Edital do MMA Permite Sobreposição ao Serviço de Monitoramento da Amazônia e Irrita o INPE

Olá leitor!

Segue abaixo um artigo publicado na edição de maio do “Jornal do SindCT” destacando que edital do Ministério do Meio Ambiente (MMA) permite sobreposição ao serviço de monitoramento da Amazônia e irrita o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Duda Falcão

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

LICITAÇÃO DE R$ 78,5 MILHÕES ENVOLVE IMAGENS DE DESMATAMENTO

Edital do MMA Permite Sobreposição ao Serviço
de Monitoramento da Amazônia e Irrita o INPE

CGU abre auditoria para investigar caso e a pasta do Meio
Ambiente avisa que o Pregão 07/2017 “está suspenso” e
“sem previsão para a retomada do ritolicitatório atinente”

Antonio Biondi e
Maurício Hashizume
Jornal do SindCT
Edição nº 57
Maio de 2017

Foto: MMA
Ministro Sarney Filho, do MMA.

A licitação por parte do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de uma série de atividades já realizadas pelo Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e de um conjunto de novos serviços por parte do órgão tem gerado polêmica. Efetuada por meio do edital do Pregão Eletrônico nº 07/2017 do MMA, a licitação (cujos valores chegam a R$ 78,5 milhões) criou atritos e mal estar com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e seus pesquisadores. E repercutiu negativamente na comunidade científica e acadêmica. De acordo com fontes ouvidas pelo Jornal do SindCT, o edital, bastante amplo, abre margem para que ocorra a eventual contratação, no setor privado, de serviços que já são realizados há décadas pelo INPE, especialmente o monitoramento do desmatamento da Amazônia, tema dos mais sensíveis.

A repercussão desfavorável, somada à reação dos pesquisadores do INPE, gerou notas conjuntas do MMA e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O episódio suscitou procedimentos de investigação e análise por parte do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (MTF-CGU) e do Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA).

Na data de fechamento dessa edição, o edital, cujo objeto diz respeito ao “Registro de Preços para contratação de serviços especializados de Suporte à Infraestrutura de Geoprocessamento e Atividades de Sensoriamento Remoto para atendimento às demandas de monitoramento ambiental e geoprocessamento”, encontrava-se suspenso “para ajustes no Termo de Referência”, de acordo com o site do MMA.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o MMA declarou à reportagem do Jornal do SindCT que o Pregão 07/2017 “está suspenso em função da realização de auditoria especial pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, requerida por solicitação do MMA”. Ainda de acordo com a assessoria, “face à instalação dos trabalhos da auditoria especial pelo MTF-CGU, não há previsão para a retomada do rito licitatório atinente”.

Além do MMA, o edital conta com a participação de outros cinco órgãos interessados nos
serviços licitados: IBAMA, Instituto Chico Mendes (ICMBio), Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Agência Nacional de Águas (ANA).

Controvérsia

Dalton Valeriano, coordenador do Programa Amazônia da Coordenação-Geral de Observação da Terra do INPE (OBT/INPE), entende que, na primeira versão divulgada do edital, “temos, sim, sobreposição com o que já é realizado pelo INPE”. Segundo o pesquisador, a equipe está “aguardando uma segunda versão, que não traga essa sobreposição”.

Foto: Elza Fiúza-Agência Brasil/EBC
Dalton Valeriano, coordenador do Programa Amazônia.

Frisando que o edital se trata de uma tomada de preços, não uma contratação de serviços imediata, que pode ou não ser realizada pelos órgãos do governo que aderirem ao edital, o pesquisador faz questão de frisar que a alegação de que “não entregamos dados diários não é verdadeira”. “Nós entregamos dados diários. E a divulgação por parte do governo federal quanto ao desmatamento se dá após alguns meses somente”. De acordo com Dalton, a equipe da OBT “entrega, certamente, um acompanhamento rápido dos dados”, e a divulgação “se dá após alguns meses devido a um acordo que houve a pedido do próprio MMA”.

