Dia 23 Agosto: Dia Nacional do Espaço da Índia e Dia da Inveja e da Ressaca Moral Espacial para o Brasil

Olá, Entusiasta Ressaqueado e Invejoso do Meu Brasil!

No dia 23 de agosto de 2025 próximo, a Índia comemorará a segunda edição do seu "Dia nacional do Espaço", data representativa para o país, selecionada para esse fim, por ser o dia em que os indianos conseguiram realizar o fantástico feito de pousar a sonda Chandrayaan-3 no polo sul da Lua em (23 de agosto de) 2023. Essa realização colocou a Índia em um seletíssimo grupo de países que já conseguiram pousar dispositivos em solo lunar, sendo a 4ª nação fazê-lo, após Estados Unidos, Rússia (União Soviética) e China, além de ter sido o primeiro pouso próximo do polo sul do nosso satélite natural.

Crédito: ISRO

Em preparação para esse segundo ano de comemorações, a ISRO (Indian Space Research Organisation) publicou um vídeo PODEROSO e IMPACTANTE. O poder e o impacto do vídeo não estão na estética, cortes, montagens, imagens e gosto (com todo respeito) duvidosos (para nossa estética ocidental) dos indianos. O poder e impacto do vídeo está na MENSAGEM!

Com a participação do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e de outros funcionários da ISRO, não há como não valorizar os feitos dos indianos e não nos questionarmos: por que não nós? 

Mas antes de sairmos do momento de admiração para o momento ressaca e inveja, vejam o vídeo abaixo seguido dos textos extraído do mesmo (segue aqui  o link do original na rede social da ISRO):

Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia

"O espaço não é apenas um destino. Nossos foguetes carregam mais do que cargas úteis. Eles carregam os sonhos de 1,4 bilhão de indianos. Desde o lançamento de um pequeno foguete em 1963 até se tornar a primeira nação a pousar perto do polo sul da Lua, nossa jornada tem sido notável. Gaganyaan destaca as aspirações crescentes de nossa nação. O espaço é sobre exploração, bem como sobre empoderamento."

Funcionário da ISRO

"Este Dia Nacional do Espaço tem mais de uma mensagem para transmitir para diferentes grupos de cidadãos. A Índia é agora uma nação de linha de frente no mundo. O programa espacial indiano está a serviço do homem comum do país. Vamos todos juntos celebrar o Dia Nacional do Espaço de 2025."

E então? É o ou não uma mensagem PODEROSA e IMPACTANTE?

Para mim é..., muito!

Primeiro fui dominado por um sentimento de empatia e alegria ao ver um país com tantas mazelas e desafios, internos e externos (que fazem o Brasil paracer o paraíso), conseguir chegar aonde chegou. Um país, que apesar de origem e cultura milenares, só se tornou uma nação em 1947 (15 de agosto). Que, como herança do colonialismo, se tornou independente, mas 2 meses depois (em outubro de 1947) já entrou em conflito (que jamais cessou efetivamente) com o visinho Paquistão, conflitos esses que se reacenderam, em maior e menor monta, em 1965, 1971, 1999, 2001, 2008, 2016, 2019 e, mais recentemente, 2025. Que já entrou em conflitos e escaramurças com a China por diversas vezes (1962, 1967, 1987, 2013, 2017, 2020).

A Índia não teve (tem) vida fácil!

Um País Pulsando Espaço

A Índia hoje possui um valorizado programa espacial de Estado, orçamento previsível,  centros de lançamentos operacionais, lançadores com capacidades para orbitas baixas e para órbitas geoestacionárias, trans-lunares e trans-marcianas e os seus próprios satélites, lançados (SOBERANAMENTE) do seu território e por seus próprios lançadores. Isso tudo permite aos indianos, no campo governamental, exercer e projetar o seu poder geo e astropolítico, mas, também, vender serviços e produtos espaciais para outros países (como nós, lançandos os nossos satélites.... olha a inveja se apresentando...), para empresas e por empresas e startups nacionais.

Entretanto, muito além do entusiasmo pelos feitos alcançados e a mensagem poderosa, que com certeza, inspira o povo indiano, como me inspirou, muito mais do que um sentimento de orgulho, de soberania, de admiração pelo desafio e pelo sucesso, sei que desenvolvimento não é nada se não se refletir para a sociedade com inclusão e resultados tangíveis.

E nesse sentido, como dito na mensagem a Índia pode comemorar muito mais. 

