARS voltou a configuração inicial, só que, como
fruto desse histórico, perdemos todos os colaboradores internacionais. Acabamos
agora a configuração de cinco instrumentos de cinco grupos diferentes, quatro
da CEA e um do CTE. Na minha opinião, isso foi uma perda enorme, mas agora a
missão EQUARS entra numa fase de fechamento, de ser realmente um satélite
científico, da classe de 100 a 150 quilos, desenvolvido pelo Instituto e que
pode ser lançado nos próximos anos. O Plano Diretor anterior teve diversos
pontos positivos, mas outros muito negativos. Por outro lado, mesmo nessas
histórias tristes, temos que tirar um aprendizado que é ver com muito cuidado o
que é factível e o que não é factível de ser feito. Isso foi o que tentamos
corrigir na proposta de Plano Diretor 2016-2019 dentro da perspectiva de
contribuição da CEA.
Instrumentos desenvolvidos para a missão do satélite
EQUARS.
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Temos hoje um conceito diferente dentro da CEA que nos
facilita muito para avaliar os nossos projetos e acompanhá-los de uma forma
mais eficiente, pelo menos aqueles que são os principais, que demandam mais
recursos. Nós não fazemos pulverização dos recursos orçamentários que vêm via
MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação) e AEB (Agência Espacial
Brasileira), por exemplo. Temos um plano orçamentário de R$ 5 milhões e uma boa
parte desse recurso é distribuída em dois ou três projetos agregadores. Nós
temos utilizado esse conceito nos últimos três anos, isso melhorou muito nossa
execução orçamentária, nos deu mais controle sobre o andamento dos projetos. A
gente foca mais atenção em dois ou três projetos ao invés de 10 projetos, por
exemplo. Esses projetos são projetos agregadores. Não adianta ser um projeto de
uma pessoa só, que pode buscar recursos em agências de fomento. Temos
direcionado os recursos do PPA (Plano Plurianual) basicamente para projetos
agregadores.
“ Nós temos utilizado esse
conceito nos últimos três anos,
isso melhorou muito nossa execução orçamentária,
nos
deu mais controle sobre o andamento dos projetos. ”
Há um coordenador, que é o PI (Principal Investigator) do projeto
e equipes razoavelmente grandes são compostas com vários especialistas que
discutem, durante dois ou três meses, suas necessidades orçamentárias do plano
seguinte. Esses projetos são encaminhados à coordenação da CEA e avaliados por
um boarding científico, composto por
três pessoas da CEA e duas de fora.
- Foi uma mudança de gestão
da CEA?
Oswaldo Miranda
– Dos recursos. Nos últimos três anos, nós temos implantado esse conceito e ele
foi melhorando. Esse ano ele atingiu a sua eficiência. Nós temos três projetos.
Uma das equipes tem cerca de 20 pessoas envolvidas. É a equipe do projeto
telescópio SOLAR, em desenvolvimento pela Geofísica Espacial, conhecimento
competitivo, com ciência de fronteira e horizonte muito claro de onde se quer
chegar. É um instrumento desenvolvido primeiro para solo, depois vai se testar
a adaptação dele para o espaço. Passará antes pela etapa de lançamento em balão
estratosférico para avaliar o desempenho daquilo que pode ser no futuro uma
carga útil para um novo satélite científico. Esse é um projeto mobilizador
dentro da CEA. Ele foi contemplado em duas avaliações: a do ano passado e do
ano retrasado. A avaliação corre no ano que é proposto e a liberação de
recursos, no ano seguinte.
Outro projeto agregador é a SPARC 4, liderado por uma
pesquisadora da Divisão de Astrofísica. É uma câmara polarimétrica para ser
instalada no Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). O telescópio que eles
têm lá é de 1,60 metros, e se esse instrumento funcionar adequadamente, como
tudo indica que vai, pode virar um conceito para outros telescópios de maior
porte, até fora do Brasil, por que não? Seria uma forma de o INPE começar a se
inserir na instrumentação científica focada em grandes telescópios, como
aqueles no Chile, Havaí e nas Ilhas Canárias.
