O Segundo Brasileiro no Espaço
Olá leitor!
Segue abaixo um artigo escrito pelo Astronauta Marcos
Pontes e postada no final da noite de ontem (18/04) em sua página no Facebook.
Vale a pena dar uma conferida.
Duda Falcão
O Segundo Brasileiro no Espaço
Por Marcos Pontes (Astronauta)
Acompanho
as notícias sobre atividades espaciais no Brasil há muito tempo, desde os anos
70, e, de tempos em tempos, surge algum novo boato sobre algum "iminente
astronauta" brasileiro. A imprensa divulga amplamente, empresas promovem,
instituições acreditam, o povo acredita, o sujeito dá entrevistas como se já
estivesse em treinamento final para um voo espacial e... nada acontece.
Lembro
de um piloto de caça da FAB que na década de 1980 saiu na imprensa como o
"escolhido primeiro astronauta brasileiro". Eu fiquei animado com a
possibilidade que se abriria para futuros candidatos, mas nada aconteceu!
Depois
vieram reportagens sobre uma médica gaúcha que estaria em treinamento de
astronauta na NASA. Foi apenas boato. Na verdade, ela tinha um projeto
acadêmico que envolvia medicina espacial, mas não tinha nada a ver com uma
seleção para astronauta. Uma pena.
Aí,
algo realmente diferente aconteceu. O Brasil entrou oficialmente no Programa da
Estação Espacial Internacional (ISS) através da NASA. Foi quando tivemos a
seleção da NASA/AEB em 1998. Imediatamente me inscrevi e fui selecionado para a
turma 17 de astronautas da NASA para o programa da ISS. Aquele, até hoje, foi o
único evento real e sério relacionado à seleção de um astronauta brasileiro.
Realizei
o curso completo de astronauta profissional especialista de missão, fui
graduado entre os primeiros da turma, executei a primeira missão espacial em
2006 e permaneço até hoje à disposição do Brasil para outras missões espaciais
como o único astronauta profissional a serviço de um país do Hemisfério Sul do
Planeta.
Depois
da missão de 2006, ficamos por um tempo sem as propagandas enganosas sobre
"iminentes astronautas" brasileiros. Porém, nos últimos anos, temos
visto uma chuva de desinformação e "novos astronautas" surgindo a
toda hora na nossa imprensa.
Para
colocar ordem na casa e informar os fatos reais para que o público não seja
enganado por notícias sem sentido técnico, apenas campanha de marketing,
resolvi escrever este artigo.
A
primeira coisa que deve ficar clara é a diferença entre astronauta profissional
e turista espacial.
Recentemente,
temos tido um natural aumento do interesse comercial de empresas sobre o
mercado de transporte de turistas ao espaço. Até o momento, tivemos alguns
milionários que pagaram grandes quantias (entre 20 e 30 milhões de dólares) e
visitaram a Estação Espacial Internacional (ISS) como turistas. O procedimento,
do ponto de vista operacional, é complicado na ISS, pois a espaçonave não é
preparada para receber turistas e a presença de um deles, pelo risco que
representa à operação, tira a atenção e reduz a nossa performance como
tripulação, já que temos que perder tempo "cuidando" do passageiro.
Com
o desenvolvimento de projetos de voos suborbitais por empresas como a Virgin Galactic
e a Xcor, teremos mais turistas visitando o espaço, agora em voos de curtíssima
duração. Isto é, esses voos devem proporcionar de 5 a 7 minutos acima da linha
de Kármán, que define oficialmente a "fronteira do espaço" acima de
100 km de altitude. O custo desses voos é relativamente menor (por volta de 250
mil dólares) e deve atrair um número considerável de clientes.
Atento
a essa oportunidade, em 2012 criei uma empresa de turismo de aventuras (www.agenciamarcospontes.com.br)
que, entre outros pacotes radicais, vende voos turísticos espaciais. Aliás,
recentemente fomos a quinta agência do planeta em número de tickets espaciais
vendidos. Portanto, além da possibilidade profissional de trabalhar como
astronauta profissional nas novas empresas espaciais e projetos em
desenvolvimento, tenho pleno interesse comercial em divulgar e promover esses
projetos.
Porém,
é importante manter o "pé no chão" quando se trata da segurança de
tais voos, do tempo realista estimado para o início dos voos com turistas e a
definição clara do que é um turista espacial e o que é um astronauta. Precisamos
ter ética na divulgação!
Colocado
de uma maneira clara, o teste (questão) que diferencia um turista espacial de
um astronauta é: "você é capaz de operar sozinho ou comandar a espaçonave
com segurança em todas as fases do voo (da decolagem ao pouso), realizando
manutenção, sem assistência, dos seus sistemas em voo se necessário?" Se a
resposta for não, é turista espacial. Se a resposta for sim, é astronauta.
