Série Espaçomodelismo: Entrevista Com o Prof. Eng. José Miraglia da FIAP

Olá leitor!

Dando sequencia a nossa Série com profissionais ligados a Educação e ao Espaçomodelismo Brasileiro, trago agora para você uma entrevista com um dos profissionais que o Blog BRAZILIAN SPACE mais respeita, uma daquelas pessoas que tem nas ultimas décadas contribuído significamente para a Educação e para o desenvolvimento do Espaçomodelismo no Brasil.

O Blog se refere ao Prof. Eng. José Miraglia, professor da Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP), um dos fundadores e ex-diretor da startup “Edge of Space” e um dos responsáveis pela criação da SPACECUP (competição de minifoguetes interna da FIAP).

Nascido em Jaú (SP)49 anos atrás, nesta interessante entrevista o Prof. Miraglia aborda a situação atual do nosso “Patinho Feio”, sobre o que realmente aconteceu com a Edge Of Space, sobre a recente impressora 3D adquirida pelo IEAv e principalmente pelo atual momento positivo do Espaçomodelismo no país.

Blog BRAZILIAN SPACE aproveita para agradecer publicamente ao Prof. Eng. José Miraglia pela atenção dispensada ao nosso Blog, bem como parabeniza-lo pelo grande trabalho que vem realizando. Vale a pena conferir esta entrevista.

Prof. Eng. José Miraglia com
o Foguete Anti Granizo THOR
BRAZILIAN SPACE: Prof. Eng. José Miraglia, para aqueles leitores que ainda não o conhece nos fale sobre o senhor, sua idade, formação, onde nasceu e desde quando é professor na Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP)?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  Antes de tudo é com grande satisfação que dou esta entrevista ao blog. Tenho 49 anos, sou Engenheiro Químico formado pela Escola Politécnica (USP)  em 1990 e Mestre em Engenharia Aeronáutica pelo ITA em 1994. Nasci em Jaú interior de São Paulo mas moro em São Paulo desde meus 3 anos de idade. Trabalhei na área nuclear no IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), coordenei 3 projetos FAPESP PIPE um Fase 1 e dois Fase 2, comecei minha carreira de professor Universitário em 1998, sou professor na FIAP desde 2008. Eu lançava foguetes desde os anos 80, foguetes de pólvora negra, depois com (Zn/S “Micrograin”) em seguida com Sacarose / Nitrato de potássio, fui pioneiro em propulsão híbrida no Brasil, testei motores no ano 2000 utilizando óxido nitroso como oxidante  e vários polímeros como combustível. Desenvolvi  motores foguete a propelente líquido (peróxido de hidrogênio etanol) e com propelente sólido BD no projeto THOR (Foguete Anti Granizo) o qual está pronto para comercialização mas falta investidor para me ajudar industrializar.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, é de nosso conhecimento que o senhor foi o idealizador e diretor de uma das mais promissoras startup espaciais brasileiras, ou seja,“Edge Of Space”. Como surgiu esta empresa professor é o que houve com ela e seus projetos?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  A Edge of Space surgiu do projeto PIPE FAPESP, cujo objetivo, plenamente atingido, foi desenvolver um propelente 100% nacional e “verde”, utilizando peróxido de hidrogênio e etanol.  Convidei ex alunos, os quais na época indiquei para o Mestrado Profissionalizante em Propulsão Líquida no ITA, tudo foi muito bem, mas conflito de interesses, alto custos para manter uma empresa no Brasil altos impostos, etc, falta de recursos, levou a Edge se reestruturar e hoje ela é uma empresa que está com um dos meus antigos sócios o Eng. Reinaldo Santos Martins, que direcionou a empresa para outros objetivos.

