Pesquisadores Mapeiam a Distribuição Cronológica dos Astros da Via Láctea
Olá leitor!
Segue abaixo uma nota postada hoje (06/09) no site da
Agência FAPESP, destacando que pesquisadores do
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de
São Paulo (IAG-USP), em colaboração com colegas nos Estados Unidos mapearam a
distribuição cronológica dos astros da Via Láctea.
Duda Falcão
Notícias
Pesquisadores
Mapeiam a Distribuição
Cronológica dos Astros da Via Láctea
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
06 de setembro
de 2016
Foto: Reprodução
Cerca de 130 mil estrelas azuis do halo da Galáxia
integram trabalho de grupo do IAG-USP com colegas
nos Estados Unidos, cujos
resultados acabam de ser
publicados em Nature Physics.
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Um grupo de
pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da
Universidade de São Paulo (IAG-USP), em colaboração com colegas nos Estados
Unidos, publicou no fim de 2015, em The Astrophysical Journal Letters,
um artigo no qual destacavam que a Via Láctea formou estrelas de dentro para
fora. Depois do colapso gravitacional que produziu estrelas na região central,
o processo deslocou-se paulatinamente para a periferia, chegando aos limites
extremos do halo galáctico (leia mais em http://agencia.fapesp.br/22763).
O mesmo grupo
acaba de publicar agora, em Nature Physics, um novo capítulo da
pesquisa, no artigo The age structure of the Milky Way's halo.
Os autores são
Rafael Miloni Santucci e Silvia Cristina Fernandes Rossi, do (IAG-USP),
Vinicius Moris Placco (University of Notre Dame) e outros pesquisadores nos
Estados Unidos. No Brasil, o trabalho está vinculado especialmente ao Projeto
Temático “Mosaic: the multi-object spectrograph for the ESO extremely
large telescope”, coordenado por Rossi e apoiado pela FAPESP. Rossi,
que é professora livre-docente da USP, foi orientadora do doutorado de Placco e
orienta o doutorado de Santucci.
O novo estudo
utilizou uma base de dados quase 30 vezes mais robusta do que o anterior. Em
vez de 4,7 mil estrelas, cerca de 130 mil astros foram considerados. “A abundância
de pontos nos possibilitou produzir um mapa detalhado, mostrando a distribuição
cronológica das estrelas da Galáxia”, disse Rossi à Agência FAPESP.
Os cerca de
130 mil astros mapeados, localizados no halo da Via Láctea, pertencem à classe
das Estrelas Azuis de Ramo Horizontal ou BHBs (sigla para Blue
Horizontal-Branch Stars). São estrelas antigas, em etapa bastante avançada
de sua evolução, na qual brilhos intensos e constantes são gerados pela fusão
de hélio em carbono. O sol do sistema que compreende a Terra, que está em uma
fase muito mais jovem do ciclo evolutivo, pertence a outro conjunto, conhecido
como Sequência Principal (SP), cujas estrelas transformam hidrogênio em hélio –
uma etapa anterior do processo de fusão nuclear.
Deve-se
ressalvar que as expressões “Sequência Principal” e “Ramo Horizontal” não têm a
ver com a posição espacial das estrelas, mas, sim, com o posicionamento no
chamado Diagrama de Hertzsprung – Russell (HRD, de Hertzsprung – Russell
Diagram), criado por volta de 1910 pelo químico e astrônomo dinamarquês
Ejnar Hertzsprung (1873 – 1967) e pelo astrônomo norte-americano
Henry Norris Russell (1877 – 1957) para classificar as
estrelas segundo sua etapa evolutiva. O diagrama relaciona a luminosidade da
estrela com sua cor, sendo esta um indicador da temperatura. O Ramo Horizontal
corresponde a uma fase que se estende por cerca de 10% do tempo total de vida
da estrela.
Uma das
grandes perguntas que permaneceu por muito sem resposta entre os estudiosos da
Via Láctea era se a Galáxia havia se formado de fora para dentro ou de dentro
para fora. Dois cenários competiam na descrição do processo. O “cenário
monolítico” afirmava que as galáxias se formam a partir do colapso
gravitacional súbito de uma gigantesca nuvem gasosa, originando enorme
quantidade de protoestrelas ao mesmo tempo. O “cenário hierárquico” partia de
uma galáxia relativamente pequena, que crescia à medida que outras galáxias
ainda menores, atraídas por sua força gravitacional, se fundiam com ela.