Segundo o MMA, o edital não trata de “novos serviços e atividades”, e os itens “não estão restritos ao monitoramento do desmatamento da Amazônia”. Ainda de acordo com a assessoria do ministério, “as atividades que estão sendo contratadas sempre foram executadas pelo IBAMA desde pelo menos cinco anos atrás”. “Tanto é que a descrição da maioria das atividades é idêntica à do edital do Pregão Eletrônico nº 22-2012”.

No que diz respeito às novas atividades presentes no edital, estas referem-se, por exemplo, a “imagens de alta resolução ou imagens de radar que não são utilizadas no monitoramento sistemático realizado pelo INPE e, ao contrário, são utilizadas pelo IBAMA desde 2007, quando teve início o projeto ALOS com imagens de radar e desde 2010, quando foi adquirida a primeira cobertura de imagens óticas com 5 metros de resolução”.

A assessoria do MMA destaca algumas das atividades que serão realizadas a partir do edital, e que irão “muito além do monitoramento do desmatamento na Amazônia”, tais como: “Verificação do cumprimento de embargos em todo território nacional; auditoria em propriedades rurais em todo território nacional; identificação de poluição marítima por óleo; acompanhamento de condicionantes do licenciamento ambiental federal; monitoramento de bacias hidrográficas; identificação de barramentos em corpos hídricos; monitoramento de planos de manejo florestal; acompanhamento de concessões florestais; acompanhamento da execução de danos ambientais a Terras Indígenas”, entre outros. A assessoria do MMA afirma categoricamente que “não há sobreposição com atividades desenvolvidas pelo INPE”.

A pesquisadora do INPE, vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e ex-diretora do MMA Thelma Krug, por seu turno, tem outra opinião: “Infelizmente, o edital não possui a clareza necessária para que se faça uma análise acurada da potencial sobreposição com os monitoramentos realizados pelo INPE. A descrição de algumas atividades leva a crer que pode, sim, haver sobreposição de atividades”. Em respostas encaminhadas por e-mail à reportagem do Jornal do SindCT, Thelma destaca vários exemplos nesse sentido (vide p.7).

Em declarações ao Jornal do SindCT o diretor do INPE, Ricardo Galvão, reconhece que “grande parte do previsto no edital refere-se à parte de TI [Tecnologia da Informação], que é uma área dos serviços que o INPE nunca prestou”. A seu ver, contudo, “o problema é que o edital não é claro em relação às imagens”, ou seja: “Dependendo de como aquilo for desenvolvido depois, há realmente sobreposição ao que o INPE faz”. Perguntado se o instituto participou da iniciativa, Galvão respondeu: “Não sabíamos que o edital seria lançado. Não sei exatamente como se deu a produção do edital”.

A esse respeito, a assessoria do MMA afirmou, de modo a apimentar a controvérsia institucional, que o IBAMA “lida com desmatamento na Amazônia há pelo menos 40 anos, quando criou o Programa de Monitoramento da Cobertura Florestal do Brasil (PMCFB)” e que no entanto “nunca foi convidado a opinar nas contratações que o INPE faz para realizar o monitoramento da Amazônia.”

FOTO: OBT/INPE
Imagem mostra áreas degradadas.

Profusão de Notas

A fim de tentar afirmar uma linha comum no governo federal sobre o tema, uma nota conjunta sobre o episódio, assinada pelo MMA e pelo MCTIC, foi elaborada e divulgada no dia 5 de maio nos respectivos sites. Na nota, afirma--se que “não há conflito de interesses entre o MMA e o MCTIC, nem sobreposiçãode serviços”, pois o “objetivo é otimizar os trabalhos”. Além disso, registra que o INPE “realiza, desde 1988, trabalho de excelência no monitoramento do desmatamento na Amazônia Legal, com amplo e merecido reconhecimento nacional e internacional, e assim continuará fazendo”.

