Estados e Empresas Privadas Diante do Desafio da Sustentabilidade Global
Olá leitor!
Segue abaixo mais um artigo escrito pelo Sr. José
Monserrat Filho e postado ontem (08/03) pelo companheiro André Mileski em seu no
Blog Panorama Espacial.
Duda Falcão
Estados e Empresas Privadas Diante do
Desafio da
Sustentabilidade Global
José Monserrat Filho*
“The
corporation (…) is an essential feature of the modern economic life.
We must
have it. It must conform, however, to accept standards and
requisite
public restraints. Freedom for beneficial economic action is
necessary;
freedom should not be a cover for either legal or illegal
misappropriation of income or wealth.” John
Kenneth Galbraith1
Hoje, quando mais se discute a sustentabilidade da Terra,
há, necessariamente, que pensar na sustentabilidade do espaço exterior, do qual
a Terra depende, como nunca antes, em áreas fundamentais – telecomunicações,
internet, monitoramento dos recursos naturais, estudo e previsão do clima,
enfrentamento dos desastres naturais, planejamento das cidades, do campo e das
vias de transporte, ensino, medicina, cultura, ciência, pesquisa do espaço
exterior próximo e profundo, operações militares e vai por aí. Apesar disso
tudo, em nível global pouco se estuda e debate sobre como garantir a
continuidade – a longo prazo – da exploração e uso do espaço.
Mas a verdade é que urge promover, do modo mais amplo e
abrangente possível, “o círculo virtuoso da sustentabilidade”, proposto por
Eduardo Felipe P. Matias, doutor em Direito Internacional pela USP, em seu novo
livro “A Humanidade Contra as Cordas – A Luta da Sociedade Global pela
Sustentabilidade”2. Esse círculo virtuoso da sustentabilidade não pode se limitar
ao nosso planeta. Deve incluir igualmente o espaço, sobretudo as órbitas mais
utilizadas pelos habitantes e entidades da Terra.
Escreve Matias: “Vivemos uma situação insustentável. As
crises enfrentadas pela sociedade global – as financeiras e a ambiental –
resultam, em grande parte, de incentivos perversos. Superá-las depende de
reverter esses incentivos e criar outros, voltados para estimular a visão de
longo prazo e a preocupação com a sustentabilidade, tanto econômica quanto
socioambiental, de todas as atividades humanas.”3
O autor faz um alerta, também válido para as atividades
espaciais: “Não há uma solução milagrosa ou uma instituição única capaz de
reverter nossa complexa situação atual. Alcançar a sustentabilidade dependerá
da ação de uma série de atores, públicos e privados, em diversos planos.” A seu
ver, “as empresas, com seu extraordinário poder de ação, têm enorme contribuição
a dar” neste esforço.
No entanto, para Matias, as empresas “precisam passar por
um processo de transformação, para que o DNA de “máquinas externalizadoras”
seja alterado, e “esse processo dependerá de pressões dos Estados, da sociedade
civil, assim como das próprias empresas”4. Não por acaso, seu livro tem um
capítulo intitulado “Transformando a empresa para transformar o mundo”, no qual
ele liga diretamente a responsabilidade social da empresa com a governança
corporativa e afirma que a “responsabilidade social da empresa (...) não deve
ser confundida com filantropia, nem com ação social”, que beneficiam apenas alguns
grupos “não ligados diretamente aos negócios da empresa”. A responsabilidade
social da empresa envolveria “ações com um grupo maior de partes interessadas,
como consumidores, fornecedores e governo”5.
A fim de alterar o DNA da empresa, frisa Matias, “os
Estados devem usar seu poder regulador e indutor para tentar tornar as empresas
mais sustentáveis”. E justifica essa competência: “Quem desfruta de um mandato
democrático são os poderes públicos, e esses devem dele se valer para intervir
e direcionar as forças do mercado.”6
Aqui, Matias cita David Barnhizer7, Professor Emérito da
Escola de Direito Cleveland-Marshall, EUA: a única forma de mudar o
comportamento referente à tomada de decisões dentro de uma cultura em que cada
um se preocupa em cuidar apenas de seus próprios interesses é usar “leis de
verdade” para alterar os termos dessa cultura. “Leis de verdade”, a seu ver,
são aquelas cuja efetividade é assegurada pela existência de mecanismos
de investigação, monitoramento e sanção em caso de descumprimento, para que não
fique apenas no campo das “nobres intenções”.
