Antropoceno no Espaço
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski ontem (09/10) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Antropoceno no Espaço
“Hoje, infelizmente, a espécie humana tem um entendimento e um juízo inadequados
sobre o meio ambiente espacial, e essa questão precisa ser resolvida
antes que os
exploradores se tornem colonizadores da fronteira final.” Mark Williamson,
Space: the
Fragile Frontier, AIAA, 2006, p. 25 (1)
José Monserrat
Filho *
Antropoceno, nome dado à nova era geológica do Planeta Terra, pode
entrar em breve na Escala de Tempo Geológico oficial. Suas mudanças mais
cruciais ocorrem por obra de seus habitantes, os seres humanos. É isso o que a
caracteriza. Em grego, “antropo” significa homem e o sufixo “-ceno” exprime a
ideia de novo. O problema, neste artigo, é saber até que ponto nós, os
terráqueos, levaremos o antropoceno para o espaço exterior – o que já pode
estar acontecendo.
“O fim do século XX e início do século XXI são palco
de transformação sem precedente na história: inaugurou-se o Antropoceno, nova época geológica e humana em que o
meio ambiente deixa de ser estável, mero pano de fundo dos dramas humanos, para
tornar-se instável, questão central nas preocupações humanas, especialmente em
relação à sobrevivência no longo prazo. Mitigar a instabilidade ambiental é bem
comum global; requer concertação internacional com cessão parcial da soberania
dos Estados em prol de uma governança global mais efetiva”, frisam
Eduardo Viola e Larissa Basso, professores da Universidade de Brasília
(UnB), no artigo O Sistema Internacional do Antropoceno (2). Cabe destacar: a
busca é de uma governança global mais efetiva.
A Terra existe há 4,55 bilhões de anos. Finda sua era glacial, começa há
11,5 mil anos o Holoceno, etapa que propicia as condições climáticas
necessárias ao desenvolvimento do ser humano. A humanidade não só nasce como
expande as atividades agrícolas, a domesticação de animais e a construção de
cidades. As migrações se multiplicam pelo Planeta. O número de habitantes passa
de cinco milhões (menor que o da cidade do Rio de Janeiro) para os sete bilhões
atuais – um aumento de 1400 vezes. (3)
A densidade populacional e econômica atinge níveis elevadíssimos. Cientistas
consideram que as ações antrópicas com efeitos degradantes já ultrapassam os
limites do Planeta. A economia e o consumo crescem em demasia, devastando os
recursos naturais. As sobras do consumo se transformam em montanhas de lixo, rios
de esgoto e correntes de resíduos poluentes. Cerca de 60 bilhões de animais são
mortos por ano para alimentar os sete bilhões de pessoas – número que
pode chegar a 10 bilhões até 2050 (4), dentro de 34 anos, portanto. Cerca de 30
mil espécies são extintas a cada ano. A biodiversidade da Terra vem sendo
drasticamente reduzida.
A humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar
uma força geofísica destruidora, diz o biólogo americano Edward O. Wilson
(1929-). Nos últimos 60 anos, com o crescimento do PIB mundial e com os
recursos naturais sendo canalizados para o consumo ilimitado dos seres humanos,
a indústria passou a explorar exponencialmente todos os ecossistemas do
Planeta. O chamado “progresso humano” tem gerado o “regresso ambiental”.(5)
O termo Antropoceno foi cunhado pelo cientista holandês Paul Crutzen (1933-),
especialista em química atmosférica, Prêmio Nobel em 1995 por suas pesquisas
sobre a camada de ozônio, estudioso da atividade humana como fator de mudança
da composição da atmosfera e autor do livro Benvenuti nell'Antropocene. L'uomo
ha cambiato il clima, la Terra entra in una nuova era (Bem-vindo ao
Antropoceno. O homem mudou o clima, a Terra entra numa nova era), 2005. (6)
O novo conceito tende a ser aprovado, proposto que foi no 35º Congresso
Geológico Internacional (Cidade do Cabo, África do Sul, 27/08–04/09/2016). O
futuro do Antropoceno depende muito do Acordo de Paris de combate às mudanças
climáticas, assinado pela Presidente Dilma Roussef, em 22/04, ratificado pelo
Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente Michel Temer, em 12/09. O tema
interessou ao G20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo, como se viu em seu
encontro de cúpula, realizado em Hangzhou, na China, no início de setembro. (7)
“Dos membros do G20, o Brasil detém, com folga, os mais vistosos distintivos
ambientais: milhões de km² de floresta tropical, uma das matrizes
energéticas mais limpas e um robusto setor de biocombustíveis, para citar
apenas alguns deles”, comentou a Folha de SP (8) em editorial otimista. A seu
ver, o Brasil poderia ter atraído mais atenção para si, em particular quando
China e EUA anunciaram a ratificação conjunta do Acordo de Paris, em Hangzhou.
