AEB contrata (em sigilo) 2 empresas para a 2a etapa do ETEC

Olá, Leitora! Olá, Leitor!

 

Dando continuidade à saga do Processo de Encomendas Tecnológicas (ETEC) de Sistemas de Navegação Inercial promovido pela Agência Espacial Brasileira (AEB), depois de um tortuoso e questionável certame, dos cinco consórcios originalmente admitidos na 1a fase, dois licitantes foram contratados, em sigilo, para a 2a fase do processo, processo esse que teve o seu início com a publicação do Termo de Referência da ETEC, em 10 de setembro, conforme divulgado pelo BS (veja aqui).

Imagem: TCU Encomenda Tecnológica (ETEC) | Portal TCU em https://portal.tcu.gov.br/encomenda-tecnologica-etec.htm

Desde então o BS vem questionando os métodos adotados pela AEB que, sem motivação plausível, vem atuando sem a devida publicidade e transparência que um processo de seleção como esse (de caráter civil, já que a AEB é o braço civil do programa espacial) deveria ter.

Assim, mesmo com todos os obstáculos, o BS vem atuando para tornar transparente o que a AEB vem fazendo questão de tornar obscuro, conforme pode ser visto nas nossas matérias sobre esse tema:

Empresas pré-selecionadas para Encomenda Tecnológica (ETEC): Quais empresas? (24/11/2020);

Acesso à informação na AEB: Será isso (a transparência) algo de outro mundo? (05/12/2020);

Transparência e Acesso à informação na ETEC de Sistemas Inerciais da AEB: Vergonha! (14/12/2020);

Transparência e Acesso à informação na ETEC de Sistemas Inerciais da AEB: Vergonha ou Ilicitude? (21/12/2020);

AEB publica resultado do Processo da ETEC de Sistemas de Navegação Inercial (28/12/2020);

Então, depois de um ano da última publicação da AEB sobre o ETEC, vemos o padrão de falta de transparência se repetir e, depois de muito investigar, descobrimos que, novamente, no apagar das luzes de 2021, a Agência realizou a contratação em sigilo para a 2a etapa do processo de dois dos cinco consórcios da disputa.

Os consórcios contratados foram:

- Consórcio DJED: Concert Technologies S. A., Cron Sistemas e Tecnologias Ltda e Horuseye Tech Eng de Sistemas Ltda;

- Consórcio MODCO/SIATT: Modco Orsatti e Pinheiro Engenharia Ltda e SIATT Engenharia e Participações Ltda;

Segundo conseguimos apurar, todo o atraso e a contratação de somente 2 proponentes se deu pela falta de recursos (o que é contraditório com a fortuna que a AEB gastou na super-excursão para Dubai, veja aqui).

No mais, trazidos os fatos um pouco mais à luz e ao conhecimento da comunidade espacial e aos leitores e leitoras do BS, considerando desproporcional e descabido o sigilo imposto ao processo, como se ele fosse de carater militar, e considerando que quase não se fala do VLM, gostaríamos de saber: quando entregues, em qual (tipo de) foguete serão utilizados os sistemas de navegação inercial desenvolvidos pelas contratadas?

Importante destacar, que mesmo que a tecnologia espacial tenha natureza dual, devemos lembrar que a AEB é um ente de natureza civil e, assim, caso esses recursos oriundos do orçamento da AEB e as tecnologias advindas desse contrato fossem (H-I-P-O-T-E-T-I-C-A-M-E-N-T-E  F-A-L-A-N-D-O) ser utilizados para para aplicações em misseis de cruzeiro e não em vaículos lançadores, por exemplo, esse processo deveria ter sido conduzido e suportado financeiramente pelo Ministério da Defesa e/ou suas Forças Armadas e não pela AEB, sob pena de caracterizar, no mínimo, desvio de finalidade.

Complementarmente, é bom ressaltar que o transbordamento ou spin-off de sistemas espaciais militares para uso civil é algo comum (mais comum de acontecer do que o inverso) e normalmente não gera questionamentos, na medida em que as atividades e tecnologias espaciais civis tem a característica agregadora de beneficiar as sociedades, as ciências e as economias, sem os temores de uma escalada belicista.