Nos últimos dez anos, a Índia tem se destacado como um dos mercados espaciais emergentes mais dinâmicos do mundo. Entre 2014 e 2024, o setor espacial contribuiu diretamente com aproximadamente US$ 24 bilhões ao PIB, gerando cerca de 96.000 empregos no setor público e privado, com cada dólar investido produzindo um impacto econômico de US$ 2,54.

O tamanho do mercado espacial da Índia também apresenta um crescimento consistente: de US$ 7 bilhões no início da década, passou para US$ 8,4 bilhões entre 2022 e 2024, e a projeção é de que alcance US$ 13 bilhões já em 2025, seguindo uma taxa de crescimento composta (CAGR) de aproximadamente 6%, podendo chegar a US$ 44 bilhões em 2033. 

Fonte: autor (dados coletados de diversas referências)

A expansão privada foi particularmente expressiva: o número de startups espaciais saltou de apenas 1 em 2014 para 229 em meados de 2024, muitas delas empregando diretamente colaboradores qualificados. Estima-se que, ao todo, mais de 400 empresas privadas atuem no setor em 2024, abrangendo áreas como lançamento de satélites, observação da Terra, propulsão e serviços baseados em dados espaciais, podendo esse número superar mais de 500 empresas até 2033. Startups como Pixxel, Skyroot Aerospace e Agnikul Cosmos exemplificam a inovação e o dinamismo do ecossistema indiano, atraindo investimentos significativos e ampliando capacidades tecnológicas.

Em termos de emprego, além dos 17.000 funcionários da ISRO, a indústria espacial indiana gerou aproximadamente 22.000 novos empregos diretos na última década, com um total estimado de 45.000 a 50.000 considerando os efeitos indiretos e induzidos.

O setor espacial indiano também define metas ambiciosas para alcançar entre 7 e 8% do mercado espacial global.

Ou seja: A Índia está pulsando Espaço!

Dia da Ressaca Moral e da Inveja Espacial no Brasil

Depois de ver o vídeo que motivou essa reflexão, entrei em outro nível de reflexão quando percebi que o dia 23 de agosto é um dia após a data do fatídico acidente de Alcântara, ocorrido há 22 anos, em 22 de agosto de 2003, no Centro de Lançamento de Alcântara - CLA, e que ceifou a vida de 21 pesquisadores e técnicos do nosso programa espacial.

Esse terrível acidente, o segundo maior com vítimas da história mundial da exploração espacial, é algo ainda muito dolorido para a sociedade brasileira, digo, para a comunidade espacial brasileira (pois a sociedade em geral não está nem ai), e nos faz nos questionar, todos os anos sobre o por que esses irmãos e heróis pereceram? Esse questionamento se faz ainda mais presente quando, diante dos parcos resultados do Programa Espacial Brasileiro, como um todo, e, em pior monta, no segmento de veículos lançadores, vemos que de lá para cá só andamos em círculos, quando não, para trás...

Ainda que não tenha feito essa relação entre as datas antes (na 1a edição da data comemorativa indiana do ano passado), ao me entusiasmar com as palavras poderosas e inspiradores do governante da Índia, exultando o seu povo a comemorar as conquistas espaciais nacionais, logo depois, quando me dei conta que mais um dia 22 de agosto se aproximava, fui tomado por  um sentimento melancólico profundo: uma (vergonhosa) mistura de Inveja e da Ressaca Moral.

A inveja, naturalmente explicável, me fez olhar para a realidade espacial da Índia e lamentar a nossa distopia, entrando naqueles "loops" mentais que nos fazem questionar: Por que eles conseguiram e nós não? E se fizéssemos isso? E se não tivéssemos feito aquilo? E se...? E se...?

Passado esse momento inveja (que demorou muito mais do que eu gostaria), entrei em um segundo estágio, como uma ressaca moral. 

Essa ressaca é um sentimento de culpa tudo de errado que fizemos (decisões de (des)governança, (des)gestão e de investimentos equivocadas), mas sim de vergonha e tristeza profunda por tudo que deixamos de fazer, inclusive, em honra aos 21 de Alcântara. É a dolorosa constatação de que, enquanto a Índia avança impulsionada pelos sonhos de 1,4 bilhão de pessoas, nós parecemos presos em um luto não resolvido e em uma paralisia crônica. 