O INPE pode ser um player importante
no desenvolvimento de instrumentação competitiva no futuro. Isso está sendo possível
por essa mudança de paradigma de os recursos serem disputados, no bom sentido,
por projetos ranqueados em primeiro e até, no máximo, terceiro lugar de uma
lista, de acordo com a avaliação desse comitê, para no ano seguinte serem então
iniciados ou continuados. O telescópio SOLAR e a SPARC 4 são dois exemplos de
projetos que já receberam financiamento por dois anos. Além de ter que ser uma
ciência competitiva, ciência inovadora, os projetos devem ser agregadores.
Não adianta ser de um único pesquisador ou de um único
grupo, tem que ser multidisciplinar, ter a capacidade de agregar mais gente,
inclusive de fora da CEA, dentro do INPE. A equipe tem que se estruturar de
forma que convença o comitê de avaliação que conseguirá produzir os processos
licitatórios usando a legislação que está aí. Não adianta reclamar que a
legislação emperra. A legislação não emperra, o que emperra é o mau
entendimento da legislação. Essas pessoas têm que se articular, dividir
tarefas, inclusive quanto ao projeto e quanto à elaboração dos termos de
referência, dos processos licitatórios.
O sucesso tem sido enorme, nós não tivemos processo
reprovado na CJU (Consultoria Jurídica da União), mesmo no nível de
concorrência internacional, que no passado era algo problemático dentro do
Instituto. Conseguimos aprovar os projetos, as RCs (Requisições de Compra),
tanto é que chegamos no final de agosto com um problema que, por um lado, é bom
e por outro, ruim. Quando veio o corte orçamentário, o ano para nós acabou,
porque nossos recursos já estavam pré-empenhados, empenhados ou liquidados.
Tínhamos uma sobra de R$ 1 milhão para tocar os outros pequenos projetos e isso
foi cortado. O ano para nós acabou por causa da boa forma como os recursos
foram sendo utilizados e nós não esperamos a liberação orçamentária. Em
fevereiro, já havia processos de compra sendo encaminhados para análise
jurídica, já que a CJU dá essa abertura para analisar processos licitatórios
mesmo sem a liberação de recursos. O processo fica analisado, se tem um parecer
positivo, já fica pronto, aguardando recursos para o projeto ser implementado.
Isso dá uma velocidade muito grande ao processo. E se é preciso fazer uma
adequação, a adequação é feita enquanto se espera os recursos.
Essas são então as principais mudanças de visão da CEA no
Plano Diretor anterior para o atual. Aquilo que não deu para fazer como se
prometeu em 2011 e 2015, nós estamos dando um fechamento e reorientando. Hoje
temos somente duas missões em discussão para espaço: o EQUARS, que está
caminhando bem, e a outra é o MIRAX, que também está caminhando bem, mas que
deve acontecer em um prazo maior.
Os Planos Diretores anteriores, 2011-2015 e o anterior a
esse, prometiam lançar o LATTES em 2008. Não foi lançado até hoje e não vai ser
lançado porque aquela configuração não é realista. Você não coloca em um
satélite um grau tão grande de complexidade sem ter feito satélites numa escala
crescente de complexidade. Tem que subir a escada degrau por degrau, senão cai
e se machuca. Há etapas a seguir. O natural é, para se ter um dia um satélite
científico de duas toneladas lançado – não sei se um dia chegaremos a isso –
começar com experimentos menores. Os nanossats ajudam também nessa criação de
conceito e treinamento.
“ Colocamos o MIRAX (...) na
linha correta.
Ele tem que mostrar que o conceito da câmara,
que está em
desenvolvimento, funciona.”
