COMAER responde questionamento sobre aquisição de microssatélite SAR pela FAB

Olá, leitor!

Conforme anunciado na matéria "Aeronáutica adquire satélite radar por 33 milhões de dólares" (veja aqui), publicada ontem (29/12/2020), além da análise, das inferências e das deduções realizadas pelo BS, também destacamos que as informações por nós fornecidas referentes às características, os custos e as aplicações para a referida aquisição precisavam de confirmação oficial do Comando da Aeronáutica (COMAER).

Assim, antes de postarmos a matéria supramencionada, encaminhamos um e-mail com perguntas pertinentes ao tema para a Assessoria de Imprensa do COMAER nos seguintes termos:

Brazilian Space BS <brazilianspace@gmail.com>
29 de dezembro de 2020 10:30
Para: Assessoria de Imprensa do COMAER <imprensa@fab.mil.br>
Prezada Equipe da Assessoria de Imprensa do COMAER,

Meu nome é Rui Botelho, sou editor do Blog Brazilian Space e venho por meio deste e-mail solicitar informações sobre a "Aquisição de Sistema de Sensoriamento Remoto" publicada no Diário Oficial da União (DOU) do último dia 22 de dezembro, conforme o Extrato de Dispensa de Licitação Nº 1/2020, (link da página do DOU)

Para melhor compreensão da referida aquisição, apresentamos as seguintes perguntas: 
1) O sistema adquirido é composto por quantos satélites? 
2) O(s) satélite(s) adquirido(s) é(são) SAR Banda X ou Banda L ou ambas? 
2.1) Se o payload for Banda X qual será o ambiente de emprego (a Antártida, as nossas costas e zona econômica exclusiva, etc)? 
2.2) Se o payload for Banda L será empregado na Amazônia e no controle de fronteiras? 
3) O(s) satélite(s) adquirido(s) é(são) de qual modelo da fabricante ICEYE (X1 ou X2 de 85 kg ou X3 "Harbinger" de 150kg)? 
4) Os valores da aquisição são referentes somente aos satélites ou a infraestrutura de solo, rastreio, processamento, entre outros? 
5) Os custos de lançamento estão inclusos no valor divulgado? 
6) Qual o valor individual de cada componente do sistema (Valor do satélite, valor do sistema de solo e rastreio, valor do sistema de processamento, valor do lançamento, etc...)? 
7) Qual o prazo de entrega, a data de lançamento estimada e a data de entrada em operação estimada? 
 

Em resposta enviada hoje (29/12/2020), a Assessoria de Imprensa do COMAER informou o seguinte:

Assessoria de Imprensa do Comando da Aeronáutica <imprensa@fab.mil.br> 30 de dezembro de 2020 12:00 
Para: brazilianspace <brazilianspace@gmail.com> 
 
Prezado jornalista,
 
Buscando cumprir os objetivos da Estratégia Nacional de Defesa, foi desenvolvido o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), que elencou capacidades a serem adquiridas no segmento aeroespacial brasileiro, para atender às necessidades estratégicas das Forças Armadas e da sociedade brasileira. 
 
A aquisição de um microssatélite SAR, sendo operado pelo Centro de Operações Espaciais (COPE) da FAB, promove a soberania do país no monitoramento satelital por meio de imagens de radar.  
 
Conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), de 22 de dezembro de 2020, foi instaurado um processo de dispensa de licitação enquadrado no artigo 24, inciso IX da lei 8.666/93 para a Aquisição de Sistema de Sensoriamento Remoto. Para selecionar o fornecedor, foi utilizado um processo de seleção previsto na DCA 400-6 - CICLO DE VIDA DE SISTEMAS E MATERIAIS DA AERONÁUTICA, do qual participaram 15 empresas. Este será o primeiro sistema do Projeto Lessonia-1, previsto no Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), cujo principal objetivo é prover infraestrutura espacial para ser usada estrategicamente, e de modo potencializador, no Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), no Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), no Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), no Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e afins.
 
O objeto do processo de contratação se refere à aquisição de um Sistema Espacial, compreendido por microssatélite, equipamentos de solo para a operação do sistema, integração dos equipamentos existentes ao sistema espacial e suporte logístico, além dos serviços de lançamento, comissionamento e treinamento. A  previsão de início de operação do sistema é no segundo semestre de 2022. 
 