A ressaca surge da constatação amarga de que a sociedade brasileira, tão cheia de potencial, não parece se importar o suficiente para exigir um futuro melhor e honrar as vidas dedicadas a um sonho que hoje parece mais distante do que nunca. É o peso da indiferença, o lamento por oportunidades históricas e vidas, até o momento, simplesmente desperdiçadas.

Dessa reflexão - meio como um alento, meio como uma resignação - me veio à mente os versos da música de Tim Maia, Azul da Cor do Mar: 

"E, na vida, a gente tem que entender

Que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri"

Conclusão: Azul da Cor do Espaço

Ao fim desses momentos de introspecção, me dei conta de que o sofrimento, a dor e a vergonha não podem ser o ponto final. A história do nosso programa espacial, marcada por perdas e estagnação, nos ensinou uma lição dura, mas vital. Ela nos mostra que, apesar dos obstáculos, precisamos buscar um propósito maior!

Não podemos nos deixar paralisar pela inveja e pela ressaca moral. É nosso dever honrar a memória dos 21 de Alcântara e de todos que dedicaram suas vidas a um sonho grandioso.

Como canta Tim Maia, ainda que o trecho determinista da música declare que uns nascem para sofrer e outros para rir, também declara que ".. quem sofre sempre tem que procurar / Pelo menos vir a achar razão para viver". A razão para existir (viver) do nosso programa espacial não pode ser apenas a busca por tecnologia ou poder, mas sim a capacidade de inspirar e de transformar vidas. O espaço, como disse o primeiro-ministro indiano, é sobre "empoderamento" do homem comum.

O Brasil tem o potencial para fazer o mesmo, desde que se estruture para tal, primeiro como um Programa de Estado. Precisamos encontrar o "motivo pra sonhar". Esse sonho não é sobre competir com a Índia, mas sim sobre construir um futuro que reflita o potencial da nossa nação e para nosso povo.

A tarefa é árdua, no nosso estado atual, as vezes parece impossível. A nossa razão de viver, a nossa motivação para lutar, devemos, a todo custo, "Ter um sonho todo azul, azul da cor do (mar) Espaço". 

Rui Botelho

Editor do Brazilian Space

Brazilian Space

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Referências

ECONOMIC TIMES OF INDIA. Indian space economy to reach $44 bn by 2033: FICCI-EY report. Disponível em: https://economictimes.indiatimes.com/news/science/indian-space-economy-to-reach-44-bn-by-2033-ficci-ey-report/articleshow/118942520.cms. Acesso em: 15 ago. 2025.

FICCI. FICCI-EY Report on Indian Space Economy. Disponível em: https://www.ficci.in/press_release_details/5033. Acesso em: 15 ago. 2025.

INDIAN EXPRESS. India space sector economy. Disponível em: https://indianexpress.com/article/india/india-space-sector-economy-9986306/. Acesso em: 15 ago. 2025.

ISRO. Segundo Dia Nacional do Espaço da Índia [Reel do Instagram]. Instagram: @isro.dos, 26 out. 2023. Disponível em: https://www.instagram.com/reel/DNSqMIhJFpE/. Acesso em: 15 ago. 2025.

MAIA, Tim. Azul da Cor do Mar. In: MAIA, Tim. Tim Maia. Rio de Janeiro: Polydor, 1970. 1 disco de vinil, lado B, faixa 4.

NDTV. India's space sector adds $60 billion to GDP, 4.7 million jobs in 10 years: Report. Disponível em: https://www.ndtv.com/india-news/indias-space-sector-adds-60-billion-to-gdp-4-7-million-jobs-in-10-years-report-6407385. Acesso em: 15 ago. 2025.

PAYLOAD SPACE. New data shows a rapidly expanding space workforce. Disponível em: https://payloadspace.com/new-data-shows-a-rapidly-expanding-space-workforce/. Acesso em: 15 ago. 2025.

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THE HINDU. Space sector contributed ₹20,000 crore to India’s GDP over the last decade. Disponível em: https://www.thehindu.com/sci-tech/science/space-sector-contributed-20000-crore-to-indias-gdp-over-the-last-decade/article68559540.ece. Acesso em: 15 ago. 2025.

TIMES OF INDIA. Indian space economy set for a growth of $13b by 2025: iSPA-EY. Disponível em: https://timesofindia.indiatimes.com/home/science/indian-space-economy-set-for-a-growth-of-13b-by-2025-ispa-ey/articleshow/94766100.cms. Acesso em: 15 ago. 2025.