Meu objetivo, era o desenvolvimento de foguetes de sondagens e lançadores de pequeno porte utilizando propulsão “verde” e tecnologia 100% nacional.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, o senhor ainda planeja seguir como empresário criando uma nova startup para o setor?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA: Sim estou caminhando com isso, agora com investidores bem centrados e compartilhando dos mesmos interesses. Em breve darei notícias mais concretas.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, dias atrás o senhor fez um comentário na nota do Blog sobre a impressora 3D da Stratasys comprada recentemente pelo Instituto de Estudos Avançados (IEAv) para área de estudos hipersônicos deste instituto. No comentário em questão o senhor aconselhou ao IEAv a aquisição também de uma impressora que trabalhasse com metais. Por gentileza o senhor poderia esclarecer melhor esta sua posição?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA: As grandes empresas aeroespacias no munda já utilizam impressoras 3D que trabalham com metais, como grande exemplo a Boeing, a SpaceX fazendo motores foguete e a NASA com partes do sistema propulsor e estrutural do novo lançador o SLS. Assim uma impressora trabalhando com metal poderia por exemplo fabricar um motor “SCRAMJET” sem problema algum, como já é feito com os motores DRACO da SpaceX.

Não só o IEAv mas o IAE também deveria adquirir equipamentos deste tipo, reduzindo assim os processos de usinagem, barateando muito os custos, agilizando a produção, evitando que terceiros façam usinagem de componentes sigilosos.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, antes de abordarmos o Espaçomodelismo, qual é a sua opinião sobre a atual situação de descaso do governo com o Programa Espacial Brasileiro? Ainda existe alguma esperança?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA: Quando me formei em 1990, motivado não só pela minha paixão por foguetes, mas pelo PEB, ingressei no ITA como aluno de mestrado com grande esperança de trabalhar no PEB, sonhando com o VLS e com futuras possibilidades, mas logo depois já senti a dificuldade, nada de concurso público, tudo muito difícil, só dificuldades, o que me desanimou, desde aquela época perdi esperança no PEB. Meu mestrado naquela época foi em propulsão líquida, juntamente  com meu orientador o Dr. José Nivaldo Hinckel, do INPE, tentamos fazer algo em propulsão líquida de grande porte, mas nada foi para frente, a falta de visão e talvez o medo de novos desafios impediu este desenvolvimento naquela época, só depois de algumas décadas, surgiu a ideia do L-5, L-15 e L-75........já tínhamos perdido o trem da tecnologia. Sem investimentos adequados, sem comprometimento, sem a paixão não existe programa espacial e no Brasil falta tudo isso, enfim o PEB vai continuar se arrastando.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, é nosso reconhecimento o esforço que o senhor tem exercido na área de space education, principalmente dentro da FIAP como um dos responsáveis pela criação da Spacecup, competição interna de minifoguetes realizada desde 2010 pelos alunos dos cursos de Engenharia da Computação e Sistemas de Informação da FIAP. Como surgiu a ideia desta competição Professor Miraglia e o que o senhor pode nos relatar desde a sua criação em 2010?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  Começamos com espaçomodelos tradicionais com tubos de papelão, aletas em madeira balsa.......mas para mim isto é pouco e primário demais, assim convenci a FIAP investir em impressoras 3D, hoje utilizadas em várias competições, e nossos espaçomodelos são 100% impressos permitindo inovação e liberdade do aluno projetar seu mini foguete. Utilizo a Spacecup como ferramenta de ensino na minha disciplina de Fenômenos de Transporte (Mecânica de Fluidos e Transferência de Calor), o aluno projeta todo foguete e utiliza ferramentas CFD para simulação aerodinâmica, somos os únicos a fazer isso no Brasil, e os primeiros a imprimir espaçomodelos no mundo. http://www.3ders.org/articles/20150126-engineering-students-create-a-fleet-of-3d-printed-rockets-for-space-cup.html

