A Polêmica Parceria Sino-Argentina
Olá leitor!
Segue abaixo uma matéria publicada na edição de nº 46
de Março-Abril de 2016 do “Jornal do SindCT”, destacando a polêmica
parceria Sino-Argentina.
Duda Falcão
MUNDO
Chineses constroem uma base de observação na patagônia
A Polêmica Parceria Sino-Argentina
Parte de um tratado de cooperação anunciado em 2015, a base de Paraje de
Quintuco vinculase ao objetivo doschineses de rastrear suas missões
na órbita da Terra e na direção da Lua e Marte
Antonio Biondi e
Daniel Merli
Jornal do SindCT
Março-Abril de 2016
Em parceria com a Argentina, o governo chinês trabalha
para inaugurar no final deste ano sua base de observação interplanetária em
Paraje de Quintuco, na província de Neuquén, na Patagônia argentina. É a
terceira unidade chinesa do tipo, mas a primeira fora de seu território, o que
desperta a atenção de outros países. Parte de um tratado de cooperação
Argentina-China anunciado em 2015, a base de Paraje de Quintuco vincula-se ao
objetivo dos chineses de rastrear suas missões na órbita da Terra e na direção
da Lua e Marte.
O acordo foi alvo de críticas por parte da mídia
conservadora da Argentina, como o jornal La Nación. O periódico — que,
recentemente, chegou a defender em editorial que Mauricio Macri anule penas
decretadas contra agentes da Ditadura Militar (1976-1983) — propôs que o novo
presidente anule trechos do acordo com a China, celebrado por sua antecessora
Cristina Kirchner.
Tanto o La Nación como alguns analistas adotaram uma
linha de críticas ao acordo baseadas na possibilidade de uso militar chinês em
território argentino. É o caso do analista político Rosendo Fraga, diretor da
consultoria Nueva Mayoria, em entrevista à britânica BBC. Segundo ele, “para a
China, o satélite é do Exército, não importa o uso que se dá a ele”, e “o uso
militar desta informação, se existe, é incontrolável”.
A polêmica é desnecessária, se considerada a premissa do
engenheiro espacial José Bezerra Pessoa Filho, pesquisador do Instituto de
Aeronáutica e Espaço (IAE). “Qualquer país que desenvolveu programas espaciais
não o fez para gerar tecnologia de ponta ou emprego de qualidade, mas o fez por
questões militares”, avalia. Bezerra acredita que a Argentina possa enfrentar logo
restrição de compra de produtos pelos Estados Unidos. Ele lembra que o governo
norte-americano veta a venda de componentes para países que desenvolvem
projetos em parcerias com seus concorrentes. “Nosso país já sofre com isso pelo
desenvolvimento do satélite sino-brasileiro”, lembra.
De qualquer modo, não faz parte do acordo a cooperação
para lançamento de foguetes ou produção de satélites, mas apenas a observação
espacial. Ainda assim, a cooperação sino-argentina representa mais um passo
importante do país vizinho no setor, em uma década na qual vem registrando
importantes avanços. Em outubro de 2015, lançou o satélite Arsat-2, menos de um
ano depois do pioneiro Arsat-1, que atingiu sua posição orbital em 2014. Ambos
desenvolvidos com tecnologia própria.
Em um cenário de eleições presidenciais e de inúmeros
avanços na corrida espacial, a então presidente Cristina Kirchner optou por
consolidá-los na legislação. Preocupada com possíveis mudanças no programa em
caso de derrota do seu candidato, Cristina enviou ao Congresso a Lei de
Desenvolvimento da Indústria Satelital. A legislação, que visa manter seu
legado na área, foi sancionada no dia 4 de novembro de 2015, pouco mais de um
mês antes de Mauricio Macri tomar posse como novo presidente da Argentina.
A Lei de Desenvolvimento da Indústria Satelital contém,
por exemplo, alguns dispositivos para blindar o trabalho da estatal Arsat. Um
deles é a reserva preferencial das frequências de 3G e 4G para a estatal, bem
como a necessidade de dois terços de votos no Congresso Nacional para aprovar a
venda de ações do Estado na empresa ou a liquidação de algum patrimônio da
estatal.
A lei define que o desenvolvimento da indústria de
satélites é uma área de interesse público da Argentina e que um Plano Satelital
Geoestacionário será implementado pela Arsat entre 2015 e 2035. Para se ter uma
ideia da dimensão e alcance da proposta, ela prevê a fabricação e lançamento de
oito novos satélites nos próximos 20 anos.
Exemplo?
Em paralelo ao processo argentino, o Brasil segue em
compasso de espera na mesma área. Em 2015, o país encerrou sua controversa
parceria com a Ucrâ- nia, consumada na Alcantara Cyclone Space (ACS). O fim do
acordo é avaliado negativamente por Paolo Gessini, professor de Engenharia da
Universidade de Brasília (UnB). “Era uma oportunidade de recuperarmos terreno
perdido”, acredita Gessini. Segundo ele, os ucranianos possuíam uma “tecnologia
robusta”, advinda da experiência de décadas de produção durante a existência da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
“É uma parceria que tinha tudo para dar certo: a Ucrânia
tem tecnologia, mas não tem dinheiro nem posicionamento geográfico. Já o Brasil
tinha interesse em investir e uma base aeroespacial”, afirma. Gessini considera
pouco provável que o Brasil encontre outro parceiro estratégico para seu
programa aeroespacial. “Os Estados Unidos? Nunca, eles não transferem
tecnologia. Europa, Rússia, China? Por que eles precisariam de parceria com o
Brasil?”. Na visão do professor da UnB, a parceria com a Ucrânia era, portanto,
uma oportunidade única.
Já Bezerra não vê sentido na parceria Brasil- -Ucrânia e
avalia que os responsáveis pelo projeto deveriam ser responsabilizados pelos
investimentos que agora podem se transformar em desperdício pesado de dinheiro
público. “Não era só a Ucrânia que queria fazer acordo conosco, outros países
queriam”, afirma ele, destacando nesse sentido a atrativa localização de
Alcântara.
Numa coisa, Bezerra e Gessini concordam:
independentemente de estabelecer parceria ou não, o Brasil precisa de
investimento maciço e continuado se quiser desenvolver seu programa
aeroespacial. “Se o Brasil quer de verdade fazer o programa espacial que diz
almejar, precisa de muito mais investimento — ou não vai a lugar nenhum”,
afirma Gessini. “Ou nós encaramos isso de frente ou desistimos. E minha
avaliação é que, nós, como país, já desistimos, mas mantemos a retórica”,
afirma Bezerra.
Gessini, por sua vez, aponta o desenvolvimento de
pequenos satélites como uma das possibilidades para o Brasil. “Seria necessário
fazer uma análise de mercado em outros países, mas hoje não são mais
imprescindíveis os satélites de uma tonelada ou mais. Há satélites de até 100
quilos ou menos, que fazem operações importantes, como a observação da Terra, e
podem representar um novo mercado para o Brasil”. Ponto de vista, ao que
parece, compartilhado pelas autoridades que decidiram priorizar o Veículo
Lançador de Microssatélites (VLM) em vez do VLS.
Fonte: Jornal do SindCT -
Edição 46ª - Março-Abril de 2016
Comentário: Endosso aqui as colocações do engenheiro espacial José Bezerra Pessoa Filho do IAE, e lamento profundamente as colocações sobre a ACS do Dr. Paolo Gessini da UnB. Desculpe-me Dr. Gessini pela minha sinceridade, mas o senhor perdeu uma grande oportunidade de ficar calado.
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