Demais informações estão classificadas no grau de sigilo “Reservado”, pois são consideradas estratégicas. A classificação “Reservada” se fundamenta na legislação que regula os procedimentos para tratamento de informações classificadas (Decreto nº 7.845/2012) e na Lei de Acesso à Informação (12.527/2011).   
Atenciosamente,
 
ASSESSORIA DE IMPRENSA 
Centro de Comunicação Social da Aeronáutica

Não tendo o COMAER respondido diretamente as perguntas apresentadas (somente apresentou informações de 2 das 7 questões enviadas), algumas foram respondidas indiretamente no corpo do texto do e-mail de resposta.

Além disso, foram apresentadas outras informações importantes referentes ao processo de seleção e contratação do referido sistema, tal como a quantidade de empresas consultadas para o processo de contratação direta, 15 empresas no total.

Sobre as perguntas respondidas (indiretamente) temos:

a) As perguntas 2.1 e 2.2 foram respondidas parcialmente com informações de domínio público sobre o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE) e sua constelação Lessônia, sem esclarecer qual a Banda (X ou L) será operada pelo satélite: "Este será o primeiro sistema do Projeto Lessonia-1, previsto no Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), cujo principal objetivo é prover infraestrutura espacial para ser usada estrategicamente, e de modo potencializador, no Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), no Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), no Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), no Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e afins". O que nós já sabíamos, pois são informações de conhecimento";

b) As perguntas 4 e 5 foram respondidas no trecho "O ... processo de contratação se refere à aquisição de um Sistema Espacial, compreendido por microssatélite, equipamentos de solo para a operação do sistema, integração dos equipamentos existentes ao sistema espacial e suporte logístico, além dos serviços de lançamento, comissionamento e treinamento.".; e

c) A pergunta 7 foi parcialmente respondida no trecho "A  previsão de início de operação do sistema é no segundo semestre de 2022".

As demais perguntas foram ignoradas, mesmo já sendo de conhecimento público algumas informações sobre os sistemas desenvolvidos pela empresa contratada, a ICEYE. 

Considerando que a série ICEYE-X1 de microssatélites era somente uma prova de conceito, e que a ICEYE-X3 "Harbinger" tem massa de 150 kg (logo, minissatélites),  por dedução lógica, podemos assumir que o satélite a ser adquirido será o ICEYE-X2, dado que o trecho da letra "b" acima fala em "compreendido por microssatélite".

Como esse mesmo trecho que fala de "microssatélite" (no singular), pode-se induzir a pensarmos que será adquirido um único satélite.

No entanto, o BS obteve ontem informações de fonte seguríssima que serão 02 (dois) satélites em Banda-X e que a assinatura do contrato aconteceu na manhã de hoje.

Com essa informação temos que a primeira constelação Lessônia será composta por 02 microssatélites ICEYE-X2, com as seguintes características:
  • Classe: Microssatélite;
  • Massa: 85 kg;
  • Dimensões: 0,8 m (H) × 0,8 m (W) × 0,6 m (D); 
  • Payload: SAR Banda X;
  • Comprimento da antena: ? m;
  • Potência: 4 kW+;
  • Resolução da imagem: Submétrica;
  • Órbita: 
    • Tipo: Polar heliossíncrona;
    • Inclinação: 97,77 °; 
    • Altitude: 570 km × 587 km;
  • Vida útil: 2 a 3+ anos.
  • Valor do satélite: US$ 7.000.000,00 (x 2 = US$ 14.000.000,00)
  • Custo do lançamento: US$ 3.000.000,00 (x 2 = US$ 6.000.000,00)
Imagem: ICEYE-X2.

Assim, confirmando o que havíamos apresentado na matéria de ontem, com a informação que possuíamos naquele momento, o custo total do contrato para os satélites e os respectivos lançamentos (provavelmente serão lançados juntos) será de aproximadamente US$ 20.000.000,00, restando US$ 13.874.000,00 para estruturas de solo, treinamento e outras atividades pré e pós entrada em operação.

