IAE é “Requerente” e “Testemunha” no Contrato FUNCATE-AVIBRÁS
Olá leitor!
Segue abaixo uma outra interessante matéria publicada na
edição de Fevereiro e Março do ”Jornal do SindCT“, fazendo um analise
sobre o contrato assinado entre o IAE a Avibrás e a fundação FUNCATE para a
produção de seis motores foguetes S50 a serem empregados nos veículos
lançadores VS50 e VLM-1.
Duda Falcão
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
FUNDAÇÃO PRIVADA É INTERMEDIÁRIA NO PROJETO DE R$ 70
MILHÕES
IAE é “Requerente” e “Testemunha”
no Contrato FUNCATE-AVIBRÁS
Assinado em dezembro de 2016, o documento estipula que a
empresa
deverá entregar, até fevereiro de 2019, seis motores modelo S50,
a serem empregado nos veículos lançadores VS50 e VLM-1.
Antonio Biondi e
Napoleão Almeida
Jornal do SindCT
Edição nº 55
Fevereiro e Março de 2017
Primeira página do contrato firmado entre
FUNCATE e
Avibrás em 16/12/2016.
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O brigadeiro Augusto Otero, diretor do IAE, assina
o
documento na condição de testemunha.
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Um investimento de quase R$ 70 milhões em seis
motores-foguete é a aposta brasileira para atingir a longínqua meta —
acalentada desde a década de 1980 — de colocar um artefato na órbita da Terra,
podendo tornar-se o primeiro país do Hemisfério Sul a alcançar tal façanha. Em
um contrato que se originou no governo Dilma Rousseff, mas só foi assinado no
final de 2016, o País fará um investimento de exatos R$ 69.683.296,10 iniciais
para, segundo a justificativa do projeto, “ampliar o conhecimento e desenvolver
soluções científico-tecnológicas para fortalecer o Poder Aeroespacial
Brasileiro por meio da pesquisa, desenvolvimento, inovação, operações de
lançamento e serviços tecnológicos em sistemas espaciais”.
O valor é inicial pois ainda há um
cronograma de ações previstas para o final de 2017 que exigirão novo aporte,
previsto no contrato inicial, com correção de acordo com o Índice Geral de
Preços. Embora o interessado seja o Instituto de Aeronáutica e Espaço
(IAE-DCTA), o contrato principal envolve apenas a Avibrás Divisão Aérea e
Naval, empresa privada sediada em São José dos Campos (SP), e a Fundação de
Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais (FUNCATE, entidade privada).
Dispensado de licitação, com base no Decreto 8.241/2014 da Presidência da
República e no parecer 1.689/2015 da própria FUNCATE.
Neste contrato está prevista a entrega de seis motoresmodelo
S50, da seguinte forma: “02 (dois) vazios para ensaios de ruptura, estruturais
e de carregamento inerte; 02 (dois) equipados e carregados com propelente para
ensaio estático de queima em banco de provas; e 02 (dois) equipados e
carregados com propelente prontos para o voo, e seus acessórios”. Os motores
serão utilizados pelo veículo VS-50 e também pelo VLM-1, Veículo Lançador de
Microssatélites.
O presidente em exercício da Agência Espacial Brasileira
(AEB) Carlos Gurgel comemorou a assinatura do contrato, lembrando que, além dos
motores, o país possui o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), “que permite
lançar satélites em qualquer inclinação”. Tal combinação de fatores, a seu ver,
permite “entrar no mercado promissor de lançamento de satélites de pequeno
porte”.
Em 2003, um acidente de razões ainda obscuras matou 21
pessoas no CLA, entre engenheiros e técnicos que preparavam o lançamento do
foguete brasileiro VLS-1 V03. O relatório do acidente, elaborado por uma
comissão de investigação encabeçada pelo brigadeiro- do-ar Marco Antonio Couto
do Nascimento, responsabilizou o “funcionamento intempestivo do propulsor A”,
ressaltando que não foi possível identificar qual a razão do acionamento do
detonador, e concluía que “a longa convivência do projeto com a escassez de
recursos humanos e materiais pode ter conduzido a uma dificuldade crescente em
perceber a degradação das condições de trabalho e da segurança”.