Por esse motivo é que o encaminhamento da seleção, contratação e execução desse processo ETEC da AEB deveria ser o MAIS TRANSPARENTE POSSÍVEL, de modo a evitar situações dúbias, como a apresentada hipoteticamente acima, ressalvado o óbvio entendimento que o Brasil, como nação independente e soberana (sob a égide do estado democrático de direito), tem o direito de desenvolver e utilizar a tecnologia que desejar, de cunho civil ou militar, dentro dos limites e princípios constitucionais e dos tratados internacionais incorporados ao regramento nacional.

Portanto, mesmo com todos os obstáculos e esse comportamento não transparente da AEB nesse processo, vamos continuar correndo atrás e acompanhando o desenrolar do mesmo.

Rui Botelho
Brazilian Space


Comentários

  1. Prezado Rui. Não estou a par deste imbróglio envolvendo licitação, mas desde o advento do Decreto 6.703, de 18 de dezembro de 2008, que aprovou a Estratégia Nacional de Defesa - brilhante documento, por sinal -, não existe mais esse negócio de separação entre Veiculo Lançador e Míssil Balístico. O Decreto é claro ao definir que o Brasil desenvolverá foguetes lançadores para aplicação dual;

    (...)

    5.Três diretrizes estratégicas marcarão a evolução da Força Aérea. Cada uma dessas diretrizes representa muito mais do que uma tarefa, uma oportunidade de transformação.

    A primeira diretriz é (...)

    A segunda diretriz é (...)

    A terceira diretriz é a integração das atividades espaciais nas operações da Força Aérea. O monitoramento espacial será parte integral e condição indispensável do cumprimento das tarefas estratégicas que orientarão a Força Aérea: vigilância múltipla e cumulativa, superioridade aérea local e fogo focado no contexto de operações conjuntas. O desenvolvimento da tecnologia de veículos lançadores servirá como instrumento amplo, não só para apoiar os programas espaciais, mas também para desenvolver tecnologia nacional de projeto e de fabricação de mísseis.

    Se você já ouviu o prof. Roberto Mangabeira Unger falar, ao ler este Decreto - tem umas 60 p. -, é como se ele estivesse lendo e você ouvindo, tamanha é a força personalística que ele deu ao texto. Sabe aquele negócio que parece estar sendo repetido em sequência para ficar gravado? Pois é assim. Eu acho que todo brasileiro deveria ler este decreto, que é a base de tudo que está sendo feito para reaparelhamento das Forças Armadas. Eu, particularmente, acho que foi o maior projeto desenvolvido pelo Ministério da Defesa na era Lula. Este Decreto foi elaborado para ser um Programa de Estado e não de Governo, embora no Brasil de hoje não dê para falar em institucionalização de nada útil, porque já se usa todo o espaço institucional para a roubalheira dos orçamentos secretos, dos contratos e verbas sigilosas, dos cartões corporativos sigilosos, das licitações de cartas marcadas. Tudo em nome da segurança e da liberdade imposta pela impunidade, permitindo saquear o país de ponta=a=ponta, até mesmo em reprise das 1001 noites. Claro, sob sigilo!

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    1. Caro Bernardino!

      Mais uma vez agradeço pela honra de ter a sua qualificadíssima contribuição no debate dos temas trazidos nas nossas matérias!

      Importante o destaque que você apresenta sobre a END, cujo conteúdo relacionado à temática espacial (sob a tutela da FAB) é elevado ao status de vetor (norteador e integrador) das ações da Força Aérea, mas que também tem reflexos, de forma sistêmica, sobre a capacidade e efetividade operacional das demais Forças.