O EQUARS se beneficiou daquilo que foi feito até 2005, o
que veio depois não beneficiou em nada. Nós retomamos o trabalho desenvolvido
até 2005. Colocamos o MIRAX, que seria o segundo satélite científico, na linha
correta. Ele tem que mostrar que o conceito da câmara, que está em
desenvolvimento, funciona. Não é no satélite que deve se testar isso. Você
coloca em um balão estratosférico, a 40 quilômetros de altitude. É possível
fazer um voo de várias horas para testar todos os sistemas nessa altitude, que
só tem 0,1% da atmosfera aqui da superfície. É possível perfeitamente validar o
conceito da câmara com um ou dois voos de balão. Se ele atingir a configuração
desejada e funcionar conforme o previsto, vira, lá na frente, um satélite
científico.
– Esses satélites não farão
mais uso da PMM?
Oswaldo Miranda
- No caso do MIRAX, ainda está em aberto essa possibilidade, porque ele vai ser
um satélite com uma carga útil de massa maior, deve chegar a uns 300 quilos. A
plataforma PMM poderia ser uma opção, mas por outro lado, antes de chegar nessa
fase, de dizer claramente “vamos fazer o estudo conceitual do satélite MIRAX”,
a câmara que está sendo desenvolvida no INPE - com o INPE liderando, mas com
outras instituições colaborando - deve mostrar que realmente atinge as
condições técnicas necessárias para as finalidades científicas a que se aplica:
o monitoramento de fontes no centro da galáxia. Se isso ficar demostrado através
dos voos em balões estratosféricos, o ganho será enorme. Ao mesmo tempo esses
experimentos, que a gente chama de proto MIRAX porque irá testar o conceito,
dão fôlego a outra área que estava meio no limbo aqui no INPE, que é o Setor de
Lançamento de Balões , que fica dentro da CEA.
Experimentos desse tipo oferecem a perspectiva de se
avançar naquilo que não se conseguiu desenvolver até hoje, que é uma plataforma
estabilizada para balões de grande porte com requisitos parecidos com os dos
satélites. Para você mandar um artefato de várias toneladas a 40 quilômetros de
altitude é preciso ter um sistema de estabilização para se acoplar o
instrumento, da mesma forma que se tem um módulo de serviço para satélite, que
é uma plataforma com todos os subsistemas agregados e onde se espeta a
instrumentação. Um balão também tem que ter essa plataforma. Isso é um módulo
de serviço específico com requisitos parecidos com os de um satélite: controle
de atitude, condições de apontamento do detetor e do instrumento para a direção
prevista, e que deve manter essa orientação independente das condições de voo
produzidas pelos ventos na alta atmosfera terrestre enquanto está subindo, ou
na estratosfera, onde se tem as correntes de jato. Você reproduz na altitude de
35 – 40 km o que o satélite terá que fazer em órbita.
Ganha-se muito nessa sinergia de atividades, que é o que
falta muito no INPE, na minha visão. As áreas trabalham de uma forma muito
quadradinha, cada um no seu quadrado, interagindo muito pouco uma com a outra. Dentro
da CEA isso também existia. Havia grupos de pesquisa que eram praticamente
autocentrados. Ciência não se faz assim. Ciência se faz discutindo aquilo que
está sendo feito fora, aquilo que é desafiador, em um fórum grande e
multidisciplinar. Isso tem que ser feito dentro da CEA e da CEA com outras
coordenações também. Tem que ser um exercício constante do Instituto, senão
acaba-se perdendo o foco na ciência de ponta, na ciência de qualidade, que é o
início da nossa atividade.
Se você faz uma ciência de ponta, de qualidade, entrega
para a sociedade o desenvolvimento de algum produto, que pode ser inclusive um
desenvolvimento tecnológico, uma inovação, pode ser uma patente, como o CTE
muitas vezes obtém. E o fruto desse desenvolvimento atrelado, de pesquisa
básica e desenvolvimento tecnológico, vai migrar para a sociedade num rol de
produtos para melhorar a vida do cidadão comum. Isso é feito em várias áreas do
INPE e, na CEA, também através do Programa de Clima Espacial.