À época, o Brasil pretendia colocar no espaço o
microssatélite SATEC, como carga útil do VLS-1. Porém, três dias antes do
lançamento que resultaria na maior tragédia do Programa Espacial Brasileiro, um
incêndio destruiu a base de lançamento, incluindo o foguete e o satélite nele embarcado.
“Avanço”
A expectativa é de que o contrato venha a sanar problemas
crônicos do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE). “O Brasil ainda
tem empresas que podem projetar e fabricar sistemas aeroespaciais de alta
qualidade. E as empresas podem trabalhar juntas para alcançar os resultados na
área espacial nos interesses nacionais do Brasil. Isto é avanço significativo”,
analisa o professor Artem Andrianov, da Faculdade de Engenharia da Universidade
de Brasília (UnB).
Nos anos 1980, Avibrás se notabilizou por vender
baterias
de foguetes para o Iraque.
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Para Andrianov, que é PhD em Ciência dos Materiais e
ex-professor associado da Universidade Nacional de Dinpropetrovsk (Ucrânia), o
Brasil pode se inserir no mercado de forma significativa: “Conforme a Space
Works, cerca de 3 mil nano/microssatélites precisarão de serviço de lançamento
entre 2016 e 2022. Então o desenvolvimento do lançador deste tipo é muito
importante não somente para o Brasil, mas para todo o mundo”, diz o professor,
citando a empresa americana que monitora a atividade global de satélites e
avalia áreas para novos investimentos.
Andrianov, no entanto, faz uma advertência. “Há somente
uma dúvida: se o VLM-1 poderá concorrer com outros veículos lançadores no
mercado. Já agora no desenho do VLM-1 um especialista pode observar algumas
soluções não otimizadas do ponto de vista da eficiência do lançador: o segundo
estágio é o mesmo do primeiro (o mesmo propulsor S50). Provavelmente isto foi
necessário para diminuir o preço do lançador. Eu só não tenho dúvidas em um
assunto: o projeto do VLM-1 tem que ser finalizado”, pondera.
O alerta é válido: o satélite Amazônia 1, primeira carga
útil da chamada Plataforma Multimissão (PMM), vem sendo desenvolvido pela AEB,
com ajuda do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desde 2001, com
sucessivos atrasos de cronograma devidos fundamentalmente às dificuldades
enfrentadas por alguns segmentos da indústria privada nacional ainda incapazes
de fornecer os equipamentos contratados com a qualidade necessária para uso no
espaço. Diversos contratos firmados entre a AEB e a indústria nacional, alguns
no valor de dezenas de milhões de reais, simplesmente não chegaram a termo,
provocando, além de enormes atrasos nos cronogramas, prejuízos milionários aos
cofres públicos.
O contrato assinado entre a fundação privada FUNCATE, intermediária
do IAE, e a Avibrás, pelo menos prevê multa e sanções em caso de descumprimento
de metas e itens contratuais. A cláusula sétima determina a aplicação de
“Advertência” e de “Multa por inexecução total ou parcial do evento do contrato,
por parte da contratada”, porém, limitada ao máximo de 10% do valor do evento
e, em caso extremo, ao evento de maior valor no contrato — um teto de
aproximadamente R$ 7 milhões.
Há ainda a previsão de multa por atraso injustificado no
cronograma. Os atrasos, se superiores a 90 dias, podem resultar na rescisão do
contrato, com multa limite de 10%. Ou seja, um contrato de altíssimo risco,
praticamente a fundo perdido, já que o pagamento do objeto contratado não está vinculado
à sua entrega definitiva, com o atendimento a todos os requisitos estipulados pelo
contratante.
Testemunha
A prática da contratação de empresas privadas em projetos
do PNAE acabou por sucatear a estrutura montada no IAE, que, sem projetos a
executar, foi se tornando obsoleta. Gastar com empresas privadas faz com que a
União invista menos nas suas próprias instituições. No contrato em questão, por
exemplo, tanto a contratante FUNCATE (gestora) quanto a contratada Avibrás
(executora) são organizações privadas. Não há uma razão clara para que o
governo federal deixe de contratar diretamente a empresa produtora dos motores.