No tocante ao emprego desses satélites, é importante destacar que por serem SAR em Banda X, os mesmos devem ser utilizados na vigilância dos nossos mares, tanto no contexto do controle de manchas de petróleo (não nos esqueçamos dos desastre ambiental que tivemos recentemente com esse tipo de situação) como, também, na vigilância da nossa zona econômica exclusiva, como, por exemplo, situações de invasões de flotilhas pesqueiras de outros países atuando nessa região.

Cabe lembrar que hoje não temos sistemas capazes de cumprir de maneira eficaz esses tipos de missões e não temos nenhuma solução nacional para nos atender nos próximos 5 ou 10 anos. 

Para se desenvolver uma solução nacionalizada, teria que se investir em um satélite de mais de 700 kg, usando a Paltaforma Multimissão (PMM) como bus, e seria necessário ou adquirir um payload SAR (Banda X ou L) no mercado internacional e adaptá-lo à PMM (ou vice-versa) ou se desenvolver um SAR nacional praticamente do zero.

A PMM, que voará em fevereiro como bus do Amazônia-1, tem massa de 270 kg (3 vezes a massa total de um ICEYE-X2) e não se tem nenhum payload nacional SAR Banda X ou L, para emprego orbital, em TRL maior que 4 (ou seja, muito longe da validação em voo).

Assim, para aquelas viúvas dos projetos jurássicos que vinham sendo conduzidos há 30 anos no Brasil (agentes públicos e indústria), não adianta espernear que esses satélites da FAB deveriam ser feitos no País, pois, como visto na série "O radar da discórdia" (veja aqui I, II e III), vocês tem grande parcela de culpa pelo que o Programa Espacial Brasileiro (PEB) se tornou (ou não se tornou) e estão colhendo o que não não plantaram.

Rui Botelho
(Brazilian Space)

Comentários

  1. Professor Rui, bom dia,
    Obrigado pelas informações. Espero que as empresas nacionais acordem logo para tais oportunidades. Pela resposta, outras encomendas devem se realizar nós próximos anos.

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    1. Olá Gustavo!

      Também espero que isso aconteça.

      Abraço,

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    2. Excelente conteúdo professor, parabéns e obrigado pela pesquisa. Que bom saber que a FAB está fazendo gestões para o aparelhamento de sistemas espaciais, o Brasil precisa evoluir nesse campo e não adianta as pessoas reclamarem de valores... tecnologia espacial é cara mesmo.... se não fosse todo país tinha um monte de satélites. Com a nossa extensão territorial gigantesca, praticamente continental, o monitoramento pelo espaço é essencial e não há amadores nesse mercado. Acho também que tem muita gente por aí confundindo trabalho do INPE (monitoramento de desmatamento) com o da FAB (monitoramento da segurança nacional). Claro que, em havendo oportunidade de utilização compartilhada, isso deve ser discutido pelos órgãos envolvidos e é outra novela. Mas é importante tentar distinguir o que cada um está fazendo em seu papel. A FAB está investindo na segurança do país, que é sua missão, a exemplo do que tem apresentado sobre o caça Gripen e o cargueiro KC-390, portanto dá para perceber que no cabe à Aeronáutica, as coisas estão progredindo.

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    3. Olá Anônimo! Agradeço por acompanhar o BS e pelo elogio. Infelizmente, nem sempre as questões de ordem técnica são abordados nos canais não especializados com a imparcialidade e conhecimento mínimo sobre o tema de modo isento e embasado tecnicamente.
      Abraço

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  2. Defesa havia empenhado R$ 145.OOO.OOO,ºº milhões para a compra.

    A contratada pela Aeronáutica foi a Iceye, uma empresa finlandesa fundada em 2014 que trabalha com satélites do tipo SAR (do inglês, Radar de Abertura Sintética).

    Chamado de satélite-radar, é usado para observação da Terra.

    Ele emite pulsos que, em tese, permitem captar imagens mesmo em dias nublados.

    Sua capacidade de detecção de desmatamentos na Floresta Amazônica, contudo, é contestada por especialistas.

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  3. Prezados, antes da quisição de um micro satélite SAR, não teria sido melhor desenvolver um em parceria com a Argentina do tipo SAOCOM?

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