Entender como o Sol interfere no nosso dia-a-dia é
importante, por exemplo, para a aviação civil. Toda a vez que o Sol aumenta a
sua atividade, perturba a ionosfera terrestre podendo induzir efeitos
importantes para a propagação de sinais rádio como os sinais dos sistemas GPS e
GNSS. Toda aeronave em voo está se baseando nisso para manter a altitude
correta. O piloto checa seus instrumentos, mas não tem a informação do erro. Se
tiver erro por causa da perturbação da ionosfera, na propagação do sinal, a
aeronave pode descer ou subir, achando que está na altitude correta, colocando-a
em situação de risco.
Na prospecção de petróleo, no caso do Brasil que vai
buscar petróleo na camada do pré-sal, onde a profundidade é gigantesca, vários
quilômetros de profundidade, não tem como enviar um mergulhador ou robôs para
ancorar uma plataforma com cabos a dois quilômetros de profundidade, em relação
à lâmina d'água. É muito fundo. Nesse caso, a técnica de prospecção de petróleo
é diferente; estabiliza a plataforma por flutuadores controlados por sinal GPS.
Portanto, é importante entender como o Sol funciona, como o vento solar
interage com a atmosfera terrestre, com a ionosfera terrestre. Hoje nós vivemos
numa sociedade altamente dependente da tecnologia.
As colheitadeiras nas grandes fazendas de produção
agrícola também são controladas por GPS. O operador programa a rota a ser
seguida e o GPS controla isso, através do piloto automático da colheitadeira.
Se tiver um erro no GPS, a colheitadeira pode ir para uma direção errada, pode
colher uma área que não deveria ser colhida naquele momento. Isso pode produzir
prejuízos. O serviço que aponta a possibilidade de erro no sinal do GPS é um
subproduto desse programa liderado pela CEA.
O INPE só conseguiu ter um programa com essa maturidade
porque trabalhou sem barreiras: o CTE, através do LAC (Laboratório de
Computação e Matemática Aplicada), naquilo que tem de competência, sem precisar
recriar o que tem na CEA. O Programa precisa de vários equipamentos de solo
mandando sinais e quem sabe muito bem trabalhar com sistemas de solo,
comunicação de dados, é a Divisão de Sistemas de Solo (DSS), da ETE, dentro do
programa espacial. Por outro lado, qual é o grande ponto dos estudos dos
modelos meteorológicos? São os acoplamentos. O acoplamento oceano-atmosfera é
fundamental para definir o quão bom um modelo numérico será na meteorologia, e
isso também depende da física que se coloca no acoplamento desses dois fluidos,
que são diferentes. Oras, lá em cima há um fluido diferente, que é a ionosfera,
uma camada limite, uma camada de contato com a camada terrestre. Não precisa
recriar todo o aparato em modelagem que o CPTEC já faz para um fluido
oceano-atmosfera. Adapta-se a física desse acoplamento lá para cima, para a
atmosfera-ionosfera. Isso já introduz um ganho e quebra essas fronteiras que
não deveriam existir.
“ Eu acho que qualquer Plano
Diretor de uma instituição do
porte do INPE tem que ter esse caráter agregador,
de
mapear as sinergias e acoplamentos entre uma área e outra.”
Eu acho que qualquer Plano Diretor de uma instituição do
porte do INPE tem que ter esse caráter agregador, de mapear as sinergias e
acoplamentos entre uma área e outra. Deve haver um contínuo de atividades,
senão fica um aqui, outro lá e um gap no meio, um
vazio.
Na sua opinião, para esse
novo período do Plano Diretor, a CEA está aprofundando essa característica?
Oswaldo Miranda
– O início do trabalho do Plano Diretor tomou como base um seminário que foi
feito há dois anos com a participação das áreas finalísticas do INPE e que
colocou uma provocação, no bom sentido: como é que vocês se veem hoje? Qual é a
ciência de fronteira que vocês deveriam fazer? O que é desafiador para vocês?
Foi um seminário que teve como tema “Desafios”. Isso já fez com que cada área
pensasse um pouquinho nos seus desafios de ciência de fronteira e ao mesmo
tempo cada um pôde acompanhar o que o outro estava pensando.