Destinatário final da encomenda, o IAE aparece no contrato na condição de
“Requerente”. Assim, o parágrafo quarto da cláusula primeira é surpreendente: “O
pagamento está condicionado à existência de recurso financeiro repassado pelo
Requerente (IAE/DCTA), decorrente do Convênio 001/IAE/2014”. Este convênio
regula a relação entre o instituto e a fundação privada, com vistas à encomenda
dos motores à Avibrás. Embora a contratante formal seja a FUNCATE, todas as
autorizações no decorrer do contrato dependem do IAE (ou do DCTA). A cláusula
décima-quarta (“Acompanhamento/Fiscalização”) estabelece que a “execução deste
contrato será acompanhada e fiscalizada por uma Comissão do Requerente”; que
esta comissão e as pessoas que designar “deverão ter acesso às instalações onde
o contrato será executado, durante a jornada normal de trabalho”; e que a
Avibrás deve garantir “acesso irrestrito” da comissão a essas instalações, bem como
permitir “o contato direto da Comissão do Requerente com a equipe técnica da
Contratada”. Além disso, segundo a clásula décima-sexta, a execução do contrato
“está sujeita a inspeções e auditorias” por parte da comissão do IAE. Ademais,
a Avibrás deverá “manter um Sistema de Garantia de Qualidade certificado por
uma Autoridade Certificadora reconhecida pelo IFI/DCTA” etc.
A reportagem entrou em contato com as três partes,
buscando esclarecer certos pontos do contrato e também dissecar aspectos
técnicos da fabricação dos motores, bem como entender o cronograma de uso das
seis peças. O IAE optou por não agendar entrevista: seu departamento de comunicação
(?) burocratizou o acesso à informação, solicitando ao Jornal do SindCT o
envio de novo pedido ao Serviço de Informações ao Cidadão, em um espaço no
portal digital da Força Aérea Brasileira (FAB). De lá, há o redirecionamento
para outro portal, onde é necessário o preenchimento de um cadastro e a criação
de senha para acesso ao sistema. Até o fechamento desta edição não se obteve
nenhuma resposta deste sistema.
A FUNCATE respondeu, por meio da assessoria de imprensa,
que “só faz a gestão financeira e administrativa do projeto”, evitando questões
técnicas. A reportagem então insistiu em conversar com alguém da fundação sobre
as questões financeiras e administrativas. Recebeu, assim, a seguinte promessa:
“O presidente do Conselho Diretor da FUNCATE, Josiel U. de Arruda, está verificando
com o IAE a possibilidade de agendarmos uma entrevista conjunta das duas
instituições, tendo em vista que a fundação apenas dá apoio à gestão
administrativa e financeira do projeto. Ele lhe dará um retorno o mais breve
possível”. O retorno, todavia, não aconteceu até o fechamento desta edição.
Por fim, a Avibrás registrou em contato inicial, que o assunto
se encontrava nas mãos da Diretoria de Relações Institucionais. Posteriormente,
em e-mail enviado no dia 3 de março, a empresa formalizou sua resposta à equipe
do Jornal do SindCT: “Recomendamos a V.Sa. que procure o IAE”. Todos os
contatos relatados com IAE, FUNCATE e Avibrás ocorreram no decorrer dos meses
de janeiro, fevereiro e março de 2017.
Fonte: Jornal do SindCT - Edição 55ª – Fevereiro e Março
de 2017
Comentário: Bom leitor é claro que essa analise do contrato
não está completa já que a equipe jornalística do Jornal do SindCT não
conseguiu respostas para seus questionamentos das partes envolvidas com o
contrato, mas creio que este artigo deva ser lido, analisado e debatido pelos
pesquisadores do PEB, principalmente o alerta feito pelo professor Artem Andrianov,
da Faculdade de Engenharia da Universidade de Brasília (UnB).
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