Seria oferecer um bom exemplo à comunidade internacional numa causa de
altíssima relevância.
O Acordo de Paris foi ratificado, até 5 de outubro, por 72 países,
responsáveis por 56,75% das emissões de gases de efeito mundiais. Era
o limite mínimo de adesões para sua entrada em vigor, 30 dias após a conquista
desse número. Ou seja, em 4 de novembro próximo, véspera do início da
Conferência do Clima de Marrakesh, em Marrocos.
O tempo de ratificação é recorde: só 10 meses se passaram desde a aprovação
em Paris. Os países parecem realmente alarmados com as tendências
deletérias atuais e logo poderão começar a planejar ações para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa a fim de limitar o aumento da temperatura
média do planeta a menos de 2°C até o final do século, com esforços para ficar
em no máximo 1,5°C – como quer o Acordo. (9) O Antropoceno ganharia uma face
bem mais promissora.
A questão é que as florestas tropicais da Terra, com riquezas exuberantes,
continuam sendo destruídas em ritmo preocupante, e nossos biocombustíveis
ainda reclamam maior apoio, seguro e sistemático. A produção de energia solar e
eólica tem crescido muito no mundo, inclusive no Brasil, mas ainda pode e deve
crescer muito mais. E o consumo de combustíveis fósseis segue firme na
vanguarda. Ainda não há um programa global para diminuí-lo, e sequer se cogita
disso.
O Brasil comprometeu-se com as metas do Acordo de Paris, “mas os números
atuais indicam que estamos indo na direção contrária à necessária para cumprir
o acordo”, afirma o diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (IPAM), André Guimarães. O desmatamento na Amazônia é o maior em
quatro anos. De agosto de 2014 a julho de 2015, a taxa de corte raso foi de
6.207 km² – um aumento de 24% em relação ao período anterior. (10)
Há que definir o Antropoceno englobando toda a Terra, propõe na revista
inglesa Nature, Clive Hamilton, professor de Ética Pública na Universidade
Charles Sturt, situada em Canberra, Austrália, e autor de Defiant Earth: The
Fate of Humans in Anthropocene (Terra desafiadora: o destino dos seres humanos
no Antropoceno), a ser lançado em 2017. Para ele, “os pesquisadores devem
considerar os impactos humanos sobre os sistemas terrestres inteiros e não
ficar presos a definições específicas para cada disciplina”. (11)
A economia da Terra é um subsistema da biosfera que a sustenta, diz o
economista americano Herman E. Daly (1938-). Quando a expansão econômica
asfixia o ecossistema circundante, começamos a sacrificar o capital natural
(peixes, minerais etc.), que vale mais do que o capital criado pelos humanos
(fábricas, estradas, aparelhos etc.). É o crescimento antieconômico, que produz
mais “males” do que bens, deixando-nos mais pobres e não mais ricos. Há fortes
indícios de que os Estados Unidos já podem ter ingressado na fase do
crescimento antieconômico.
Daly enfatiza: “A humanidade deve fazer a transição para uma economia
sustentável, ou seja, uma economia que considere os limites biofísicos
inerentes ao ecossistema mundial para poder seguir operando por muito tempo no
futuro. Se não fizermos essa transição, poderemos ser amaldiçoados não apenas
com o crescimento antieconômico, mas também com uma catástrofe ecológica que
baixaria em grande escala os padrões de vida.” (12)
Buscando as causas profundas de possível catástrofe ecológica, Carlos
Walter Porto-Gonçalves, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF)
revela um fato irônico: “O período histórico da globalização neoliberal, que
legitimou a questão ambiental é, paradoxalmente, aquele que levou mais longe a
destruição da natureza. Jamais, num período de 30 anos, em toda a história da
globalização, que se iniciou em 1492, foi tamanha a destruição do planeta.”