Assim, completa Matias, “o Estado precisa agir, para,
entre outras coisas, assegurar que, além do interesse a curto prazo das
empresas e de seus acionistas, o interesse geral da sociedade seja levado em
conta. Precisamos de Estados líderes, capazes de conduzir a sociedade na
direção da sustentabilidade.”
Sabemos, no entanto, adverte ele a seguir, que “os
Estados têm dificuldades de se contrapor aos interesses das empresas” –
lembrando um argumento do inglês Anthony Giddens8: “A globalização aumentou a
capacidade do setor privado de influenciar os governos e até de mantê-los reféns.”
Sabemos, também, acrescenta Matias – valendo-se de uma
ideia de Daniel C. Esty e Andrew S. Winston, apresentada em livro de 20019 –
que “o interesse dos Estados acaba se confundindo com o das empresas, que podem
moldar o processo político por meio de lobbies e contribuições de campanha”.
“Como podemos ter mecanismos reguladores que funcionem,
se é o dinheiro das corporação a serem reguladas que elege os reguladores?” –
Matias cita a pergunta feita em texto publicado no Brasil por Ignacy Sachs, Carlos
Lopes e Ladislaw Dowbor10.
Mas as decisões dos Estados são também influenciadas por
outros atores, como as ONGs. O conjunto de todas as influências sobre os
Estados contribui, na visão de Matias, para que “o interesse nacional seja uma
noção cada vez mais imprecisa”, como assinalam Daniel Compagnon, Sander Chan e
Aysem Mert11.
E esse fato, claro, incide diretamente sobre a
articulação e a eficácia das políticas públicas, um dos instrumentos mais
utilizados, importantes e duradouros de exercício do poder público em benefício
da população em seu conjunto, em diversos campos, como educação, saúde,
assistência social, cultura, urbanismo, saneamento, meio ambiente,
desenvolvimento científico e tecnológico, que inclui a área espacial.12
Matias identifica, então, uma “situação contraditória”13.
De um lado, o Estado deve ser “a maior garantia de que a visão de longo prazo
prevalecerá”; de outro, “boa parte do governo é formada por políticos, cujas
perspectivas estão limitadas a seu tempo de mandato e sua possibilidade de
reeleição; e essa última depende, em grande escala, do apoio das empresas, que,
por isso mesmo, não costumam ter seus interesses contrariados pelos políticos –
esses, como adverte Speth14, dificilmente vão querer morder a mão de quem os
alimenta”.
Contudo, ressalta Matias, “há empresas que já entenderam
que a sustentabilidade é uma tendência”, aprenderam a valorizá-la e trabalham
comprometidos em defendê-la. Elas ainda não são muitas, é verdade. Matias as
chama de “first movers” (pioneiros) e destaca a observação de Stern15, para
quem essas empresas “têm se colocado à frente do governo, preocupando-se com riscos
e oportunidades em longo prazo, realizando investimentos e tomando decisões que
ultrapassam décadas”.
Matias vê, aqui, a oportunidade de uma confluência de
interesses, de uma “ação conjunta entre governos e empresas esclarecidas, para
que comece a se movimentar mais rapidamente o círculo virtuoso da
sustentabilidade”. Ele parece convencido de que esse círculo “depende de
uma coalizão entre empresas transformadoras e políticos com visão de longo
prazo, contra aquelas que ainda não incorporaram a sustentabilidade em suas
agendas e os políticos por elas financiados. E para que a balança penda para o
primeiro grupo, mais empresas e mais políticos terão que aderir a essa
coalizão”.
