EUA: Senado Aprova Projeto de Lei Nacional Para Minerar Asteroides
Olá leitor!
Segue abaixo mais um interessante
artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado pelo
companheiro André Mileski hoje (16/11) em seu no Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
EUA: Senado Aprova Projeto de Lei
Nacional Para Minerar Asteroides
“Estas questões não podem ser resolvidas por estados
individuais,
mas devem ser enfrentadas de forma coletiva.” Antonio
Cassese,
em “Realizing Utopia – The Future of International Law”,
2012
José Monserrat Filho *
Grandes corporações privadas
americanas soltam foguetes. Em 10 de novembro último, o Senado dos Estados
Unidos (EUA) aprovou projeto de lei que confere às empresas do país o direito
de propriedade sobre os recursos naturais (minerais) por elas obtidos em
asteroides. É a Lei de Competitividade de Lançamento Espacial Comercial (U.S.
Commercial Space Launch Competitiveness Act – CSLCA ou H.R. 2262, resultante de
fusão dos projetos da Câmara e do próprio Senado). O novo projeto volta agora à
Câmara. Se aprovado aí, vai à sanção presidencial.
O projeto reza em seu §51303 sobre “Asteroid resource and space resource
rights” (recursos de asteroides e recursos espaciais): ‘‘A United States
citizen engaged in commercial re-covery of an asteroid resource or a space
resource under this chapter shall be entitled to any asteroid resource or space
resource obtained, including to possess, own, transport, use, and sell the
asteroid resource or space resource obtained in accordance with applicable law,
including the international obligations of the United States.’’ Ou seja, em tradução livre: “Um cidadão dos EUA envolvido
na recuperação comercial de um recurso de asteroide ou um recurso espacial sob
este capítulo terá direito a qualquer recurso de asteroide ou recurso espacial
obtido, incluindo a possuir, apropriar-se, transportar, usar e vender o recurso
de asteroide ou o recurso espacial obtido em conformidade com a legislação
aplicável, incluindo as obrigações internacionais dos EUA.''
Na realidade, não se trata de
“recuperação comercial de um recurso de asteroide” – mero eufemismo –, mas de
extração em escala industrial, para ser transportado e comercializado na Terra.
O novo projeto faz questão de
frisar que não está estabelecendo o direito de propriedade sobre o terreno do
asteroide no qual os recursos naturais foram obtidos, ou seja, extraídos. Isso
significa uma tentativa de reconhecimento da obrigação assumida pelos EUA ao
ratificar o Tratado do Espaço, cujo Artigo II determina que “o espaço cósmico,
inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação
nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer
outro meio”.
O artifício jurídico imaginado
para fundamentar a propriedade sobre os recursos naturais de um asteroide, sem
a propriedade sobre seu respectivo local, é de que, no passado, sondas e
astronáutas enviados à Lua puderam recolher amostras de rochas lunares e
trazê-las para a Terra. Os astronautas norte-americanos que pisaram na Lua
entre 1969 e 1972, por exemplo, transportaram de lá 382 kg de pedras e amostras
do solo lunar.
Na interpretação dos
parlamentares norte-americanos, a coleta de amostras e seu transporte para o
nosso planeta pode ser considerada um precedente que estabelece o direito de
propriedade sobre os recursos recolhidos na Lua e em outros corpos celestes,
como os asteroides. Essa interpretação pensada para favorecer os interesses e
os negócios de empresas privadas, naturalmente não leva em conta o fato de que
as amostras coletadas por sondas e astronautas não tinham fins comerciais, mas
exclusivamente científicos. Ainda hoje as rochas trazidas da Lua são estudadas
em centros de pesquisa e unversidades dos EUA e de outros países. Não se pode
igualar nem confundir objetos para estudo com bens para o comércio. São
coisas totalmente diferentes.
Não por acaso, o Acordo que
Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes, de 1979,
conhecido como o Acordo da Lua (Moon Agreement), refere-se a três tipos de
atividades espaciais: exploração, uso e explotação.