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, existe algum interesse por parte da FIAP em transformar a Space Cup num evento aberto para outras universidades do país?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA: Acredito que não pois é uma competição interna, mas nada que não possa ser discutido com os Mantenedores e a Diretoria.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, desde 2014 o Prof. Marchi da UFPR e seu Grupo de Foguetes vem promovendo o único evento aberto de minifoguetes (para universidades e grupos independestes) do país, ou seja, o Festival de Minifoguetes de Curitiba. Como o senhor vê esta iniciativa paranaense?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  O prof. Marchi é meu amigo desde os anos 90 e sempre juntos exploramos o espaçomodelismo, a iniciativa dele realiza um sonho antigo do qual compartilho, considero a iniciativa um marco brasileiro.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, outra competição de foguetes já em curso no Brasil é a Competição Brasileira Universitária de Foguetes (COBRUF), esta promovida pela Associação COBRUF e que no final deste ano pretende realizar o seu segundo evento. Qual é a sua opinião sobre esta iniciativa?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  Acho uma iniciativa muito boa, mas senti ainda um amadorismo e falta de divulgação, vamos melhorar pessoal o Brasil precisa desta iniciativa.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, varias equipes universitárias do país vem divulgando o interesse de participarem em 2017 da competição de foguetes internacional IREC, competição esta realizada anualmente nos EUA. Existe pretensão da FIAP de no futuro vir a participar também deste evento internacional?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  Nunca cogitei isso na FIAP, mas orientei uma equipe do IME juntamente com meu amigo Major Letivan que tem a intenção em participar.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, durante a realização do Festival de Curitiba deste ano surgiu à possibilidade do uso de Minifoguetes nos eventos da OBA (Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica).Qual a sua opinião sobre a possibilidade de levar aos estudantes do ensino-médio as atividades com minifoguetes?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  Nos EUA você compra os mini foguetes no supermercado, temos que incentivar os jovens nesta tecnologia, os americanos sabem muito bem disso, investem nisso desde os anos 60 e criam uma massa crítica para o programa espacia e para industria aeroespacial. Se o Brasil um dia quiser ter um PEB semelhante ao da Índia, que começou na mesma época que o nosso, precisa criar a massa crítica, chutar bola não levará ninguém ao espaço !!!

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, na opinião do Blog o maior destaque do Festival de Curitiba deste ano foi à criação da Associação Brasileira de Minifoguetes (ABMF) ou BAR na versão inglês (Brazilian Association of Rocketry). Como o senhor viu esta iniciativa dos fogueteiros presentes?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA: Com muita felicidade, faço parte da BAR, e quero ajudar no que puder, para tornar o “foguetismo” em algo legal e educacional.

BRAZILIAN SPACE: Prof. Miraglia, um dos grandes problemas que impedem  a operacionalização eficiente e dinâmica do Foguetemodelismo no país é a sua questão legal junto aos órgãos competentes, sendo inclusive uma das bandeiras de luta da nova BAR. Como o senhor analisa esta situação?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA: Hoje todos os grupos que fazem foguete, ligados ou não à universidades, estão ilegais, construir foguetes requer autorização do Exército Brasileiro, foguete está no R-105 é produto controlado, bem como os insumos como o nitrato de potássio tanto utilizado. Temo que aconteça algum acidente grave por irresponsabilidade de algum fogueteiro amador que cause prejuízo a causa da BAR, até agora as autoridades estão fazendo “vista grossa” nestas atividades, mas se acontecer um acidente..........Precisamos legalizar a atividade urgentemente.

BRAZILIAN SPACE: Finalizando Prof. Miraglia, o senhor teria algo a mais a dizer aos nossos leitores?

PROF. ENG. JOSÉ MIRAGLIA:  Sou um estudioso da tecnologia aeroespacial à pelo menso 40 anos, desde criança corri atrás deste sonho, senti muitas alegrias e frustrações, faz parte da tecnologia dos foguetes, por vezes anos e anos de dedicação e seu foguete explode na rampa de lançamento. É uma ciência que requer  paixão, muita dedicação e os resultados são à longo prazo. Meu objetivo nesta vida é colocar um satélite brasileiro no espaço com um lançador brasileiro, quando realizar minha missão estará cumprida. Nunca desistam de seus sonhos por mais impossíveis que possam parecer. Saudações a todos.

Veja abaixo as outras entrevistas da Série:

1 - Prof. Alysson Nunes Diógenes da UP (Universidade Positivo de Curitiba)

2 - Prof. José Félix Santana do CEFEC (Centro de Estudos de Foguetes Espaciais do Carpina-PE)

3 - Prof. Carlos Henrique Marchi da UFPR (Universidade Federal do Paraná)

4 - Sr. Paulo Gontran Ramos do CEGAPA (Centro Gaúcho de Pesquisas Aeroespaciais)

5 - Sr. Carlos Cassio Oliveira do CEFAB (Centro Experimental de Foguetes Aeroespaciais da Bahia)

6 - Prof. Dr. João Batista Garcia Canalle da UERJ/OBA (Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Olímpiada Brasileira de Astronomia e Astronáutica)

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