      Com relação ao destaque que você apresenta sobre a questão da definição da END que trata explicitamente do desenvolvimento de veículos lançadores como base para o desenvolvimento de mísseis, isso reforça o tópico do artigo em que defendo que se o sigilo imposto ao processo do ETEC se justifica pelo fato do sistema a ser desenvolvido estar relacionado (ainda que hipoteticamente), também, a outros projetos de desenvolvimento de mísseis, por ser a AEB um ente de natureza civil e a END circunscrita (mais objetivamente) à área da defesa e suas forças, legalmente esse processo de Encomenda Tecnológica deveria estar sob a condução da FAB e não da AEB, sob pena de ferir de morte princípios constitucionais e legais, caracterizando, salvo melhor juízo, entre outros, desvio de finalidade.

      Ainda que estejamos a falar (de uma situação hipotética) sobre um caso real, a definição clara dos limites de competência e de atuação precisam ser destacado, pois o sigilo imposto pela AEB ao processo de contratação dessa tecnologia (sobre o processo, o que não se aplica ao objeto tecnológico desenvolvimento) só encontraria sustentação se fosse um processo de aquisição militar.

      Por isso fiz as considerações no texto sem mencionar a END, pois a abordagem foi pela óptica e limites de atuação da AEB e náo do segmento militar / defesa que tem instrumentos e procedimentos muito particulares para situações de aquisição semelhantes a essa da ETEC da AEB.

      Grande abraço, Bernardino e feliz 2022!

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  2. Estranho, talvez com exceção da Siatt as outras não parecem reunir competência para uma empreitada tão complexa, e a CLC? O que houve?

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    1. Olá, Luiz!

      Sua observação sobre a capacidade e histórico da SIATT em sistemas complexos como o desse ETEC procede, no entanto posso assegurar, como membro da Aliança da Startups Espaciais Brasileiras, que a CRON e a Horuseye possuem, não só individualmente, mas, principalmente, em conjunto, as competências necessárias para desenvolverem Sistemas de Navegação Inercial. Já a Concert Technologies S. A., que é uma empresa de TI, parceira da CRON e da Horuseye e a Modco Orsatti e Pinheiro Engenharia Ltda, parceira da SIATT, são duas grandes incógnitas para mim, apesar de algumas pesquisas que estou fazendo estarem me trazendo informes interessantes, ainda que nesse momento não possa consolidar esses informes em informações.

      No caso da CLC, também foi uma supresa para mim que a mesma tenha ficado de fora. No entanto, é importante lembrar que, como destacado na matéria, a restrição orçamentária foi um fator preponderante para o atraso do processo e para a efetivação da contratação. Logo, imagino que, mesmo tendo um background e competência reconhecida no desenvolvimento de sistemas inerciais, a CLC ficou de fora por esse motivo: falta de recurso orçamentário / financeiro,

      Infelizmente, apesar de ter contatos e livre acesso com os CEO's da CRON, da Horuseye e da CLC, (todos membros da ASB), devido aos termos de confidencialidade que todos os participantes se submeteram, mesmo que eu perguntasse algo, eles ficariam impedidos de responder.

      Portanto, apesar do termos apurado muitos informes sobre essa contratação, muitos outros detalhes ainda estão sem esclarecimentos.

      Na medida em que tivermos mais informações confirmadas, divulgaremos aqui no BS.

      Grande abraço Luis e feliz 2022!

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  3. Cara, a sigla BS (pelo menos para quem entende inglês) cai como uma luva para este blog. A última vez que li alguma coisa era desancando o S-50, que não prestava, ninguém aqui sabia fazer composite & firulas. Pois é, deu no que deu.

    Sem mais.

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    1. Caro Ming (O impiedoso), Vou me utilizar do pseudônimo (impiedoso) para ser piedoso com você e seu textozinho malcriadinho. Por isso, leia essa matéria aqui ([Papo Rápido Sobre o PEB - Edição 3] A verdade sobre o quantitativo de Motores S50. Disponível em: https://brazilianspace.blogspot.com/2022/03/papo-rapido-sobre-o-peb-edicao-3.html) e depois que tiver menos impiedoso e mais humilde, venha conversar conosco, se possível com seu nome verdadeiro, pois aqui no BS não nos escondemos atra´s de nomes fictícios e assinamos todas as matérias que publicamos.
      Estamos te esperando...

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