Exploração é a ação de estudar,
pesquisar, conhecer cientificamente a Lua e os corpos celestes. Em linha com
isso, o Artigo 6º do Acordo reza, no parágrafo 1, que “todos os Estados têm
liberdade de pesquisa científica na Lua” e, no parágrafo 2, que “ao realizarem
pesquisas científicas em conformidade com as cláusulas deste Acordo, os
Estados-Partes têm o direito de recolher e retirar da Lua amostras de elementos
minerais e outros”. O Artigo 6º diz também que tais amostras devem permanecer à
disposição de outros Estados-Partes interessados e da comunidade científica
internacional para o trabalho de pesquisa.
Usar é a ação de valer-se dos
recursos naturais da Lua e de outros corpos celestes para assegurar a
manutenção das missões exploratórias. O Artigo 6º afirma, a propósito, que
“durante suas pesquisas científicas, os Estados-Partes podem também utilizar
minerais e outras substâncias da Lua na quantidade necessária para dar apoio a
suas missões”. É exatamente essa utilização claramente destinada e limitada que
está sendo agora aproveitada para justificar o uso de recursos naturais dos
asteroides como propriedade com fins industriais e comerciais. É uma interpretação
forçadamente alargada e legalmente insustentável.
Explotar – ação enunciada pela
primeira vez no parágrafo 5 do Artigo 11 do Acordo da Lua – é o aproveitamento
dos recursos naturais da Lua e dos outros corpos celestes, inclusive
asteroides, para fins comerciais, ou seja, em empreendimentos privados
vinculados à busca de lucros. No parágrafo 5 do mesmo Artigo 11, propõe-se o
estabelecimento de “um regime internacional, inclusive os procedimentos
adequados, para regulamentar a explotação dos recursos naturais da Lua, quando
a explotação estiver a ponto de se tornar possível”.
Segundo o parágrafo 7 do Artigo
11, os principais objetivos do regime internacional são:
“a) aproveitamento ordenado e
seguro dos recursos naturais da Lua [e dos outros corpos celestes];
b) ordenamento racional destes
recursos;
c) ampliação das possibilidades
de utilização destes recursos; e
d) distribuição equitativa
entre todos os Estados-Partes dos benefícios auferidos destes recursos, com
especial consideração para os interesses e necessidades dos países em
desenvolvimento, bem como para os esforços daqueles Estados que contribuíram,
direta ou indiretamente, na exploração da Lua.”
O Acordo da Lua entrou em vigor
em 1974, depois de ter sido ratificado por cinco países. Hoje, ele tem 16
ratificações e quatro assinaturas. É verdade que nenhuma das grandes potenciais
espaciais o ratificou. Há países, como os EUA, que não o colocam entre os cinco
grandes tratados espaciais elaborados e aprovados no âmbito das Nações Unidas. Esses
países costumam falar em “quatro tratados principais”, excluindo o Acordo da
Lua. No entanto, há que lembrar que o Acordo da Lua não é apenas um instrumento
legitimamente em vigor, como também foi aprovado por unanimidade pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, ao ser lançado em 1979.
Essa aprovação evidencia, pelo
menos, que os conceitos de exploração, utilização e explotação, ora em debate,
foram aceitos naquela oportunidade.
O projeto de lei recentemente
aprovado pelo Senado dos EUA não pode simplesmente sepultar a história, ou
ignorá-la como se ela não tivesse existido.
Mas o mais comprometedor de
tudo é tratar-se de uma decisão unilateral destinada a impor uma lei nacional
para regulamentar uma questão obviamente global, de interesse para todas as
nações. O projeto pode até proclamar que a explotação privada dos recursos
naturais do espaço irá beneficiar toda a humanidade. Mas, com base na
experiência histórica, que garantia se pode ter disso?
* Vice-Presidente da
Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor
Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da
Academia Internacional de Astronáutica, ex-Chefe da Assessoria Internacional do
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial
Brasileira (AEB).
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
Comentários
Postar um comentário