Por fim, a nota registra que “nenhuma dessas tarefas [presentes no edital] se sobrepõe aos trabalhos de monitoramento realizados pelo INPE, que continuará a produzir os dados oficiais do desmatamento da Amazônia e outros relacionados às suas competências institucionais, de forma independente. A contratação pelo MMA pretende tão somente aumentar a eficiência e capacidade da gestão ambiental, auxiliando a execução e avaliação das políticas públicas ambientais, com maior transparência e padronização dos procedimentos”.

Para que a nota pudesse ser produzida, no dia 4 de maio o diretor do INPE esteve pessoalmente em Brasília, participando de uma reunião com os secretários-executivos do MMA e do MCTIC. Na ocasião, Galvão ouviu argumentações a respeito do edital de que o material que é encaminhado ao MMA pelo INPE (composto por milhares de imagens) precisaria de um sistema que indique precisamente onde ir, o que priorizar. E que este teria sido um dos principais motivos que levaram à elaboração do edital. No entanto, “não é o que está dito lá”, rebate Galvão. “Diz, entre outras coisas, que vai comprar mais imagens. Identificamos, dessa forma, um ou dois casos com sobreposição”. Segundo ele, um dos aspectos que teria causado algum mal-estar foi a alegação de que o sistema do INPE “estaria atrasado, até ‘míope’”.

Antes da nota conjunta, que contou com a participação do INPE na elaboração, outras duas notas sobre o caso chegaram a ser produzidas. Em texto elaborado apenas pela pasta e divulgado no dia 4 de maio, o MMA procurou reduzir o desgaste. Afirmou ser “falsa a informação” de que teria “a intenção de substituir o monitoramento do desmatamento, que vem sendo realizado com excelência técnica e científica pelo INPE nas últimas três décadas”.

Já o INPE também esboçou uma nota própria a respeito do imbróglio mas, diante do aceno para a produção da nota conjunta, a diretoria optou por não divulgar diretamente sua versão e análise do impasse (confira na p.6). Para o diretor do INPE, o fato de esta nota ter sido divulgada mesmo sem contar com o seu endosso acabou por cumprir uma “disfunção”, por não representar “uma posição institucional”, mas “somente a posição de um grupo”.

Outros Efeitos

Além de toda a polêmica e da profusão de notas acima elencadas, a controvérsia em torno do edital também colaborou, de alguma forma, com a saída de Thelma Krug do cargo exercido no MMA. Perguntada se existe relação entre sua saída do MMA e esse edital, a pesquisadora confirmou: “De fato, houve algumas discordâncias internas, provocadas principalmente pela falta de um melhor entendimento sobre os produtos que o INPE fornece ao IBAMA/Ministério do Meio Ambiente, como parte de um Acordo de Cooperação celebrado entre as duas instituições”.

Para ela, havia interesse expresso do MMA na criação de um novo sistema de monitoramento, “mas infelizmente não foi estabelecido um diálogo do Ministério com outros órgãos federais que geram dados e informações, de forma a informar as limitações dos produtos existentes e explorar a capacidade de o próprio governo poder prover as necessidades do MMA”.

O diretor do INPE, por seu turno, avalia que o MMA não se saiu bem na história. “O arranhão foi neles. O trabalho do INPE possui reputação internacional”, diz. “O INPE fornece os dados, mas a ação é deles”, destaca Galvão, para quem a maior preocupação da comunidade científica é evitar que “uma mesma instituição passe a fazer as duas coisas, deixando de haver essa separação, essa independência”. Para ele, “haver dois órgãos diferentes envolvidos, cada
um fazendo o seu trabalho, é muito importante”.

Na síntese de Thelma, certamente “é legítimo que o MMA idealize um sistema de monitoramento próprio”, e utilize seus recursos da forma que julgar mais conveniente. “A preocupação é evitar-se a duplicação de esforços dentro do próprio governo federal e o dispêndio desnecessário de recursos públicos, já tão escassos”.


Fonte: Jornal do SindCT - Edição 57ª - Maio de 2017

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