Revisão do PNAE: participação social é passo importante, mas a estrutura da governança espacial também precisa mudar

Olá, entusiastas!


O Brazilian Space acredita que um programa espacial estratégico só será verdadeiramente eficaz se for tratado, nessa ordem, como política de Estado, com continuidade, clareza de prioridades, participação efetiva da sociedade e com previsibilidade orçamentária. Para isso, é essencial definir e perseguir roadmaps nacionais de longo prazo, que indiquem quais missões e capacidades o Brasil pretende alcançar e consolidar para diminuir o gap que hoje o separa de países com estatura relevante na geopolítica e astropolítica global.

Créditos: AEB (Adaptado)

Neste sentido, a iniciativa da Agência Espacial Brasileira (AEB) de abrir um processo participativo para revisão (veja aqui) do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE 2022–2031) é um passo importante. A consulta pública — que ocorre entre 6 de outubro e 5 de novembro de 2025 — permite que especialistas, instituições, empresas, universidades e cidadãos enviem contribuições pela Plataforma Brasil Participativo.

O PNAE é um instrumento decenal e o principal documento de planejamento do Programa Espacial Brasileiro (PEB). Sua atualização tem como objetivo alinhar as metas e prioridades do setor às necessidades nacionais, ampliando a transparência e a representação social no processo de definição de políticas espaciais.

Contudo, para além da revisão do conteúdo do programa, é necessário enfrentar uma questão estrutural: onde, como e quem participa das decisões estratégicas.

Governança: abrir espaço para quem está construindo o setor

Hoje, tanto o Conselho Superior da AEB quanto o Conselho Nacional de Espaço têm composição limitada, predominantemente institucional e governamental (veja aqui). Para que o programa espacial brasileiro avance de forma mais dinâmica, moderna e representativa, é fundamental ampliar essa estrutura, com a inclusão de:

- Assentos fixos e/ou rotativos para entidades representativas das startups espaciais brasileiras, que hoje são protagonistas da “Nova Era Espacial” no mundo todo, menos no Brasil;

- Organizações da sociedade civil independentes com interesse ou sob impactodo setor espacial;

- Mais representantes oriundos de universidades, grupos de pesquisa e usuários de aplicações espaciais, como setores produtivos, ambientais e de segurança de todas as regiões do País;

- Representantes de Estados e Municípios (que com certeza precisam de tecnologia espacial) que podem contribuir para um fundo nacional que financie os programas nacionais (civil e/u de defesa e segurança pública) e que, por esse motivo, devem participar das decisões.

Essa ampliação ajudaria a reduzir as falhas e incompletudes estruturais do PNAE, um programa que, por ser decenal, deveria oferecer previsibilidade e coerência estratégica. A versão 2022–2031, no entanto, foi lançada de forma frágil e mal estruturada — e está sendo revista com apenas três anos de vigência, confirmando alertas que o Brazilian Space já havia feito publicamente em diversos vídeos e matérias e, muito provalmente, assim como aconteceu com a versão 2005 - 2014, deverá ser antecipada a elaboração de uma nova versão antes de 2031.

ProSAME: um instrumento importante, mas ainda insuficiente para orientar o futuro

Outro ponto essencial nessa revisão é o ProSAME — Procedimento para Seleção e Adoção de Missões Espaciais. Em teoria, o ProSAME estabelece o fluxo para que propostas de missões sejam recebidas, avaliadas e eventualmente adotadas pela AEB

O modelo prevê etapas organizadas em Carteiras de Admissão, Qualificação, Habilitação e Execução, buscando reduzir incertezas e garantir aderência ao PNAE. Contudo, há um problema de origem: a AEB não define de forma clara e objetiva quais são os tipos de missões prioritárias — por exemplo, científicas, de sensoriamento remoto óptico ou radar, de validação tecnológica, estratégicas de defesa ou civis — nem estabelece critérios transparentes para determinar quais projetos concorrem a apoio institucional ou a apoio institucional e financeiro da AEB e da FAB.

Sem essa definição estratégica prévia, o ProSAME corre o risco de se transformar em um mero registro cartorário de propostas, sem indicar para onde o país pretende de fato ir no setor espacial.

Para que o ProSAME cumpra o seu papel de motor de crescimento do programa espacial, é preciso que a AEB estabeleça primeiro um roadmap de longo e longuíssimo prazo — definindo metas, prazos e prioridades nacionais —, a partir do qual as missões sejam selecionadas com base em critérios técnicos, estratégicos e geopolíticos claros.

Caso contrário, o Brasil continuará adotando as prioridades dos outros, e não aquelas que definem o seu caminho para alcançar objetivos próprios — tecnológicos, científicos, industriais, sociais e geoestratégicos.

Mais do que revisar o plano — é preciso revisar a governança e a base do processo

Revisar metas e estratégias do PNAE é necessário e bem-vindo, mas insuficiente se a estrutura de participação e governança da política espacial não for reformulada. Antes de gerar um novo documento, a AEB precisa olhar para dentro: criar forças para se reestruturar e reposicionar na estrutura governamental, modernizar seus conselhos, abrir canais permanentes de diálogo com atores não estatais e institucionalizar mecanismos de escuta e transparência.

Somente assim será possível produzir um programa robusto, legitimado socialmente e com capacidade real de impulsionar o setor espacial brasileiro.

O processo participativo aberto pela AEB é um bom começo. Mas a verdadeira transformação virá quando a estrutura de decisão e planejamento também passar a refletir a diversidade de vozes que constroem — e serão impactadas — pelo futuro espacial do país.


Rui Botelho
Editor-chefe do Brazilian Space


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