(13)
O espaço em torno da Terra, mais que nunca, é extensão do nosso planeta.
Em 59 anos da Era espacial, inaugurada em outubro de 1957, já lançamos mais de
cinco mil objetos espaciais – foguetes, satélites, sondas etc. Vale perguntar:
o espaço acima de nosso céu também se inclui no Antropoceno? Sem dúvida. Basta
ver o aumento impetuoso do “lixo espacial” nas órbitas mais usadas pelos
humanos. Segundo a Agência Espacial Europeia (ESA), mais de 170 milhões de
escombros de objetos lançados ao espaço giram ao redor da Terra, ameaçando as
comunicações e sistemas satelitais, o que torna indispensável remover o
monturo. (14)
Mas ainda não há um tratado global para enfrentar esse crescente
perigo às atividades espaciais – hoje imprescindíveis a todos os países e povos
do mundo. A única resolução a respeito não é obrigatória. São as Diretrizes
para a Redução dos Detritos Espaciais, aprovadas pelo Comitê da ONU para o Uso
Pacífico do Espaço Exterior (UNCOPUOS) e endossadas pela Assembleia Geral da
ONU, em dezembro de 2007. Cada país cumpre se quiser. Muitos países
desenvolvidos já adotaram leis nacionais sobre o “lixo espacial”. (15) Porém,
por resistência deles próprios, ainda não se logrou aprovar um acordo
internacional.
O Tratado do Espaço, de 1967 – ratificado por 104 países e assinado
por 25 outros, além de ser considerado costume para os demais países – tem
normas ambientais em seu Artigo 9º. Os países devem evitar os efeitos daninhos
da contaminação do espaço e dos corpos celestes, além das modificações nocivas
no meio ambiente da Terra, resultantes da introdução de substâncias
extraterrestres. Criou-se também o sistema de consultas entre os Estados sobre
atividades e experiências espaciais capazes de prejudicar as partes. Avanço na
época, o Artigo 9º precisa hoje ser atualizado para estar à altura do estágio
atual dos direitos de proteção ao meio ambiente. (16)
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial
(SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial,
Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da
Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com
Referências
1) Livro editado pelo Instituto Americano de Aeronáutica e Astronáutica
(AIAA). O autor, inglês, é conhecido jornalista de questões do espaço exterior
e consultor de tecnologias espaciais.
2) Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), Vol. 31, nº 92, outubro de
2016.
4) A população mundial chegará perto dos 10 bilhões de habitantes em 2050,
contra 7,3 bilhões em 2015, afirma análise bianual do Instituto Francês de
Estudos Demográficos (INED). Esse número foi multiplicado por sete nos dois
últimos séculos e deve seguir crescendo "até chegar talvez aos 11 bilhões
no fim do século 21", ainda segundo o INED. (France Presse, 08/09/2015)
8) Edição de 12/09/2016.
10) www.jornaldaciencia.org.br, 06/10/2016. Folha de S. Paulo, 07/10/2016.
11) Edição de 18/08/2016.
12) Daly, Herman E., Economics in a full world, Scientific American,
September 2005. Daly,
economista ecológico americano, professor da Escola de Política Pública,
College Park, EUA.
13) Porto-Gonçalves, Carlos Walter, A Globalização da Natureza e a Naureza
da Globalização, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p. 52.
15) Ver o Tratado do Espaço em . Ver também Silva, Elaini Cristina
Gonzada da, Direito Internacional em expansão: encruzilhada entre comércio
Internacioal, direitos humanos e meio ambiente, São Paulo: Saraiva, 2016, p.
222.
16) Tronchetti, Fabio, Fundamentals of Space Law and Policy, New York,
Heidelberg, Dordrecht, London: Springer, 2013, pp. 20-23.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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