Esse Plano Diretor nasceu de uma forma diferente dos
anteriores, nasceu desse seminário provocador, no bom sentido, que se
introduziram questões importantes de serem pensadas. Colocou ainda a questão da
avaliação do que havia sido prometido lá atrás. Porque não adianta criar um
plano por criar. Deve ser aderente à realidade, até mesmo porque a gente vai
ser cobrado por ele depois. Ele se torna público, serve para o MCTI e,
inclusive, para os órgãos de controle identificarem o que é atividade
finalística e o que não pode ser terceirizado. É um documento que traz muita
responsabilidade.
E o Plano teve um caráter preparatório para as discussões
do novo PPA (Plano Plurianual), que também cobrem o período de 2016-2019. Qual
foi a ideia? Colocar o Plano Diretor em fase com o PPA. O atual PPA encerra em
2015. Do início desse ano até o meio do ano foram realizadas diversas reuniões
de planejamento em Brasília, com o Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, diversos ministérios, e representantes definidos pelo INPE com as principais
áreas do Instituto.
E nas discussões do PPA, utilizamos tudo o que a gente
havia discutido e analisado em relação ao Plano Diretor do INPE. Mesmo que o
Plano Diretor não estivesse fechado - ainda está em fase de consolidação -, nós
já tínhamos as contribuições das áreas. Usamos esse material para avançar no
nosso PPA. Do que eu vi e participei das oficinas do PPA, foi essa preparação
do Plano Diretor que deu ao INPE uma condição muito diferente das outras
instituições que estavam lá. Nós fomos muito bem preparados, mostramos
resultados ao Ministério do Planejamento. Recebemos, inclusive, elogios do
Ministério do Planejamento como um órgão da área espacial com eficiência, que
tem o que mostrar. O peso da participação do INPE se mostrou pelos documentos
gerados.
O INPE tem três metas, ou seja, aquilo que deve entregar
à sociedade até 2019. E temos um conjunto vasto de iniciativas que foram
colocadas no documento oficial do PPA. Conseguimos um avanço em áreas que não
tínhamos penetração no passado. É daí que vem o recurso. Se você está inserido
nos principais programas de estado, é daí que virão os recursos para tocar as atividades
do INPE entre 2016 e 2019. Um feito que veio desse trabalho do Plano Diretor,
que nos abriu novos horizontes.
O Plano Diretor é um documento estratégico. Na minha
opinião, ele foi feito da forma correta, da base para cima, foram colocadas
diretrizes e antes teve aquele seminário chamado Desafios. As áreas de P&D
(Pesquisa e Desenvolvimento) tiveram a oportunidade de refletir: o que é feito
em termos de ciência lá fora? O que a gente pode fazer para estar perto da
ciência de ponta? O que é factível de ser feito? Essas questões ajudaram depois
a escrever o Plano Diretor.
- Qual é a perspectiva do
EMBRACE para esse novo período do Plano Diretor?
Oswaldo Miranda
- Ele é um programa bebê. Nasceu em 2008 e, na minha opinião, foi feito da
forma correta em termos de sequencia. Primeiro passou por uma fase de
implantação de infraestrutura nos primeiros quatro anos. Entre 2008 e 2012, o
EMBRACE estava se estruturando. Com a estrutura montada, começaram a discutir o
que poderiam fazer em termos de entrega de serviços e produtos à sociedade,
pois agora existe uma infraestrutura que permite atender à sociedade, aviação
civil, prospecção de petróleo, gasodutos, etc. É preciso monitorar
continuamente as condições de espaço que interferem na vida da Terra e atuar de
forma preventiva na segurança dos sistemas tecnológicos que temos aqui. Os
sistemas de geração primária de energia, por exemplo, todos eles são
controlados por computador, por sistemas complexos. Linhas grandes, metálicas,
são condutoras. Perturbações lá em cima, na ionosfera terrestre, induzida pela
Sol, geram correntes que são induzidas nas torres de transmissão, no invólucro
dos transformadores de alta potência. Isso pode fazer um transformador
superaquecer e estourar. Um transformador desse tipo, por exemplo, um primário
de Itaipu, não é um equipamento que se encontra na loja. Eles são feitos por
encomenda e o tempo de fabricação pode durar muito dependendo do tipo de
transformador.