Mas, Matias não esquece “o papel das pessoas” e considera
que “a sociedade civil e os indivíduos podem contribuir para que o equilíbrio
de poder penda para o lado da coalizão pela sustentabilidade”. Ele está
convencido, como Diamond16, de que “ao criticar as empresas parecemos ignorar a
responsabilidade final do público por criar as condições que permitem que um
negócio lucre ainda que traga prejuízos para esse mesmo público. Em longo
prazo, são as pessoas que têm o poder de tornar não lucrativas e ilegais as
práticas ambientalmente destrutivas e tornar as práticas sustentáveis lucrativas”.
E arremata: “No futuro, como no passado, mudanças na atitude das pessoas são
essenciais para que ocorram mudanças na prática das empresas.”17
Por sua vez, o famoso Bill Gates, magnata, filantropo e
criador da Microsoft junto com Paul Allen, já introduzira mais um elemento
complicador nesta questão. No ano 2000, ele declarou que “os mercados e a
tecnologia por si sós jamais resolverão os problemas da pobreza no mundo” – ou
seja, os maiores problemas sociais do planeta –, e que a única coisa necessária
no caso é “a intervenção do governo” 18.
Isso deixa no ar uma pergunta chave: E quem pesa mais na
intervenção do governo, inclusive na área espacial? As pessoas, a sociedade
civil, ou as empresas?
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito
Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de
Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA)
e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial
Brasileira (AEB). Este artigo reflete apenas a opinião do autor.
Referências
(1)
Galbraith, John Kenneth, economista norte-americano (1908-2006), The Economics
of Innocent Fraud – Truth for Our Time, New York, Boston, USA: Houghton Mifflin
Company, 2004, pp. 51-52. Minha tradução livre da epígrafe: “A empresa,
repito, é parte essencial da vida econômica moderna. Devemos tê-la. Ela, no
entanto, deve concordar em aceitar as leis e restrições públicas adotadas. A
liberdade para atividade econômica benéfica é necessária; mas a liberdade não
deve ocultar qualquer alversação legal ou ilegal de renda ou riqueza.”
(2) Matias, Eduardo Felipe P., A Humanidade Contra as
Cordas – A Luta da Sociedade Global pela Sustentabilidade, Ed. Paz e Terra,
2014, com apoio da ONG “Planeta Sustentável”.
(3) Id
Ibid, p. 277.
(4) Id
Ibid, p. 278.
(5) Id
Ibid, pp. 132-133.
(6) Id
Ibid, p. 278.
(7)
Barnhizer, Davi, Waking from sustenability’s impossible dream, The Georgetown
International Environmental Law Review. Vol. XVIII, No. 4, Summer 2006,
p. 31
(8) Giddens, Anthony, A política de mudança climática,
Rio de Janeiro: Zahar, p. 122.
(9)
Esty, Daniel C., Winston, Andrew S., Green to Gold. Yale University
Press, 2006.
(10) Sachs, Ignacy; Lopes, Carlos; e Dowbor, Ladislaw,
Crises e oportunidades em tempos de mudanças, ver .
(11) Compagnon, Daniel; Chan, Sander; e Mert, Aysem, The
Changing Role of the State, Germany, Bonn, German Development Institute, 2009. ,
p. 242.
(12) A Política Pública como Campo Multidisciplinar,
Eduardo Marques, Carlos Aurélio Pimenta de Faria (org.), S. Paulo: Editora
Unesp; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
(13)
Matias, Id Ibid, p. 279.
(14)
Speth, James Gustave, The Bridge at the Edge of the World – Capitalism, the
Environment, and Crossing from Crisis to Sustainability, USA: Yale University
Press, p. 83.
(15)
Stern, Nicholas, The Global Deal: Climate Change and the Creation of a New Era
of Progress and Prosperity, USA: Public Affairs, 2009, p. 140.
(16) Diamond, Jared, Colapso – Como as sociedades escolhem o fracasso ou
o sucesso, Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 578-579.
(17) Matias, Id Ibid, p. 280-281.
(18) Citado por Adam Harmes em The return of the State,
Canada: Douglas & McIntyre, 2004, p. 5.
Fonte: Blog Panorama Espacial - http://panoramaespacial.blogspot.com.br/
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