Basicamente,
é a diferença entre o comandante/piloto de uma aeronave comercial que opera a
aeronave na ponte aérea de São Paulo ao Rio (por exemplo) e os passageiros do
voo. O piloto está para astronauta, enquanto os passageiros estão para turistas
espaciais.
Agora que sabemos diferenciar entre astronauta e turista espacial, o próximo
passo é definir o critério para saber se alguém realmente chegou ou não ao
espaço (como turista ou astronauta). Isso é simples: para oficialmente estar no
espaço, é necessário estar acima da linha de Kármán, definida a 100 km de
altitude.
Já
com alguma base técnica de conhecimento, podemos entrar no tema e apresentar
verdadeiras possibilidades de quem será nosso segundo astronauta profissional
brasileiro e quem será nosso primeiro turista espacial brasileiro ou civil no
espaço.
Infelizmente,
o segundo astronauta brasileiro está ainda longe de acontecer. O programa espacial brasileiro não tem
nenhum profissional em treinamento oficial de astronauta (NASA, por exemplo) no
momento para se tornar o segundo astronauta brasileiro. Eu já tenho todo o
treinamento necessário e continuo à disposição do país para realizar algum voo
espacial que o Brasil precise. Contudo eu gostaria de ter um backup brasileiro
e até cheguei a escrever, na década de 2000, um processo de seleção e
treinamento no qual eu ajudaria a conduzir para a escolha e preparação do nosso
segundo astronauta. Porém, o processo nunca foi colocado em prática e,
convenhamos, com a situação atual dos projetos do programa espacial, a
desejável preparação de um segundo astronauta seria algo sem prioridade lógica
para investimento. Embora seja algo que eu gostaria muito, temos tantos
problemas em aberto e tantos pontos essenciais que precisam ser trabalhados
urgentemente no programa espacial que mesmo eu sou obrigado a concordar que os
custos da preparação de um segundo astronauta neste momento não teriam como
serem justificados pelo presidente da AEB às contas da união. Primeiro, precisamos
colocar a casa em ordem nos assuntos básicos, antes de chegarmos novamente ao
patamar de pensar em voo tripulado, infelizmente.
Já
os primeiros turistas espaciais brasileiros, esses são uma possibilidade real e
próxima! Podemos estimar inclusive alguns nomes, datas e espaçonaves.
Isso
me deixa muito feliz, já que significa não apenas o nascimento de um excelente
mercado comercial, mas um maior interesse para o setor, o que, em última
instância, pode refletir positivamente em todas as atividades espaciais do
país.
Atualmente,
temos dois projetos reais de espaçonaves em desenvolvimento com potencial para
levar nossos primeiros turistas espaciais brasileiros: O SpaceShip2 da Virgin
Galactic (www.virgingalactic.com)
e o Lynx da Xcor (www.xcor.com/lynx).
O
SpaceShip2 é, de longe, o projeto mais adiantado. Apesar do primeiro protótipo
ter sido perdido em um acidente no ano passado, o segundo protótipo está
praticamente completo e já incorporando as tecnologias necessárias para atingir
o espaço. Parte significativa dessa tecnologia foi desenvolvida e testada no
SpaceShip1 que, em 2004, realizou 3 voos ao espaço, ganhando a competição
Xprize com um prêmio 20 milhões de dólares patrocinado pela minha amiga
Anousheh Ansari, que foi a primeira turista espacial mulher do planeta.
Estima-se que o segundo protótipo do SpaceShip2, realize em 2016 a campanha de
ensaios em voo para a certificação do FAA (Federal Aviation Administration),
necessária para poder operar com turistas, estando pronto para operação
comercial em 2017, caso tudo siga a contento. Eu conheço pessoalmente alguns
dos pilotos de testes do SpaceShip2, incluindo o meu companheiro astronauta
Rick "CJ" Sturckow, e eles estão bastante animados com o projeto e
confiantes com a realidade da data estimada para o início das operações em
2017.
Portanto,
turistas espaciais brasileiros que estão aguardando o voo no SpaceShip2 já
voarão a partir de 2017.
No
caso do Lynx da Xcor, o tempo de espera será muito maior. O projeto ainda está
em estágio inicial e, antes de chegar ao espaço (acima de 100 km de altitude)
deverá passar por um protótipo demonstrador de conceito (Mark I) que atingirá
apenas 62 km (estratosfera). Também conheço o piloto de testes do Lynx,
astronauta Rick Searfoss, e ainda não há data firme para iniciar os testes em
voo em altitude máxima do primeiro protótipo (Mark I). Portanto, estimamos que
o início dos testes para operação do segundo protótipo (Mark II), que
efetivamente deve chegar ao espaço, não deve acontecer antes de 2018/2019. Os
voos comerciais com turistas não devem, portanto, acontecer antes de 2019/2020.