“Nosso estudo
não confirmou, de maneira exclusiva, um ou outro cenário. Mas sugere que houve,
sim, uma formação em grande escala de objetos de dentro para fora. Ou seja, que
a força gravitacional colapsou inicialmente o gás existente no centro, dando
origem a uma primeira geração de estrelas, e que, ao longo de um intervalo de
tempo da ordem de 3 bilhões de anos, essa formação estelar chegou às regiões
mais periféricas”, disse Santucci.
A amostra
utilizada, que reúne estrelas disseminadas por todas as direções do halo, foi
extraída da base de dados norte-americana SDSS (Sloan Digital Sky Survey).
“No conjunto de estrelas registradas nessa coleção, selecionamos aquelas
previamente identificadas como estando na fase evolutiva de interesse. E, a
partir daí, começamos a análise”, disse Rossi.
“Ao avaliar as
distâncias e as cores dos objetos, verificamos que as estrelas BHBs mais
azuladas do halo estavam concentradas predominantemente na região central. E
que a cor ficava ligeiramente avermelhada conforme a distância entre a estrela
e o centro da galáxia aumentava. A variação é extremamente sutil, mas as
medidas de cor com filtros especiais mostraram que ela existe”, disse Santucci.
Variação de
Cor
Na tentativa
de explicar essa sutilíssima variação de cor, os pesquisadores descartaram as
possíveis causas para o avermelhamento descritas na literatura, como a
existência de poeira no meio interestelar ou composições químicas diferentes
para as estrelas, que poderiam mudar ligeiramente suas cores.
O
avermelhamento também não tem a ver com o Efeito Doppler, que desvia o espectro
luminoso para o azul quando o astro se aproxima do observador, e para o
vermelho quando ele se afasta. Tal efeito só se torna relevante quando a
velocidade de aproximação ou de afastamento é muito maior – o que ocorre apenas
para estrelas situadas em outras galáxias que não a Via Láctea.
“O único fator
que restou para explicar a variação de cor encontrada foi a idade do objeto.
Sendo que, neste caso – e somente para esta fase evolutiva –, quanto mais
vermelha a estrela, mais jovem ela é”, disse Santucci. Por isso, o estudo
sugere uma formação de dentro para fora. Descartados todos os outros fatores, é
a ilação que decorre do fato de as estrelas mais azuladas ocuparem posição
central, e as mais avermelhadas, posição periférica.
“É importante
ressaltar que a associação entre vermelhidão e juventude vale apenas para o
estágio evolutivo considerado. Normalmente, as estrelas mais vermelhas são
também as mais velhas. Mas, no Ramo Horizontal, o fenômeno se apresenta de
forma diferente. É o único estágio evolutivo na vida das estrelas em que a
vermelhidão é indicativa de juventude. Nossa hipótese é que exista uma pequena
variação na massa desses objetos ao longo do tempo. Os objetos mais jovens
teriam massa um pouco maior. E, por isso, emitiriam luz mais avermelhada”,
disse Rossi.
Tempo de
Evolução e Massa
Convém lembrar
que o tempo de evolução das estrelas depende da massa. As mais massivas ficam
menos tempo na Sequência Principal, em que se dá a fusão de hidrogênio em
hélio, e passam mais rapidamente para o Ramo Horizontal, onde ocorre a fusão do
hélio em carbono. Também permanecem menos tempo nessa segunda fase evolutiva,
porque os processos nucleares que ocorrem em seu interior são muito mais
intensos.
Para facilitar
a visualização da distribuição espacial das estrelas conforme a idade, os
pesquisadores brasileiros produziram uma animação em três dimensões que pode
ser acessada em www3.nd.edu/~vplacco/map/.
As estrelas de tipo BHB mais antigas, e por isso mais azuladas, cujas idades
são estimadas em cerca de 12 bilhões de anos, situam-se na região central da
Galáxia.
E, à medida
que se distanciam do centro, as estrelas BHBs vão sutilmente se avermelhando,
por apresentarem idades menores que, no limite do halo, são estimadas em 9,5
bilhões de anos – note-se que essas balizas temporais valem apenas para as
BHBs; estrelas de outras classes podem apresentar idades muito menores, como o
próprio Sol, que possui supostamente 4,6 bilhões de anos.