Sala de Situação do Programa EMBRACE, de
monitoramento do
clima espacial.
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Se ao monitorar as condições solares, chega-se a
conclusão por modelagem que uma erupção importante que virá na direção da
Terra, podendo afetar uma usina primária de geração de energia, é preciso
passar um alerta para a operadora nacional do sistema elétrico, e remanejar a
sua operação, inclusive preservar, em função da latitude, quem é que pode
sofrer mais. Esse é um serviço importante que ainda não está implantado. Está
em fase de estruturação. Está em discussão nesse momento quais serviços vão
para a sociedade. E todos esses produtos são fruto de uma P&D, de alto nível,
de pesquisa básica.
Há um erro conceitual no Brasil. Todo mundo fala: “tem
que fornecer produto para a sociedade!”, mas o produto vem de onde? Vem da
pesquisa. A pesquisa é que gera as condições dos desenvolvimentos tecnológicos
e para esse desenvolvimento se reverter em produtos para a sociedade. Se
prejudicar a pesquisa básica, como é possível gerar produtos de qualidade? Sem
ela, não há geração de produtos competitivos em relação ao que se faz lá fora!
E a sociedade hoje, vai buscar aonde? Se não tiver aqui, vai buscar lá fora. E
se for buscar lá fora, não vai gerar renda, não gera receita para a nação.
No entanto, deve-se tomar cuidado, a pesquisa básica não
deve ser “a pesquisa pela pesquisa”. O INPE não é uma universidade. Mas se
mantiver um foco de 30% em sua pesquisa básica, o Instituto estará bem
centrado, mantendo outros 40% na pesquisa tecnológica, no desenvolvimento
instrumental tecnológico, e outros 30% em produtos e serviços que deverá gerar
a partir desse conjunto. Esse seria um bom balanço para as atividades do INPE
na minha opinião.
Fonte: Informativo do INPE - Número 03 - 22/10/2015
Comentário: Eu creio que não é necessário acrescentar
mais nada, há não ser parabenizar ao Dr. Oswaldo Duarte Miranda pela coragem de
dizer entre outras coisas que houve erro na concepção do projeto do Satélite LATTES,
coisa que confesso que, quando este satélite foi anunciado pela primeira vez,
não fez muito sentido para mim, já que no mínimo, diante do que já se tinha
realizado nos Projetos EQUARS e MIRAX, fora o fato da complexidade tecnológica
do satélite, demonstrava falta de foco e certamente tinha grandes chances de
não se concretizar. Ou seja, trocou-se naquela época o quase certo (lembre-se leitor,
no PEB a única coisa certa é que não tem nada certo) pelo certamente incerto, e
deu no que deu. Como já não bastasse os debiloides de Brasília e as herculanas
dificuldades impostadas ao PEB por uma legislação inadequada (ponto que não
concordo com o que disse o Dr. Oswaldo Miranda) e um desgoverno aliado a uma
classe política sem compromisso, corrupta e incompetente, neste caso específico
o INPE pisou na bola e feio, já que num universo de tantos desencontros e
estupidez, quem se destaca é rei, e infelizmente para o instituto e para o país, desta vez não foi isto que aconteceu. Lamentável!
Parabéns pela matéria. Pela dimensão do EQUARS parece que o veículo lançador desse possível satélite pode ser o VLM-1 . Esperemos que esses projetos se concretizem.
ResponderExcluirCaro Pe Paulo Giovanni!
ExcluirNão sou religioso e nem acredito em deuses, mas usando um bordão comum, eu lhe diria: "Que Deus lhe ouça".
Abs
Duda Falcão
(Blog Brazilian Space)