Interessante
notar que, apesar de nem existir um protótipo de teste do Lynx com capacidade
de atingir o espaço, já tivemos várias campanhas de marketing anunciando um
"iminente" voo da espaçonave com turistas ganhadores de concursos
promocionais, inclusive brasileiros. A imprensa divulgou amplamente e muita
gente acreditou!
Pela
ordem, vamos citar alguns casos. Por volta de 2004, tivemos uma campanha da VW
(Volkswagen), onde uma brasileira, administradora de empresas, Ângela Takesawa (www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u12162.shtml)
foi sorteada para um voo suborbital em espaçonave não definida que, conforme
divulgaram na época, deveria acontecer antes de 2006! Segundo a VW, a campanha
gerou um aumento de fluxo de clientes nas revendas da marca da ordem de 25% e
um acréscimo de vendas - incluindo carros, serviços, peças etc - de 20%, em um
período no qual o mercado brasileiro cresceu 8%.
Depois
do meu voo em 2006, houve um período quieto, sem promessas milagrosas.
Em 2013, veio a campanha da AXE, onde outro brasileiro, também administrador de
empresas, Marco Aurélio Gorrasi, foi o ganhador de um voo no Lynx, depois de
ter conseguido vencer na fase de divulgação nas redes sociais e passar por uma
bateria de "treinamento" semelhante aos testes de "reality
shows" para, finalmente, estar "pronto" para voo que aconteceria
no início de 2014 (www.space.com/23866-axe-apollo-space-academy-spaceflight-wi…).
A campanha publicitária foi um sucesso, mas o voo nunca aconteceu.
Na
mesma toada de marketing, também em 2013 tivemos uma campanha publicitária da
empresa aérea KLM que também prometeu um voo espacial de Lynx, a ser realizado
no início de 2014, à pessoa que conseguisse "chutar" o ponto mais
aproximado do pouso de um balão estratosférico. Pedro Nehme, um estudante de
engenharia elétrica brasileiro, coincidentemente estagiário da AEB, foi o
ganhador da promoção. Recente e estranhamente, a imprensa brasileira, até com
algum apoio oficial, tem apresentado o jovem como que ele fosse ao espaço nos
próximos meses a bordo do Lynx, considerando-o como o primeiro turista espacial
brasileiro ou como o primeiro civil a ir ao espaço. Impressionante essas campanhas publicitárias, não é?
Para
encerrar o artigo, vamos apresentar, portanto, uma tabela da sequência mais
provável de voo dos nossos primeiros turistas espaciais, considerando de forma
otimista que as empresas que fizeram as campanhas vão honrar suas promessas e
que possamos encaixar dois brasileiros por ano em média na enorme fila de
espera para voo em cada espaçonave em operação:
01
Sr. Marcos Palhares , cliente Virgin Galactic em 2017 c/ a espaçonave
SpaceShip2
02
Cliente Brasileiro Virgin Galactic em 2017c/ a espaçonave SpaceShip2
03
Cliente Brasileiro Virgin Galactic em 2018 c/ a espaçonave SpaceShip2
04
Cliente Brasileiro Virgin Galactic em 2018 c/ a espaçonave SpaceShip2
05
Cliente Brasileiro Virgin Galactic em 2019 c/ a espaçonave SpaceShip2
06
Sra. Ângela Takesawa - Sorteio da Volkswagen, com espaçonave indefinida
07
Cliente Brasileiro Virgin Galactic em 2019 c/ a espaçonave SpaceShip2
08
Sr. Marco Aurélio Gorrasi - Promoção da AXE em 2019 com a espaçonave Lynx
09
Sr. Pedro Nehme - Promoçao da KLM em 2019 com a espaçonave Lynx
Parece
demorado, mas em se tratando de projetos espaciais tripulados e toda a
legislação e critérios técnicos a serem obedecidos para voos tripulados, ainda
mais com turistas comerciais, que não são "legalmente descartáveis"
como astronautas/pilotos de teste, este cronograma já está muito apertado (otimista).
Vamos
assistir e ver o que acontece. Eu estou na torcida para tudo funcionar direito,
sem acidentes, e que possamos desenvolver esse maravilhoso mercado que desponta
no horizonte espacial.
Fonte: Página do Astronauta Marcos Pontes no Facebook - https://www.facebook.com/astronauta.marcospontes?fref=nf
Comentário: Bom leitor, eu fico muito satisfeito que o
Marcos tenha escrito este artigo para esclarecer melhor a sua posição, já que
ele é um ícone inquestionável para o PEB. Entretanto, as informações que tenho
do projeto Lynx da
Xcor dão conta de que os voos com turistas irão ocorrer antes do prazo aqui
colocado pelo Marcos, mas seja com for, é inquestionável, como colocado pelo nosso
astronauta, o fato de que realmente esta existindo muita propaganda enganosa
nesta questão. Uma pena, mas enfim... Vamos aguardar os acontecimentos. Aproveito para agradecer ao nosso leitor Ricardo Melo por ter enviado este interessante artigo.
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