O Legado do SERPENS uma década após o seu lançamento ao espaço

Olá, Entusiasta louco por Cubesats!


Na data de hoje (19/08/2025), a Agência Espacial Brasileira (AEB) utilizou suas redes sociais para celebrar um marco significativo na história espacial do país: o décimo aniversário do lançamento do nanossatélite SERPENS 1 (veja aqui). A publicação da AEB exalta, com mérito, a importância do projeto, que foi um esforço colaborativo entre a agência e diversas universidades, tanto no Brasil quanto no exterior.

Imagem da publicação da AEB nas suas redes sociais (Créditos: AEB)

Lançado em 19 de agosto de 2015 do Centro Espacial de Tanegashima, no Japão, a bordo de um foguete japonês H-IIB (cápsula de HTV-5), com destino à Estação Espacial Internacional (ISS), o SERPENS só foi colocado em órbita, a partir do módulo japonês Kibo da Estação Espacial Internacional (ISS), no dia 17 de setembro de 2015. A operação de deploy, ou injeção em órbita, ocorreu por volta das 9h (horário de Brasília).

Extrato de tela da publicação da AEB nas suas redes sociais (Créditos: AEB)

O SERPENS 1 foi um marco institucional e governamental do Brasil no campo dos CubeSats, com a missão de testar tecnologias nacionais e desenvolver competências em satélites de pequeno porte durante seus sete meses de operação em órbita. A sua duração em órbita de 7 meses foi marcada por falhas de alguns sistemas / componentes que implicaram na não realização dos principais testes especificados pela missão, restando somente o seu uso como estudos de caso e ferramenta para capacitação de estudantes no rastreio do mesmo.

Independentemente da falha parcial da missão, apesar de sua importância como o primeiro experimento oficial de um CubeSat com o selo da AEB, o lançamento do SERPENS ocorreu em uma época em que o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE, versão 2012 - 2021) não continha o verbete Cubesats. O projeto foi apoiado, então, por meio de ações do programa de Tecnologias Críticas da AEB.

O SERPENS 1 foi um projeto para a capacitação em engenharia de sistemas em cursos de graduação em engenharia aeroespaciais no Brasil, e era esperado que fosse o primeiro de uma série de satélites, cujas instituições parceiras fariam um rodízio entre sí para gerenciar / participar do projeto. No entanto, infelizmente, a falta de apoio da gestão da AEB à época (muito pela falha parcial do primeiro modelo), resultou em apenas uma única versão dessa plataforma.

Em 2016, como tecnologista da extinta diretoria de satélites da AEB, tive contato com a missão e com parte da equipe envolvida no seu desenvolvimento e, enxergando um potencial além do educacional, propus (em debates internos) que as futuras versões (SERPENS 2 e 3) servissem como plataformas de teste e validação de novos sistemas e subsistemas nacionais em ambiente espacial. Com essa proposta, o projeto deixaria de ser apenas uma ferramenta de capacitação e se tornaria uma plataforma de validação tecnológica, ou, como seria classificado hoje, um CubeLab.

Patch da Missão SERPENS 1 (Créditos: Wikipedia).

A ideia era que as próximas missões do SERPENS, em vez de usar componentes comerciais (de prateleira) prontos para uso (COTS - Commercial off-the-shelf), como ocorreu no SERPENS 1, passassem por um processo de nacionalização de sistemas, subsistemas, montagens e componentes. Esses componentes seriam testados em voos anteriores até alcançarem um Nível de Maturidade Tecnológica (TRL) 9. Isso faria com que caso um componente em teste falhasse, essa falha não comprometeria a missão como um todo, tendo em vista que o primeiro cubo garantiria a continuidade geral da missão ou para o este de outros sistemas e componentes do cubo 2.

A proposta, portanto, permitira que universidades e startups validassem seus sistemas em voo com o patrocínio da AEB, o que ajudaria a reduzir os altos custos associados a esses testes, tendo como contrapartida que essas universidades e startups doassem seus sistemas validados em voo para custear as missões seguintes. Assim, o CubeSat 2U teria um dos cubos funcionando como uma mini-PMM (Plataforma Multimissão), usando componentes já qualificados em voo (COTS ou não), enquanto o segundo cubo carregaria sistemas ou componentes redundantes do primeiro cubo ou outros experimentos. Esses componentes seriam testados (alguns em substituição aos do primeiro módulo) durante o voo, permitindo a sua  validação.

Se o programa SERPENS tivesse continuado, ele estaria bem posicionado para o Brasil e o mundo, aproveitando os conceitos e princípios dos CubeLabs. O SERPENS, como um nanossatélite, já se alinha com o conceito de CubeSat, que forma a base dos CubeLabs. Os CubeLabs são plataformas laboratoriais em órbita que oferecem uma alternativa mais acessível para a realização de experimentos de longa duração em microgravidade. Essa é a mesma visão proposta em 2016/17 para a continuidade do programa SERPENS, que se tornaria uma plataforma para testes e validação de novos sistemas e subsistemas nacionais no espaço.

Além disso, caso o SERPENS adotasse a abordagem de um CubeLab, poderia ter ajudado a desenvolver uma forte cadeia de valor orbital brasileira. A validação de sistemas e componentes nacionais em voo, a partir de missões como o SERPENS, incentivaria a geração de propriedade intelectual e a exportação de serviços espaciais. Isso também estaria alinhado com a busca em democratizar o acesso ao espaço e oferecer soluções orbitais com DNA brasileiro.

Guardadas a proporções em tamanho e massa, o sucesso de empresas norte-americanas como a VARDA Space, que está executando com êxito o conceito de outro projeto brasileiro á frente do seu tempo e descontinuado, o projeto SARA (Satélite de Reentrada Atmosférica), demonstra a visão disruptiva nacional no campo de plataformas laboratoriais espaciais orbitais e um certo padrão de descontinuidade de projetos promissões. 

A continuidade do programa SERPENS (assim como o SARA) poderia ter posicionado o Brasil como um ator relevante nesse mercado emergente, com o desenvolvimento de nano à mini laboratórios orbitais (baratos) de microgravidade para diversos pequenos experimentos para aplicações, como biotecnologia, ciência de materiais e astrobiologia, além de servir para a validação de tecnologias e componentes, como as propostas apresentada para os nunca implementados SERPENS 2 e 3.


Rui Botelho
Editor do BS
Ex-servidor de carreira da AEB

Obs: A título de curiosidade, o nome Serpens remete à Serpente, uma constelação do equador celeste, a qual está represenada visualmente no patch da missão.

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