“Uma
constatação surpreendente, que pôde ser percebida graças à ampliação da base de
dados – facilmente visualizável no mapa e na animação –, é o fato de a região
onde se encontram os objetos mais velhos ocupar uma vasta extensão ao redor do
núcleo galáctico, chegando até mesmo ao setor do halo próximo ao Sol, que está
cerca de 28 mil anos-luz [8,5 kiloparsecs] distante do centro
galáctico”, comentou Santucci.
Essa região
antiga reúne um precioso acervo de estrelas velhas, cujo estudo pode trazer
informações extremamente importantes para o entendimento da composição química
do Universo jovem e de sua evolução ao longo do tempo.
“Ela também
nos mostra que podemos encontrar estrelas muito velhas e, por isso, pobres em
metais, mesmo nas regiões próximas do Sistema Solar. Ou seja, que podemos
incluir objetos brilhantes nas buscas pelos primeiros astros do Universo. Essas
buscas também fazem parte da pesquisa de nosso grupo, com resultados
promissores até o momento”, disse Santucci.
Enriquecimento
Químico do Universo
Com relação à
“metalicidade” das estrelas, é preciso lembrar que o enriquecimento químico do
Universo, isto é, a incorporação de elementos químicos de maior massa, decorre
do processo de fusão nuclear que ocorre nos núcleos das estrelas.
Dito de forma
bastante simplificada, as estrelas passam cerca de 90% de seu tempo total de
vida fundindo hidrogênio em hélio. Depois que o hidrogênio se exaure no núcleo,
a estrela se rearranja para fundir hélio em carbono. E este novo estágio se
prolonga por quase todo o resto de vida do astro. Porém, dependendo da massa da
estrela, elementos ainda mais pesados que o carbono (nitrogênio, oxigênio,
silício, ferro etc.) podem ser fundidos em etapas avançadas do ciclo. E são
ejetados ao meio exterior quando as estrelas muito massivas explodem como
supernovas.
Esses
elementos são incorporados por estelas de gerações posteriores. O Sol é
considerado uma estrela de terceira geração. Todos os elementos mais pesados do
que o hidrogênio e o hélio existentes no Sistema Solar, inclusive no corpo
humano, foram herdados dos processos nucleares de estrelas das gerações
anteriores.
“As estrelas
BHBs estão presentes em todos os ambientes e em todas as direções do céu. Novos
levantamentos de dados, como o projeto S-PLUS, um importante mapeamento
realizado por telescópio brasileiro situado em Cerro Tololo, no Chile,
fornecerá informações sobre dezenas de milhares de BHBs situadas no céu do
hemisfério Sul da Terra, que o SDSS norte-americano não consegue observar.
Estruturas ainda desconhecidas de nossa galáxia poderão ser reveladas”, disse
Santucci.
O artigo The
age structure of the Milky Way's halo, publicado em Nature Physics,
pode ser acessado no endereço http://www.nature.com/nphys/journal/vaop/ncurrent/full/nphys3874.html
Clique
abaixo para abrir a animação
O plano XY
contém o disco da Via Láctea (onde se situa o Sistema Solar) e o eixo Z
representa a distância das estrelas até o plano. As distâncias são computadas
em kiloparsecs (kpc), sendo que 1kpc corresponde a aproximadamente a 3,26 mil
anos-luz e 1 ano-luz vale cerca de 10 trilhões de quilômetros. A posição do Sol
não está destacada na animação, mas corresponde às coordenadas (X, Y, Z) =
(8,5; 0; 0). A variação de cor descrita pela variável (g-r) possui um
equivalente de idade entre parênteses, em unidades de bilhões de anos. Nota-se,
portanto, que as regiões centrais da Galáxia são mais velhas (~12 bilhões de
anos) e os objetos vão ficando mais jovens conforme aumenta a distância em
relação ao centro, até atingir ~9.5 bilhões de anos de idade. Para construir
este mapa de idade, os pesquisadores usaram a média da cor das estrelas em
pequenos espaços. Cada ponto colorido visto dentro do cubo transparente revela
a média de cor em um volume menor que 1kpc cúbico, onde existem ao menos três
estrelas. As projeções vistas nas faces do cubo, cujas variações de cor foram
suavizadas para destacar o fenômeno, representam visões em 2D nos diferentes
planos de visada.
Fonte: Site da Agência FAPESP
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